Correio da Cidadania

Reflexões sobre a guerrilha do Araguaia - 3

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As diferentes tentativas de luta armada no Brasil, incluindo a guerrilha no Araguaia, foram derrotadas. Quase 30 anos depois, porém, parece continuar a dificuldade em avaliá-las com serenidade.

 

É verdade que a teoria da guerra popular, ao ter início a luta no Araguaia em 1972, não era adequada às condições do Brasil. Mas seu problema não estava em haver absolutizado um modelo de revolução apropriado para países agrários. Seu problema consistiu em que, na prática, ao não forjar vínculos profundos com as grandes massas da população, os militantes e dirigentes do Araguaia não conseguiram enxergar a realidade e mudar a teoria.

 

Durante os anos 1960 e 1970, a modernização do latifúndio expulsou milhões de camponeses das terras em que trabalhavam, e os obrigou a migrar para a indústria urbana, ou para as zonas de posse das fronteiras agrícolas. Nestas, surgiram milhares de lutas rurais, em geral desconsideradas pela historiografia, que tinham como marca a utilização de táticas espontâneas de guerrilha.

 

Essas lutas ocorreram principalmente nos estados do Pará, Mato Grosso, Goiás e Maranhão, com forte participação de massa. Na maior parte das vezes, os posseiros evitavam choques frontais, realizando o confronto armado apenas como autodefesa, seja contra bandos de jagunços, seja contra destacamentos da polícia militar.

 

Sua prática consistia em lutar com razão e com limites. Conscientes da desproporção de forças, tanto apelavam para as armas, quanto buscavam formas de negociação. As autoridades, diante da participação massiva, também eram obrigadas a negociar. Essa combinação real, de choques armados e ação esvaziadora do regime, apontava os limites para a transformação dessas lutas em guerra popular generalizada.

 

Se estivessem realmente vinculados às massas, participando dessas lutas, os militantes e dirigentes do Araguaia teriam tido condições de extrair de tais experiências a necessidade de seguir outro caminho. No entanto, isolados delas por questões de segurança militar, mantiveram-se fieis à prática, e também à teoria, de que, iniciada a luta armada em novo patamar as massas se incorporariam naturalmente. Elas não se incorporaram, por mais que se valorize que 11 ou 20 camponeses aderiram à guerrilha.

 

O desencadeamento da luta no Araguaia, em 1972, também tem a ver com a visão imprecisa sobre a correlação de forças. É verdade que muitos supunham a ditadura militar como um regime em desagregação. Não davam crédito a seu milagre econômico, nem à sua conquista de amplos setores sociais. No entanto, daí não se pode concluir que tal fato, aliado à dura repressão política e militar, criara uma situação que tornava ineficaz qualquer luta, ainda mais uma guerra de guerrilhas.

 

Chegar a essa conclusão pode significar o reconhecimento de que a linha de nada fazer, defendida pelo partidão, era a mais adequada. Esta linha, porém, também foi fatal para aquele partido. Qualquer que fosse a forma de luta adotada, havia sempre o perigo de ser golpeada pelas forças repressivas. Assim, a visão imprecisa sobre a correlação de forças pode nos levar a um beco sem saída, se não for apreciada em seu contexto histórico.

 

Por exemplo, ela não nos dá condições de explicar porque, em 1974, justamente quando a guerrilha do Araguaia acabara de ser esmagada, as mobilizações democráticas tomaram vulto e levaram o governo militar a uma derrota eleitoral. Em 1973, quando ocorreu a campanha militar decisiva contra a guerrilha, o milagre econômico da ditadura entrara em crise e multiplicaram-se os embates contra o regime. Ou seja, a guerrilha foi derrotada no momento em que a correlação de forças começara a mudar a favor da oposição.

 

Nessas condições, é preciso reconhecer que a resistência armada no Araguaia, mesmo não se transformando em guerra popular generalizada e sendo derrotada, fez parte desses milhares de embates, pacíficos e armados, que contribuíram para colocar em tensão o regime militar, desnudar sua natureza genocida e introduzir contradições em seu meio.

 

A critica à guerrilha do Araguaia não pode ser reduzida à inadequação da teoria à nova realidade dos anos 1970, nem à visão imprecisa da correlação de forças. Para ser justa com os que deram seu sangue e sua vida naquela guerra desigual, essa crítica precisa levar em conta a situação histórica que conformou a idéia da luta armada, bem antes de 1972, e os caminhos que conduziram ao sul do Pará. É o que tentaremos fazer, através de um testemunho pessoal.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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Comentários   

0 #6 SÍTIO CALDEIRAO, O ARAGUAIA DO CEARÁOTONIEL AJALA DOURADO 12-10-2009 09:55
SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ:

NO CEARÁ também houve um “Araguaia”, que foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará no ano de 1937, contra os camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, quando mataram através de bombardeio aéreo, e depois, no solo, com tiros de fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, mulheres grávidas, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse à alcance de suas armas.

Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará foi de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO / CRIME CONTRA A HUMANIDADE é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira bem como por Acordos e Convenções internacionais, e foi por isso que a SOS - DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - Ceará, ajuizou no ano de 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que sejam obrigados a informar a localização exata da COVA COLETIVA onde esconderam os corpos dos camponeses católicos assassinados na ação militar de 1937.

Junte-se à SOS – DIREITOS HUMANOS nessa luta pelo direito das vítimas serem enterradas com dignidade, e não fiquem para sempre em alguma cova coletiva na CHAPADA DO ARARIPE.

SDS,

Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 - (85) 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
www.sosdireitoshumanos.org.br
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0 #5 Para quem pensa que só discordoRaymundo Araujo Filho 19-08-2009 09:34
Do Wladimir pomar, quero declarar minha concordãncia com esta análise respeitosa sobre trágico período.

Os dois últimos parágrafos nos mostra a delicadeza com que Wladimir trata este assunto, que também lhe é caro.

Só alerto que o contrário a entendermos a inadequação e até a possibilidade de luta armada aqui no Brasil, não o adesismo desenfrado ao projeto neo populista de lulla, nem fazer eco a falsas teorias que, não fosse as alianças de lulla, ele não conseguiria governar.

Quem defenmde esta tese, incorre no mesmo erro de não adequar as teorias aos momentops específicos.

O Brasil elegeu lulla em grande ascenso das forças populares organizadas e consenso social, que poderia ser transfoermado em agente real de mudanças, caso não fosse instado a ficar em casa, esperando que Lulla resolvesse tudo.

Naquel ocasião (2202), qualquer chamamento de Lulla para que nos manifestássemos publica e presentemente nas ruas, seria acatado. E pacificamente.
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0 #4 AraguaiaHELIO JOST 18-08-2009 15:19
Infelizmente, muitos ainda não se situam historicamente e pensam que o Golpe Militar foi uma resposta às guerrilhas, quando é o contrário. O surrado argumento de risco de implantação de um regime comunista foi apenas um pretexto para o golpe.
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0 #3 A maior das armasEdna Madalozzo 18-08-2009 13:19
A elite que patrocinou o Golpe Militar tinha, e ainda tem, a maior das armas: os meios de comunicação. Difícil alavancar as massas com essa correlação forças.
O pior é que a esquerda ainda não acordou para isso. Tanto que, mesmo elegendo um governo “operário” e "progressista" o Helio Costa continua intocável. Há os que reclamam, mas nunca vi movimento forte para derrubar Hélio Costa, Marinhos e evangélicos do controle da mídia.
O que salvou o período de repressão militar foram os bravos guerrilheiros (heróis urbanos e camponeses) que resistiram, deram suas vidas e deixaram sua história como um exemplo de que existem brasileiros com coragem e disposição de luta pelo coletivo(ou pelo menos já existiu). Lembrar deles é sempre importante.
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0 #2 EsclarecedorRafael Dantas 18-08-2009 12:36
Acho que poderia avançar mais, continuar escrevendo sobre este assunto que muito interessa, citar obras e autores socializando suas fontes conosco para também avançarmos em conjunto.


Saudações
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0 #1 Reflexões sobre a guerrilha no AraguaiaLuiz Paulo Santana 18-08-2009 11:12
Não há teoria que possa ser aplicada genericamente aos diferentes movimentos sociais. No caso de uma revolução como a que se tentou, não bastam as experiências anteriores: é necessário atualização histórica, contextualização e profundo conhecimento da cultura do país, de suas relações entre classes, de seu estágio político, educacional, e no nosso caso, sociedade de enormes desigualdades, de como cada faixa sócio-econômica responde ou reage às questões e problemas que lhe são colocados e dos meios e obstáculos que se interpõem para o alcance do objetivo.
Caracterizamo-nos pela passividade, pela obediência, pelo autoritarismo arbitrário, somos parte e contraparte do autoritarismo e da subserviência, vítimas que somos da história da escravidão e da escravocracia, do colonialismo exploratório corrupto e corruptor, que se desdobra no característico patriciado local, cheio de compadrios e influentes amizades, desdobramentos da herança cultural ibérica. Tivessem os brasileiros do Araguaia triundado e teríamos grandes batalhas pela frente, até fazer do poder fonte de justiça, distribuição, participação e respeito à cidadania.
É muito complexo e mais complexo tornou-se com a globalização e, agora sim, massificação, na significação mais atordoante da palavra \\\\\\\"massa\\\\\\\", presa de uma força alienante através dos sistemas de comunicação, dominados por um dos muitos \\\\\\\"pensamento único\\\\\\\" de que somos capazes.
Mas coisas mudam e continuam mudando, e se vejo com pessimismo o futuro, não posso negar que toda a instrumentalidade de que se utiliza as forças do \\\\\\\"status-quo\\\\\\\" no poder(das quais somos contrapartes sensíveis)pode sofrer reciclagens fenomenológicas (vide a internet, vis a vis os limites do aquecimento global)e encaminhar novas soluções consentâneas com as idéias de justiça social, solidariedade laborativa e distributiva, administração ecológica de recursos planetários, enfim, uma guinada geral e uma freiada brusca na enlouquecida velocidade com que produzimos e desperdiçamos recursos, em detrimento da grande maioria e da conservação do planeta.
Será?
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