Lula e o Estado Novo de Vargas
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- Wladimir Pomar
- 03/03/2010
Não deixa de ser interessante que os críticos do governo Lula enxerguem nele a incorporação das principais forças políticas e econômicas do país, incluindo o agronegócio, o sindicalismo, o monetarismo, o desenvolvimentismo, o capital produtivo e o capital financeiro. O falecido Stanislaw Ponte Preta se deliciaria com esse samba-enredo, cheio de forças ocultas e fantasmas.
De imediato, caberia uma pergunta: por que apenas figuras como José Sarney, Jader Barbalho, Romero Jucá e Geddel Oliveira são vistas como a junção de tudo o que se tem de pior na política? Suponhamos que o PT, como desejam alguns petistas desinformados, se aliasse a figuras tucanas como José Serra, Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati. Essas figuras representam, por acaso, algo melhor na política brasileira?
Se a medida para as alianças for esse algo pior ou algo melhor, será difícil aliar-se à maior parte das figuras políticas presentes no cenário político do país. No entanto, na política real, alianças não são feitas com amigos, mas com inimigos secundários, em torno de objetivos momentaneamente comuns, para isolar e/ou derrotar o inimigo principal.
Portanto, se quisermos mudar a lógica de funcionamento da política, de cara precisaremos colocar conteúdo social nos conceitos de figura, partido e Estado, apontando a que classes e interesses realmente serviram ou servem, quais seus objetivos presentes e com que força política realmente contam. É isso que realmente vale na construção da pauta política, qualquer que seja o objetivo de longo prazo.
Na falta de parâmetros sociais claros, os críticos divagam sobre alegorias. Para eles, na economia, Lula teria incorporado JK. Na política, teria incorporado Vargas e evocado seu Estado Novo. Da mesma forma que Vargas, Lula estaria trazendo para si tudo o que é vivo na sociedade, e formulando políticas para ela. Através de uma suposta crescente centralização do Estado, ele já teria força e carisma suficientes para absorver as representações corporativas de trabalhadores e empresários, e mediar seus interesses conflitantes.
Com isso, os críticos omitem a permanência de problemas estruturais na sociedade brasileira, problemas não resolvidos pelas modernizações conservadoras de Vargas, JK e do regime militar. Esquecem, ou escondem, que tais problemas foram agravados pelas políticas regressivas neoliberais dos governos dos anos 1990. E, ao invés de explicarem as semelhanças da política econômica do governo Lula com as políticas nacional-desenvolvimentistas anteriores justamente em virtude daquela permanência, preferem criar o mito da incorporação fantasmagórica.
Isso é ainda mais gritante quando comparam a ação política de Lula com a de Vargas durante o Estado Novo, um Estado ditatorial, tendo por suporte o latifúndio, a burguesia e o aparato militar, todos reacionários de forte viés fascistizante. A conciliação de classes, promovida por Vargas, combinava repressão e coerção policial-militar com concessões apenas econômicas aos trabalhadores urbanos.
Em outras palavras, por um lado Vargas possuía hegemonia sobre o latifúndio, a burguesia, parte dos trabalhadores urbanos e sobre o aparato estatal. Por outro lado, exercia uma dominação férrea sobre a sociedade, em especial sobre os trabalhadores urbanos e sobre os agregados dos latifúndios. Estes últimos não tinham acesso a qualquer direito. Combinando hegemonia e dominação, Vargas excluiu de sua cartilha os direitos políticos. A conciliação de classes do seu período foi imposta pelo aparato repressivo e coercitivo do Estado.
Desse modo, é preciso muita magia para evocar o Estado Novo dos anos 1930 e 1940 e fazer com que Lula incorpore o Vargas desse período. Lula não possui hegemonia sobre a burguesia nem sobre o agronegócio, que substituiu o latifúndio de velho tipo. Muito menos tem hegemonia sobre o aparato do Estado que, embora continue sendo o Estado patrimonial construído pelas classes dominantes, se vê constrangido a conviver com um sistema político liberal.
Nessas condições, Lula aumentou sua influência sobre os trabalhadores urbanos e rurais e sobre setores da pequena-burguesia, mas ainda é cedo para dizer que essa influência tenha se transformado em hegemonia. Apesar dos esforços persistentes da grande imprensa e de parte da intelectualidade para demonstrar que o PT e Lula querem liquidar com os direitos políticos, dominação não faz parte da cartilha política nem da prática de ambos, ao contrário de Vargas.
O Brasil jamais atravessou um período político democrático tão amplo e profundo, mesmo num contexto de forte disputa contra os setores políticos neoliberais das classes dominantes. A participação democrática tem sido ampliada, através da negativa de criminalizar os movimentos sociais e pelo estímulo à realização de conferências setoriais, em âmbito local, regional e nacional. O que tem isso de similar ao Estado Novo varguista? Nada.
Então, quando os críticos evocam o Estado Novo, e comparam Lula a Vargas daquele período, para concluir que ele se tornou o conciliador de classes, o que pretendem é associá-lo à burguesia e às tendências autoritárias desta. Em outras palavras, fingem atacar Lula pela esquerda, de modo a justificar sua adesão à direita demotucana.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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Comentários
Leia, dele, 'Brasil, de Getúlio a Lula', no livro 'Brasil, entre o passado e o futuro', recém-lançado, e a comparação está lá - e é uma comparação elogiando as semelhanças!
Abraço,
Victor.
Se for necessário então é: "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay"
Caminho aberto e mantido há mais de uma década.
Dois exemplos: a exagerada concentração da renda nacional nas mãos da União e a dívida dos Estados e Municípios com a União, lastreada em contratos desequilibrados, abusivos, draconianos e leoninos.
A União, por vias transversas, burla o dispositivo constitucional que estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.
Sem a menor dúvida, este caminho leva para a reinstalação do estado unitário que é o principal gerador de regimes totalitários, espetáculo onde se apresentam poucos atores e muitos, muitíssimos, espectadores.
O Brasil já trilhou este caminho quando foram abolidos os partidos políticos bem como, em nome das rivalidades regionais, os hinos, os escudos e as bandeiras dos Estados Federados.
A opção política pelo enfraquecimento da Federação Brasileira decorrente da atual concentração de poder na União é uma realidade insofismável e perigosa.
É bem mais parecido o gov. Lula com o segundo gov. Vargas, muito mais que com o primeiro (estadonovista), e essa simples evidência o Pomar também desviou, os motivos sabemos, faz o papel de critica interna para mostrar que o PT ainda é de esquerda e democrático (sic e sic).
Nem fala que o bolsa família custa nem 5% do que se paga de juros para os bancos! Bem menos que os R$ 30 Bilhões para comprar os aviões de Sarkozy. etc etc
Apenas lembro ao nobre articulista que há um outro setor, além dos grupos políticos oligárquicos que, infelizmente nem ele e enem os Lullo Petistas que ele critica, sequer mencionam, ao menos como sujeito da Política, senão comomeros destinatários e alvos-objetos das polpitcas desenvolvidas (ao menos como desculpa, isso serve). Este setor chama-se POVO, muto maior e mais aguerido que os próceres da velha oligarquia e da nova oligarquia que o PT, sem dúvida está se constituindo hoje.
Outrossim, os dados que são divulgados,por quem sofre os efeitos da borduna (e não por quem bate, ou é governo) atestam que a matança no campo e a criminalização dos Movimentos Sociais, infelizmente, continam em voga, aqui no Brasil.
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