Harmonização de contrários
- Detalhes
- Wladimir Pomar
- 10/03/2010
Para os críticos do governo Lula, este teria se tornado o conciliador de classes, ou harmonizador de contrários. Através de uma política de deixar as contradições internas amadurecerem até o ponto em que necessitem de arbitragem, Lula estaria cimentando e harmonizando os trabalhadores e a burguesia, os contrários, com o objetivo não de romper, mas de concluir a modernização conservadora.
Embora evoquem o Estado Novo varguista para explicar essa política, os críticos não colocam Lula no comando e hegemonia da burguesia. Ao contrário de Vargas, Lula estaria sob o comando e hegemonia da grande burguesia, o que nega, pelo menos em parte, a similaridade que apregoam, assim como a capacidade que Lula teria em harmonizar os contrários.
Tal tipo de análise, mesmo torta, tenta provar que, da mesma forma que Vargas e JK, Lula estaria repetindo modernizações que combinaram concentração de renda, desenvolvimento desigual e ausência de reformas sociais e de investimentos em educação, saúde, saneamento e reforma agrária. E, mais do que isso, que Lula já teria mudado de lado.
Em outras palavras, o governo Lula estaria mantendo o Brasil dividido, desigual, dual, fazendo com que convivam, lado a lado, um Brasil moderno, inserido globalmente, nação emergente, 8ª economia mundial e, ao mesmo tempo, um Brasil miserável, da fome, da classificação de 70º IDH, das metrópoles inchadas, do drama na saúde e na educação.
Para os críticos, os resultados teriam sido o oposto da grande aposta do que seria Lula no poder. A aposta de que faria um governo sintonizado com o seu histórico de movimento social, reformista, com avanços na socialização da política, alargamento dos espaços de participação da grande massa popular, intensa redistribuição da renda e reforma política, que desse fim ao patrimonialismo.
Temos, pois, questões relacionadas tanto com as realizações do governo Lula quanto com a aposta de alguns setores da esquerda, e também da direita, a respeito dos resultados da eleição de Lula para o governo. É interessante que os críticos de ambos os extremos coincidam em sua apreciação de que não ocorreu qualquer mudança no Brasil miserável, de fome, do 70º lugar no IDH, das metrópoles inchadas, do drama na saúde e na educação. E que divirjam, também ao extremo, quanto às reformas e alargamento da participação popular.
Seus instrumentos de análise só possuem medidas mínimas e máximas. Como a miséria e a fome não foram totalmente extintas, como o índice brasileiro de desenvolvimento humano continua baixo, como nossas metrópoles continuam inchadas e como permanecem graves problemas não apenas na saúde e na educação, mas também na moradia, no saneamento e em outras áreas sociais, a nota é zero.
É verdade que há gente no governo Lula que possui instrumentos idênticos, que indicam nota máxima aos avanços na redistribuição de renda, erradicação da pobreza, criação de empregos e melhorias na saúde e educação. Em relação à participação popular, enquanto a esquerda crítica se afana em dizer que o governo cooptou os movimentos sociais, a direita grita que o governo não reprime o MST e outros baderneiros. Ambos, porém, estão desfocados quanto à realidade.
Mesmo estando apenas no governo, não no poder (os críticos teimam em confundir as duas esferas), o governo Lula se diferencia qualitativamente dos governos nacional-desenvolvimentistas anteriores por dedicar atenção especial às questões sociais. Somente os cegos políticos e os maledicentes têm dificuldade de reconhecer isso, da mesma forma que não reconhecem que o governo Lula alargou os espaços de participação popular e vem introduzindo modificações no patrimonialismo dominante.
Os críticos parecem dominados pela idéia do livre arbítrio, ou voluntarismo, segundo a qual basta ter vontade política para reformar, socializar, redistribuir a riqueza e a propriedade, e acabar com todos os males. Nessas condições, avaliar o apoio parlamentar e a necessidade de alianças e coalizões, à margem de definições ideológicas, não passaria de pragmatismo irrestrito de progressistas-conservadores. Ou de submissão à política de conciliação de classes.
Como os críticos acham que a mobilização social também é um ato de vontade do mandatário do Estado, a correlação de forças estaria subordinada àquela política de conciliação ou harmonização dos contrários. Não lhes passa pela cabeça, ou não lhes interessa explicar, que tal política, ao contrário, pode decorrer, entre outras coisas, justamente do baixo grau de mobilização social, que vem ocorrendo no Brasil desde meados dos anos 1980. Em parte, acrescente-se, pela crença de que seja possível, apenas através dos processos eleitorais, realizar reformas, socializações e redistribuição da renda e da propriedade, e acabar com o patrimonialismo.
A experiência histórica tem mostrado que até mesmo os processos revolucionários não conseguiram realizar de chofre as tarefas que os críticos apostavam para Lula. Em todas elas, os rearranjos sociais e políticos se impuseram, aberta ou sorrateiramente, impondo adiamentos, reformas e socializações processuais, novas coalizões, recuos táticos e estratégicos, muitas vezes à margem de definições ideológicas.
Mesmo porque, na vida real, o comando é da política, não da ideologia. Esta apenas serve para que, nos inevitáveis e complexos desvios e manobras táticas, não se perca o norte estratégico nem a honra de classe. Em outras palavras, na tática de harmonização de contrários, não se pode mudar de lado, nem supor que seja possível utilizar impunemente os mesmos métodos dos aliados eventuais, como a crise de governo, em 2005, demonstrou.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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Comentários
Esse pequeno detalhe impede que eu possa ler com a devida atenção a mensagem do Sr. Raivoso, até mesmo pelo seu voluntarismo tolo e inocente.
Ainda não foi desta vez, senhor Raivoso, que a revolução se fez. E nem se fará mais pelas tintas e pelo sangue do que se foi (bagagem indispensável) porque o cenário mudou drasticamente — e para pior, a meu ver. Contudo, sobretudo a nós, velhos, resta continuar pensando, debatendo, pregando o aumento da participação cidadã de todos nos diversos níveis da política, fundamental vetor nos processos de mudança e de assunção de responsabilidades. Há um longo caminho a percorrer.
Já disse e repito que ultra esquerda no Brasil é inexistente, a não ser em desejos. Leiam sobre a "vida e obra" de Makhno e verão que o que afirmo é vero. No Brasil, somos todos Santos...
Mas, meu cenário inicial para as profundas Reformas pleiteadas pelos setorwes progressitas da sociedade brasileira, arrastando até setores mais comedidos e até conservadores é a primeira eleição de Lulla, em 2002.
Ali, pela via eleitoral, mas sustentada por uma mobilização social ascendente, tendo inclusive o MST e a necessidade da Reforma Agrária terem seu lugar no cenário, inclusive urbano no Brasil, que empurraram e avalizaram o discurso de transformações que Lulla fazia, infelizmente, hoje sabemos, já como jogo de cena, encobrindo os acordos feitos a partir de sua inserção nas hostes da AFL-CIO, operada por seu amigo Stan (Stanley Gacek, o articulador "trabalhista" desta entidade a serviço o Capital), consubstanciada na Carta aos Brasileiros (na verdade, Aos Estrangeiros), há menos de dois meses do pleito, quando não se poderia mais retroceder em apoio a sua eleição, fruto de uma articulação de 20 anos, por parte do Movimento Sindical, Social e Popular Brasileiros.
Ao asumir o governo, Lulla tinha duas opções: Ou chamar o Povo, para se manifestar ativamente sobre o que seria o seu governo, baseao nas profundas reformas econômicas, política e social sob as quais sua eleição foi construída, ou mandar o Povo para casa dizendo "Deixa comigo".
Sem dúvida, oPTou pela segunda, nomeando emblematicamente Henrique Meireles para o BC, mostrando a que veio.
No mesmo ano de 2003, após, em campanha, ter afirmado em vários encontros com Agricultores que "Um país que tem esta Agricultura Familiar não precisa de Transgêncos (no sudoeste do Paraná falou estas palavras frente a 2 mil agricultores - o AS-PTA tem esta gravação, mas não libera), sob insidiosa articulação de Zé Dirceu, aprovou os Transgênicos, iniciando aí as derrotas que Marina Silva, no Meio Ambiente, e a Esquerda do PT, esta no Ministério da Reforma Agrária sofreram, mas sem sair do Governo que já não mostrava nenhuma disposição de aturar "disputas de projetos", que alguns mal formados politicamente, agora apostam que terão com Dilma.
Daí para frente, foi o que se viu.: A cooptação do Sindicalismo, dos Partidos, da Militância com promessas, empregos e verbas localizadas, mas sem visão do todo, e a conjunção carnal com setores atrasados da oligarquia política brasileira dos Sarneys e Cia, para sobreviverem as besteiras feitas por verdadeiros aloprados, quando não pior, em nome de algo difuso que chamam de Revolução Brasileira.
E, aí, como se a história tivesse começado ontem, aqui neste país, temos os articulistas que sequer reformistas são, a declararem que Lulla, coitado, foi sequestrado pelas forças internacionais e da burguesia brasileira, etc. e tal, e que há algum assistencialismo decente em gastar 5% dos juros pagos anualmente de uma dívida rolada a juros especulativos, como é o Bolsa Família, além da desnacionalização do patrimônio natural e entrega à iniciativa privada, com lucros fabulosos, de toda a execução do"progresso desenvolvimentista" de crescimento de 3,5% nas vacas gordas dos últimos anos, e colocando o investimento bilionário do BNDES para financiar a exportação de matérias primas.
Estou ficando velho e impaciente pra ler estas baboseiras...
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