Correio da Cidadania

Ainda a crise nas idéias

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A crise nas idéias de alguns pensadores da atualidade se reflete, também, na maneira como analisam a globalização e a confundem com a política da superpotência. Segundo eles, os EUA pregam uma economia mundial de livre jogo dos mercados e das moedas flutuantes, que se converta em um espaço de livre circulação de mercadorias, empresas e capitais, como condição para a construção da civilização, segundo seu próprio modelo. Dessa globalização não faria parte a livre circulação da força de trabalho e das populações.

 

Para realizar esse tipo de globalização, a superpotência teria ressuscitado o discurso ideológico da velha Economia Política clássica inglesa, segundo a qual cada país deveria se especializar no que fizesse melhor para desenvolver seu comércio exterior. Com essa doutrina, a superpotência controlaria a moeda mundial, disporia dos principais bancos e do mais forte mercado de capitais, teria espalhado suas filiais, suas marcas e aspirações de consumo por todo o planeta, e consolidaria sua hegemonia.

 

Nesse contexto, as distâncias entre o centro e a periferia, assim como os gastos com armamentos, não seriam reduzidos. As soberanias nacionais e suas eventuais pretensões desenvolvimentistas não passariam de um sonho irrealizável, pois elas se atrofiariam ainda mais com o auxílio do discurso ambientalista radical, que ataca o progresso humano como um fator de destruição do mundo. Mesmo a vertente ambientalista não radical, com seu hipotético desenvolvimento sustentável, também deixaria implícita a necessidade de conter padrões de vida e ter um "xerife" mundial.

 

Em outras palavras, bem vistas as coisas, só haveria uma tendência e um discurso mundial. O pensamento único de Washington teria aplainado tudo. Como diriam nossos neoliberais, a exemplo de FHC, não há outra solução. Eis aonde nos levou a síndrome do manual na análise da globalização. Transformou críticos do neoliberalismo em seus contrários. Isto é, em arautos do pensamento único, ao desconsiderarem a profundidade da crise da superpotência, assim como a diversidade e multiplicidade dos fenômenos da globalização, que não estão saindo exatamente como a doutrina neoliberal da superpotência propugnava.

 

O erro e a crise de idéias desses pensadores de esquerda residem justamente em não considerarem que o processo de transformação dos Estados Unidos em superpotência, e de suas empresas nacionais e multinacionais em transnacionais, conformando uma nova onda de globalização, resultou num processo extremamente complexo e contraditório, no qual o neoliberalismo foi apenas uma versão ideológica e política relacionada com os interesses das grandes corporações empresariais.

 

As corporações transnacionais, ao buscarem desesperadamente o aumento de sua taxa média de lucros, ou de suas margens de rentabilidade, e converterem o mundo em um espaço para a livre circulação das mercadorias, das empresas, dos capitais e, em certa medida, também da força de trabalho e das populações, acabaram gerando conseqüências que não estavam em seus planos ideológicos e políticos.

 

Esses planos preliminares continham apenas o investimento na aquisição da propriedade de empresas de países periféricos, com plantas já existentes. As empresas rentáveis ou lucrativas eram mantidas, enquanto as demais eram simplesmente fechadas. Ou seja, na prática, os investimentos das corporações causavam um processo de quebra dos parques produtivos nacionais, de desindustrialização, aumentando a dependência desses países em relação às potências centrais. Foi assim com o Brasil de Collor e FHC.

 

No entanto, vários outros países possuíam políticas de desenvolvimento e analisaram a globalização como parte da crise de realização de lucros das grandes corporações. Com isso, vislumbraram a possibilidade de aplicar uma outra vertente à globalização, tendo em vista serem países basicamente agrários, que possuíam vastas populações rurais de baixa renda. Ou seja, uma força de trabalho abundante e potencialmente de baixos salários, que poderia reduzir a crise de realização de lucros das corporações. Por outro lado, poderia industrializar o país se as corporações fossem levadas a implantar novas plantas industriais em seus territórios.

 

As transnacionais viram-se, então, na contingência de ter que transferir parte de suas cadeias produtivas, ou mesmo cadeias produtivas completas, para países e regiões de populações agrárias de baixa renda. Com isso, abriram as comportas para que políticas nacionais de desenvolvimento transformassem países agrários em países agrário-industriais ou industriais. Regiões, antes consideradas economicamente inviáveis, começaram a ser industrializadas, vislumbrando um futuro diferente.

 

Considerar isso como um simples desbordamento de filiais das transnacionais é não entender o significado, para esses países, do desenvolvimento das forças produtivas e da transformação de populações agrárias em populações de trabalhadores industriais, em especial quando aplicam políticas que combinam a existência de vários tipos de propriedade e dão às propriedades pública e estatal um papel estratégico.

 

Ignorar, desdenhar ou omitir essa nova realidade mundial, em que a superpotência, o Japão e os países capitalistas da Europa se encontram numa crise, cuja solução ainda não é visível, e em que surgiram novas potências que, embora com forte presença das transnacionais, possuem empresas nacionais, estatais e privadas, que estão se desenvolvendo como concorrentes das transnacionais, seja no mercado doméstico, seja no mercado internacional, pode ser bem mais do que uma simples crise de idéais. Pode ser uma crise aguda da síndrome do manual, impedindo-os de enxergar os novos parâmetros em jogo.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

 

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Comentários   

0 #3 Coloquem o comentário no lugar do artigoElson 25-05-2010 18:38
Poxa, eu sou muito mais pelo comentário do Raymundo Araújo Filho que o mesmo artigo do WP. Não dá para colocar o comentário no lugar do artigo? De mais a mais, com o comentário não ficou pedra sobre pedra no equilibrismo notório de WP.
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0 #2 Ainda Lewis CarollRaymundo Araujo Filho 19-05-2010 13:40
Ainda não consegui ver esta nova versão cinematográfica de Alice no País das Maravilhas. Mas, vou levando a vida, lendo estas diatribes de Wladimir Pomar, como um aperitivo.

Em primeiro lugar, a generalização de "pensdadores de esquerda" deve ser um dos úiltimos resquícios aparentres do monolitismo presente na ideologia que acompanhou WP em grande parte de sua vida (pelo que pude ler e acompanhar, em dácadas passadas). Agora, as odes ao Pensamento Único continuam a sossobrar em seus escritos, porém com farta maquiagem pseudo diversificante e não monolítica. Mudou a fachada, mas não a essência. E cansou da luta, na opinião deste, que anda muito cansado também, mas não vê como capitular.

Tenho melhor impressão daqueles que capitularam passando-se de forma transparente e assumida para a defesa do processo hegemônico do Capital, do que os Wladimires Pomares (dos quais o PT e aliados da Ex Esquerda Corporation S.A estão lotados)que fazem isso de forma disfarçada.

Portanto (e ainda bem) a esquerda é multifacetada e divergente entre si, em muitas análises, o que a meu ver é saudável, quando não se perde de vista o principal, isto é, a Luta e Mobilização Popular.

Depois o processo de transferência dos parques industriais para os países periféricos é obra muito mais do barateamento da produção, pois pagam salários miseráveis, os trabalhadores têm fraca proteção legal, burlam as legislações vigentes (quando existem...), pagam propinas a rodo, corrompem, matam e acumulam de forema "jamais d'antes vista em nosso país".
Não vê o Wladimr Pomar que, por exemplo, os carros brasileiros continuam tendo cerca de 50% de seus componentes importados com valores agregados, após a compra das matérias primas que lhes vendemos a preço de banana.

Não vê o WP que 50% da energia disponível no Brasil é usufuída de forma subsidiada por apenas 10% da população mais rica, e que a equalização disso passa não exatamente só pelo aumento do parque energético, mas pela distribuição mais justa de seu uso. As dondocas e os dondocos vão ter que reduzir o seu consumo e uso de supérfulos. Doa a quem doer.
Sobre a questão ambiental, não conheço ninguém que se diga mentalmente são e ache razoável 66 Termoelétricas no Nordeste. Para ficar só nisso. WP vai deixar uma conta enorme para seus descendentes pagarem...

O sistema Financeiro trabalha com o mesmo horizonte.

A crise do Japão e EUA, além da Europa é a velha crise de acumulação, que precede grandes movimentos oligopolizantes da economia, pelos setores industriais e financeiros. O Brasil, já escrevi isso antes, não vai ser uma Grécia, pois foi "escolhido" para ser o país de sustentação da crise mundiual, obviamente pelas suas riquezas naturais, parques industriais e mão de obra abundante.

Ah! E porque elegeu um presidente que foi cooptado pelo Sistema Internacional, com a promessa de ser uma espécie de Capataz dos países periféricos, frente ao Capital.

Considerar que a vasta invasão de parques industriais no interior do Brasil compensam a mais valia produzida, a ocupação monolítica da terra, a exclusão de agricultores e seu êxodo para as periferias das grandes e médias cidades, é no mínimo criminoso. E, quem disse ao Wladimir Pomar que o Brasil não poderia ter um plano de desenvolvimento industrial autóctone e voltado para o desenvolvimento mais sustentável e bem distribuído? Será que precisamos mesmo da Sétima Cavalaria?

Outrossim, nada mais globalizante do que o Internacionalismo (seja o Proletário ou o Anarquista - aqui representando duas vertentes importantes do pensamento de esquerda).
Portanto, na minha opinião, é pobre e cabotino insinuar que aqueles que combatem a Globalização do Capital, os dizendo Provicianos e Atrasados. É, no mínimo, uma descortesia que o educado WP poderia ter se eximido de fazer, ainda mais por quem é aliado de sarneys e caterva (para ficar só nesse...). Mas, o Lullo Petismo não vê limites para defender o indefensável.

Mas, assim como WP vê na investida do Capital a chave para a modernização do Brasil e países emergentes (que colonizado está o WP! Até corrompe a Dialética)), o seu artigo, ao menos, começa a descortinar quais são as tais "reformas positivas" de FHC. O parto vais ser difícil e demorado, mas um dia WP vai conseguir expor de frente e de maneira transparente a que se referiu em um dos seus artigos.

Daí, é só trabalhar para a aliança PT-FHC, com WP chamando os antigos aliados da oligarquia peemedebista de "atrasados", enquanto partem para a lua de mel de seu novo casamento político.
E não faltarão justificativas "plausíveis" para "a nova etapa de desenvolvimento".
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0 #1 trava no desenvolvimento..Gilmar Palmeira 19-05-2010 11:25
O Brasil encontra-se no meio das potencias em desenvolvimento, mas a diferença dos outros países em ascensão economica, é que existe a amazonia brasileira. Desta forma, o país é vigiado e controlado pelas grandes potencias, com a desculpa de controlar o pulmão do planeta. No entanto, é possível ter um desenvolvimento sustentável e tornar-se uma grande potencia agro-industrial do século XXI, isto sé dependerá do pulso de nosso próximo governo.
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