Contradições dos investimentos em infraestrutura
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- Wladimir Pomar
- 28/08/2012
Há um senso comum de que os investimentos em infraestrutura, a exemplo do programa de construção ferroviária e rodoviária lançado pela presidenta Dilma, apresentam importantes contradições entre o desenvolvimento das forças produtivas e os impactos ambientais e sociais que produzirão. Ainda segundo esse senso comum, além de criarem as condições indispensáveis para o desenvolvimento das forças produtivas, esses investimentos consolidarão os grandes grupos econômicos do setor, criarão bolhas especulativas no mercado imobiliário urbano e ampliarão os problemas ambientais e sociais.
Desse modo, reduz a contradição à consolidação dos grandes grupos econômicos do setor, esquecendo que tal consolidação também está presente nos demais setores da economia, como a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços. Não destaca que um dos polos dessa contradição, paradoxalmente, reside no fato de que os investimentos capazes de impulsionar o crescimento econômico, a reconstrução industrial e a inovação tecnológica são fundamentais para superar a destruição neoliberal e recriar uma classe trabalhadora socialmente forte. E, no contexto dessa necessidade, nada sugere para enfrentar o fortalecimento dos grandes grupos econômicos que, na atualidade, dominam praticamente todos os setores da economia brasileira.
A rigor, esses grandes grupos econômicos já estão consolidados no Brasil há algum tempo, com o aumento ou não dos investimentos em infraestrutura, na indústria, e nos demais setores da economia. O problema não se reduz, pois, em constatar o aumento de sua consolidação. Consiste em discutir como reduzir seu poder de monopólio, numa situação em que qualquer processo revolucionário não está colocado na ordem do dia, e mesmo reformas democrático-burguesas relativamente radicais enfrentam dificuldades para serem efetivadas, justamente em virtude daquela consolidação que já é histórica.
Numa situação dessas talvez a saída mais viável seja utilizar o veneno do livre comércio, da concorrência, para romper o poder de monopólio dos grandes grupos econômicos. A esquerda no governo, com os instrumentos econômicos, políticos e administrativos que tem em mãos, poderia estabelecer um programa desse tipo, tendo por base a enorme quantidade de médias e pequenas empresas existentes no Brasil. Mas essa esquerda parece ter receio de ser chamada de promotora do capitalismo atrasado, embora sua falta de ação no sentido de reduzir o poder dos grandes grupos econômicos seja pior do que tal proposta. Ou talvez, como boa parte da esquerda que está fora do governo, não acredite nessa possibilidade, ou simplesmente não a aceite.
Por outro lado, a suposição de que o ciclo de investimentos em infraestrutura provoque o crescimento do mercado imobiliário e, com isso, eleve os preços dos imóveis e crie uma bolha imobiliária é, em si, contraditória. A rigor, o crescimento do mercado imobiliário deveria baixar os preços, a não ser que tal crescimento esteja voltado unicamente para setores de renda média e alta e crie uma superprodução de imóveis para esses setores. Nesse sentido, além de não superar o déficit imobiliário existente no país, pode realmente criar uma bolha que afete o sistema bancário. Mas isso pouco tem a ver com os investimentos em infraestrutura e, muito mais, com a redistribuição de renda e com a capacidade do Estado e da sociedade corrigirem os constantes desvios do mercado e manterem um crescimento econômico relativamente equilibrado.
Há, também, uma estimação exagerada das previsões de investimentos brasileiros em infraestrutura. Segundo os dados publicados, existem mais de 12 mil obras a serem implantadas até 2016, somando um valor de 1,4 trilhão de reais. Ou cerca de 700 bilhões de dólares em cinco anos, numa média de 140 bilhões de dólares anuais. O que representa menos de 30% do que o Brasil precisaria investir anualmente para alcançar uma taxa de investimento anual de 25% do PIB, a média indispensável para um crescimento economicamente sustentável. Este não é um problema que interesse apenas ao governo e às grandes corporações econômicas. Interessa fundamentalmente aos trabalhadores, porque, sem investimentos dessa ordem, as taxas de emprego tendem a cair, ainda mais se tais investimentos se direcionarem para integrar tecnologias avançadas na infraestrutura e na indústria. O que exigirá a complementação de políticas econômicas de apoio a setores empresariais intensivos em trabalho, já que a reconstituição da classe trabalhadora é o que há de mais estratégico no atual processo de investimentos e crescimento.
O mesmo pode ser dito em relação aos financiamentos do BNDES. Aqui, os problemas não residem em que tais projetos sejam financiados por esse banco estatal de investimentos. Os problemas consistem em que a engenharia empresarial que preside os consórcios construtores não privilegia o comando deles pelas estatais, nem exige a incorporação de médias e pequenas empresas como consorciadas. Em virtude disso, os grandes grupos ficam no comando e, depois, incorporam médias e pequenas empresas como terceirizadas, em condições contratuais muitas vezes prejudiciais ou inaplicáveis, impedindo que ocorra continuidade nas contratações trabalhistas. O governo e o BNDES certamente possuem instrumentos econômicos e administrativos para manejar essa engenharia empresarial, mas parecem não dar atenção a isso. E não se pode culpá-los por essa falha, já que a maior parte da esquerda também parece nem estar aí para tal assunto, nem para o fato de que a maior parte das empresas com empréstimos no BNDES é de médias e pequenas empresas, mas o valor emprestado, comparado aos empréstimos a grandes empresas, é ínfimo.
Para ser franco, enquanto analisarmos os problemas dos investimentos no Brasil, seja em infraestrutura, seja nas demais áreas da economia, pela ótica do senso comum, não conseguiremos enfrentar as contradições existentes nas condições postas pela realidade. No final, continuaremos sonhando com a possibilidade de esses investimentos levarem ao desencadeamento de mobilizações e lutas, cujo caráter desconhecemos. Talvez por isso, a mobilização pelo impedimento das usinas hidrelétricas e nucleares tenha se tornado, para alguns, mais importante do que a luta pela superação do descalabro existente no saneamento básico, provavelmente o problema ambiental mais sério do Brasil, ao lado do desflorestamento das matas ciliares e da ausência de arborização da maioria das grandes e médias cidades brasileiras.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.
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