Correio da Cidadania

A fábula e a realidade

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Contam os fabulistas que era uma vez um país onde existia uma Associação de Sábios, de mais de cem anos, onde eram referendados os grandes problemas. Esses Sábios, em todas as épocas, viveram em conluio com diversos grupos de interesses, formados por grandes senhores de terras, plantadores e pecuaristas, industriais, banqueiros e, muitas vezes, por gente não tão honrada quanto aqueles. Afinal, apesar de receberem rendimentos pagos pelo erário público, entre os mais altos do país, alegavam que seus gastos com os pobres e desvalidos eram muito elevados, e precisavam utilizar-se de outras formas de ganho para fazer frente às despesas.

 

As trocas de favores entre os Sábios e seus amigos dos grupos de interesse foram sempre muito intensas. Apesar disso, os Sábios também foram sempre gente honrada. Na vez em que um dos membros da Associação foi apanhado em grande e flagrante irregularidade, eles não titubearam em expulsá-lo de seu meio, para deixar claro que não vacilariam em manter o bom nome da entidade. É verdade que a maior parte deles sempre fez vistas grossas a pequenos pecadilhos, como uso de lobistas e laranjas para pagar contas de amantes, ou a aprovação de verbas consignadas a algum daqueles grupos de interesse.

 

Afinal, eles viviam num país em que quase metade do seu produto interno bruto era gerado por empresas "informais", em que grande parte dos negócios era realizado com "notas frias", onde os impostos eram sonegados, e em que grande parte dos proventos da maior parcela dos poderosos, e dos próprios Sábios, não tinha uma origem muito clara. Como exigir dos Sábios uma contabilidade que ninguém seguia?

 

Apesar disso, um belo dia, uma parte dos Sábios resolveu rebelar-se contra o Grande Sábio, que dirigia suas sessões, justamente porque ele havia cometido alguns dos pecadilhos para os quais sempre haviam feito vista grossa. Foi surpreendente e comovente ver como alguns dos Sábios levantaram os estandartes da Ética e da Moralidade, insurgindo-se contra o uso do que chamaram de "práticas vergonhosas, jamais utilizadas na história" daquela Associação. O rio da Hipocrisia subiu tanto que a maioria dos Sábios resolveu manter o Grande Sábio em seu lugar. Afinal, se fossem condená-lo por aqueles pecadilhos, teriam que esvaziar a Associação de metade ou mais de seus membros.

 

É evidente que essa fábula nada tem a ver com a realidade. O que aconteceu no Senado Federal brasileiro foi outra coisa. O que a oposição queria com os processos contra o senador Renan Calheiros não era atingi-lo pelo que fez ou deixou de fazer, mas simplesmente parar o processo legislativo e colocar o governo contra a parede. E isso ela parece estar conseguindo. Portanto, ela vai continuar cavando malfeitos, mesmo que a realidade indique que ela corre o risco de abrir um buraco sob os pés.

 

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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