Agronegócio está articulado ao Estado para capturar renda social, tanto no boom quanto na crise
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- Guilherme Costa Delgado
- 11/03/2014
Analisar este setor de atividade da maneira convencional, isto é, pela medição e comparação dos fluxos de produção das cadeias agroindustriais que vendem insumos ou processam primariamente a produção oriunda da agropecuária, é uma forte tentação do mundo empírico, que, contudo, leva a problemas de interpretação.
Recentemente, o IBGE divulgou um comparativo de crescimento da Indústria e da Agroindústria entre 2002 e 2013 (www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/industria/pimfagro-novo), indicando uma estagnação da agroindústria nos últimos seis anos, principalmente em 2013, que apresenta queda de 0,2%.
Por outro lado, é importante destacar três fatos e omissões que estão por trás dessa informação do IBGE:
1) a maior parte dos insumos agrícolas – fertilizantes, agrotóxicos e combustíveis líquidos do petróleo – é, no presente, demanda da agropecuária por importações, e não para a indústria interna;
2) há certo declínio de preços externos de ‘commodities’ no período sob análise;
3) a dinâmica da economia do agronegócio estará incompleta se nos restringirmos aos fluxos de produção medidos pelas estatísticas oficiais do IBGE (Agroindústria) ou do Ministério da Agricultura (Agronegócio), este último incluindo toda a produção primária.
A noção de agronegócio ou agroindústria como setor de atividade, embora seja útil empiricamente, é limitada, porque não nos permite ir ao fundo da dinâmica de economia política deste setor. Por essa via, iríamos interpretar o setor como irremediavelmente em crise econômica.
Por sua vez, a conexão política dessa economia revela-nos, diversamente, pleno domínio expansivo em dois campos que lhes são essenciais, mas que não entram nas medições empíricas da agroindústria ou do agronegócio:
a) o acesso a crédito público subvencionado;
b) a apropriação de renda fundiária, sob várias formas, propiciada pela política agrária.
Do primeiro campo, o crédito rural subvencionado, os dados de 2011 e 2012 do Banco Central (os últimos publicados no Anuário Estatístico do Crédito Rural) nos revelam crescimento real, respectivamente de 5,6% e 15%, situado na média dos últimos 14 anos, que é acima dos 9% ao ano. Em 2013, e certamente 2014, que é ano eleitoral, não há nenhuma evidência de diminuição do fluxo do crédito rural, antes pelo contrário.
Por sua vez, o mercado de terras continua muito valorizado, senão pelo “boom das commodities”, parcialmente arrefecido, pela generosa irrigação de dinheiro de crédito subvencionado, por um lado (valoriza a terra diretamente pela dívida hipotecária); e, por outro lado, agora pelos programas de infraestrutura do PAC.
Segundo nos informa o caderno de Economia de O Estado de S. Paulo (10-03-2014 – p. B6), a principal fonte de valorização da terra é agora o eixo da infraestrutura em construção, ou projetada, no Norte e no Centro-Oeste. Este ativo em 2013 seria o mais valorizado entre todos os ativos financeiros, equiparando-se ao dólar (incremento real de 15% ao ano).
Finalmente, uma pequena advertência. Há, evidentemente, efeitos negativos da queda de preços das ‘commodities’, como também dos fenômenos climáticos adversos sobre a agricultura. Mas isto na história econômica da chamada burguesia agrária brasileira sempre foi administrado com apelo aos subsídios públicos.
Parece ser este o caminho que a economia do agronegócio ora trilha e voltará a trilhar mais incisivamente nos próximos anos, quando aumentarem as pressões baixistas das ‘commodities’: maior captura de subsídios fiscais e financeiros do Estado e novas formas de apropriação da renda fundiária, sob o efeito dos investimentos públicos de infraestrura viária e liberalidade da política agrária. Em resumo, o pacto de poder do agronegócio não está em crise política, mas plenamente articulado no Estado para capturar fatias da renda social, tanto no boom econômico como também na crise. Até quando?
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Perspectiva da Economia Brasileira para 2014
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
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