Neocordeiros, pós-tudos e ex-polêmicas
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- Gabriel Lima
- 22/07/2016
Em tempos de UFC, a literatura brasileira assistiu recentemente a mais uma briga envolvendo Augusto de Campos, dessa vez tendo Ferreira Gullar como adversário. O soar do gongo se deu com a provocação lançada por Gullar em seu artigo “Encontro com Oswald”, publicado na Folha de São Paulo no mês passado. Em tom de pirraça, o poeta e atual entusiasta do impeachment se autoproclamava o redescobridor do antropofágico, reivindicando sua tutela sobre a leitura do mesmo por Augusto.
Para alguém que, como Campos, dedicou uma vida inteira ao modernismo, a provocação era motivo suficiente para morder a isca e embarcar em uma réplica raivosa, recheada de datas de publicações que atestariam o pioneirismo dos paulistanos no que diz respeito à ressurreição da obra oswaldiana. Assim, Gullar ganhou tema para uma segunda coluna e Augusto encontrou uma brecha para treplicar, assinando a última palavra.
O que há de assustador nisso tudo é menos o infindável quiproquó entre concretistas e cariocas do que as artes (marciais) usadas no combate. Enquanto se digladiavam pela propriedade intelectual da poesia pau-Brasil, os golpes baixos davam a tônica do papo. De um lado, Gullar, do alto de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, acenava com o prêmio Machado de Assis e seus correspondentes 300 mil reais a serem entregues a algum escritor que, ao contrário de seu novo desafeto, se curvasse ante à instituição de José Sarney.
Talvez por isso seja inevitável a identificação imediata com a rebeldia descompromissada e o habitual arsenal pirotécnico de prefixos mobilizados por Augusto em sua peleja contra a “pós-boca” de um “neocordeiro”. No entanto, seu triunfalismo em relação ao prêmio Pablo Neruda e seu slogan de “vanguarda que deu certo” nos devolve à estaca zero, sem sequer instigar a inveja de Gullar. Afinal, o concretismo – como qualquer uma das chamadas neovanguardas – pode perfeitamente dar certo no país que deu errado.
No fim, como em toda falsa polêmica, por trás das camadas de beligerância se esconde um problema que nenhum dos lados enxerga. Quem sabe ambos os poetas, após suas indubitáveis contribuições à literatura brasileira ao longo do século 20, tenham esgotado seus respectivos fôlegos em meio ao mercado de bens simbólicos, onde se busca agradar o mecenato que paga a banda e escolhe a música.
Nada que passe mais longe dos ambientes onde floresce uma nova literatura, seja embalada pela veia da cultura de periferia, ou sob a pena de uma nova geração de jovens talentosos; isso para não falar em escritores já razoavelmente tarimbados, como Paulo Lins, Bernardo de Carvalho e Luiz Ruffato.
Exemplos: destes últimos, o primeiro causou pavor nas academias com “Cidade de Deus”, o segundo declarou na última FLIP que escreve sem se importar com o leitor e o último foi espinafrado por criticar a abissal desigualdade brasileira na Feira Literária de Frankfurt. Em que pese o funcionamento do meio (e a eventual absorção de suas obras), escolheram não se vendar nem se vender – ainda que por alguns momentos - como outrora ensinou um fragmento didático do próprio Augusto.
Por isso, há algum tempo, quando da publicação de seu poema “Pós-tudo”, Campos foi interpelado por Roberto Schwarz, que classificou a obra como “enésimo exemplo de um procedimento-chave dos concretistas, sempre empenhados em armar a história da literatura brasileira e ocidental de modo a culminar na obra deles mesmos, o que instala a confusão entre teoria e autopropaganda”.
A afirmação é mais atual do que nunca: se o Poema Sujo de Gullar nunca foi tão sujo (no pior dos sentidos), tampouco a fronteira entre literatura e publicidade pode ser abstraída em troca de prêmios, quais sejam.