Um sonho ficcional sobre jurisprudência: os petrodólares e o roubo das “galinhas”
- Detalhes
- Roberto Antonio Deitos
- 15/08/2016
Parte I
Senhor das leis:
A justiça evoluiu?...
Quem, ouvimos, rouba pode,
Se confessar os crimes
E seus cúmplices
Receber delação premiada?...
Bom, roubar, corromper...
Parece, pode levar a receber
“prêmios legais”...
Que amenizam os próprios
Crimes cometidos assumidos...
Senhor das leis:
Então a justiça evoluiu?...
Ouvi alguém dizer na rua:
Preciso perguntar
Para um senhor das leis
De alto escalão republicano:
Se alguém rouba “galinhas”
Mas não estava sozinho
E se for preso
Pode pedir a delação premiada?...
É possível ser analisado o pedido
Respondeu o senhor das leis...
Que alívio considerou o suposto ladrão
E seus cúmplices diante da justiça...
Bem, senhor das leis
Vamos lá:
Roubaram “galinhas”
Tão bonitas cheias de penas...
Eram muitos, os que roubaram...
Diziam senhor das leis:
Que elas, as “aves” roubadas, tinham bons dotes
As tarefas foram minuciosamente divididas
Algumas até anotadas em cadernetas
Saudosas das práticas dos “intocáveis”...
Uns sacrificavam os “animais”...
Outros ferviam água para o processo...
Outros já arrumavam os cardápios
E preparavam os pratos...
Lindos pratos senhor das leis
O senhor precisava ver...
E por fim serviram as refeições
Eram tantos nomes naquelas mesas
Muito cheias: sicrano, fulano...
Etc... etc... e tal... e tal...
Calma senhores...
Poderemos continuar
A ouvi-los amanhã...
Depois de amanhã...
Emitiremos listas diárias...
Se forem necessárias...
Calma senhores, pediu o senhor das leis
Já cansado de exaustivas audiências:
Vocês guardaram alguma coisa dos roubos?...
Podem devolver algumas “galinhas”?...
Senhor das leis estavam todos com fome
E não sobrou nada...
Da pena senhor de pensar nisso...
Fomos traídos pela gula.
Calma senhores indiciados:
Nesse caso devo declarar
Em cumprimento da lei
Que os senhores estão presos
E não posso conceder
Delação premiada!
Mas senhor das leis:
Nós declaramos a verdade dos fatos
E somos réus confessos!
Pedimos ao senhor das leis:
Jurisprudência...
Meus senhores:
O roubo sem recompensa
Não compensa
A delação premiada...
Irá ficar para depois
De novas investigações
Que permitirão novos estudos
Jurisprudencial... precisamos ter prudência!
Na próxima vez vocês já sabem:
É da jurisprudência:
Sempre tomem cuidado com as “galinhas”...
Nunca se pode consumir tudo
O que se rouba
Pois que graça tem ser premiado
Por não ter nada que prove o feito
A não ser dejetos?...
Senhores indiciados:
Os senhores estão presos
A delação premiada
É coisa séria...
Senhor das leis:
Podemos ter uma segunda chance?...
Nós podemos começar tudo de novo
Já sabemos os caminhos
Temos tudo anotado
E prometemos deixar algumas “galinhas”
Poupadas para a delação premiada
E ainda poderemos fazer novos pratos
É só termos tempo para a criatividade futura...
Senhores entendam:
É a justiça que regula
A lei que os penaliza.
A jurisprudência é a jurisprudência:
A corrupção toma a forma da legalidade
Na exposição externa de suas formas
Invisíveis formas de ilegalidades
Que só se tornam ilegais
Perante as formas legais vigentes
Quando são expostas publicamente
Pois até então supostamente
Ninguém sabia...
Que a corrupção e o roubo existiam...
Os delatores (delação premiada)
São criminosos de corrupção confessos
Como aceitam fazer delação de seus
Cúmplices de corrupção
Acabam recebendo a cada ato de delação
Vantagens que lhes diminuem
As penas criminais.
Quanto mais aceitam e afirmam
Os crimes de corrupção realizados
Mais são abençoados pelo perdão
De os terem cometido?!...
Por fim a ópera da lei jurisprudencial:
O crime compensa se for vantajoso
E envolva muito dinheiro e poder?...
Quem sabe a delação premiada
Possa ser útil na sutileza do crime?
Entenderam a jurisprudência agora?...
Parte II
Alguém cantava meio sem modos
Em um canto da prisão
Em cela no fundo do sonho
Meio tomando a melodia
De Raul Seixas, ouvia-se:
Mamãe eu quero ser político,
Governante, executivo de alto escalão,
Empreiteiro rico...
Ou dono de transnacional...
Tudo parece mais bonito e perfumado...
Mamãe eu não quero
Mais roubar “galinhas”
Mais nada me anima
Mas também perdi o humor
Não quero trabalhar
Enquanto eles ficam
Com os petrodólares
Porque sabem poupar
Dos roubos que fazem
Eles são mais inteligentes
Do que eu aqui nessa
Cela quente e insuportável?
Não consigo mais dormir
Não consigo mais sonhar
Só fico pensando
Nas coitadinhas das “galinhas”
Que não existem mais...
Saber que roubá-las não compensa
É uma grande indigestão!...
Por isso o desconforto
Não consigo mais dormir
Em menos de um metro quadrado
Não tenho direito
De ser preso premiado
Sem sapatos de marca
E tornozeleira federal!
Os indiciados reclamavam:
Se a gente soubesse
Como roubar petrodólares
Teríamos fatos
Jurisprudencial em nosso favor
Poderíamos agora
Sossegados trabalharmos
Honestamente (de fato...)
Em algum lava a jato!...
Ouviram ainda do senhor das leis
Antes do mesmo sair
Para tarefas mais supremas.
Senhores indiciados:
O pecado (roubo) de vocês
Foi o objeto do desejo (corrupção/dinheiro)
Só satisfazer seus estômagos (fome de fato)
Não sobrando nada
Para outros gozos (prazeres destrutivos)
Intermináveis que o dinheiro cria
Nomeando listas intermináveis
Com muitos interessados
Em seus dotes prometidos!
Depois dos leilões
E dos petrodólares
Em milhões de litros diários
Vertendo das profundezas...
Surge alguém perguntando:
O petróleo é nosso?
Perguntaram isso para
O presidente Getúlio Vargas
Em 1954...
Uns dizem que se suicidou
Outros que foi assassinado...
Qualquer resposta
Só reforça a jurisprudência
Dos fatos!
Distraído alguém lia em outro canto
O poeta Bertolt Brechet
Em trecho de obra teatral:
“ – Falamos nisso mais tarde. O senhor diz:
trinta homens, bem armados, fazem o que
querem no cartel. Quem garante que nada
vai acontecer conosco? Bem, a resposta é
simplesmente esta: quem paga tem o poder!”
O senhor das leis saiu para
Seus compromissos mais supremos
Da vida diária.
Enquanto isso os indiciados
Ouviam gritos da multidão distante:
E agora Brasil, o petróleo é nosso?
E agora Brasil, o Brasil é nosso?
(Pensavam em silêncio os réus confessos
Quando já se arrumavam para dormir:
Talvez aqueles que gritam
Sejam os donos das “galinhas”...
Melhor ficarmos aqui
Sem delação premiada
Aqui estamos mais seguros...
Podemos descansar
Menos perturbados
Com multidões gritando...
Nada como uma noite
Bem dormida...
Esses são os fatos
Senhor das leis
Ninguém aqui discorda
Da jurisprudência...
Se o roubo não compensa...
Aqui estamos nós?).
Rapaz acorde! Alguém chamou...
Acorde você dormiu sentado!...
Olhe aqui seu livro que caiu...
Parece que dormi... sonhei?
Você está no Brasil
Acorde meu filho!
Chega de sonhar
Sobre roubo de “galinhas”...
Todos ouviam seus gritos...
Brasil; o Brasil existe?...
Meu Deus... este menino não acorda!...
E vive sonhando em protestar!
E fala que quem manda é o capital.
Será que não é preciso mesmo protestar?
Vai que este menino não está só sonhando
E nós aqui pensando o que fazer?...
O que fazer é o princípio
Da pergunta, da ação e da luta!?...
Então vamos acordar?...
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Roberto Antonio Deitos é poeta e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.