Ordem e progresso: em 13 versos a fala de um presidente sem culpa?
- Detalhes
- Roberto Antonio Deitos
- 11/10/2016
“Estavam-me aclamando a pompa nova;
Agora eu era Alguém. Quis pô-lo à prova,
E, sem mais, na hora achei cavalheiresco
Fazer à barba branca o dom do ar fresco”
(GOETHE, Fausto II, 10.615, uma tragédia)
I
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Governar não é fácil
Que culpa tenho eu de ser o presidente?...
II
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Eu me culpo por nunca querer ser governo
Mesmo mandando sempre
Em qualquer governo
Feliz e contente às vezes fico desconcertado
Mas não me sinto culpado
O que posso fazer
Se agora sou o presidente?...
III
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Já não sei mais o que é de antes ou de agora
Certo ou errado meu ou deles
Só sei que a culpa não é minha
E o povo será sacrificado
Dizem que a culpa é da culpa
Nunca minha
Assim ouço dizer
Culpado não posso ser
Sou só um presidente?...
IV
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Desemprego inflação recessão
Convidei os banqueiros para governar
Sem culpa de transformar a nação
No caixa do sistema financeiro
Eles cuidam do dinheiro público
E eu feliz não me sinto culpado
Durmo bem e fico humorado
Afinal o presidente também pode dormir
Se culpa não tenho posso ser culpado?...
V
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Já fui aliado presidente de partido
Muitos ministérios formei
Mais de sete em um governo mandei
Agora quero todos no meu jantar
Planejar sem culpa o cardápio
E com apoio de ilustres aliados
Oferecer ao povo suor sangue e lágrimas
Seguindo o conselho de um ilustre ex-presidente
O que pode fazer de mim um presidente
Honrado e sem culpa de ser lembrado
Que culpa tenho eu de ser tão dedicado à nação?...
VI
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Meu governo que culpa tem
De ser bem governado
Tem banqueiro mandando
Bem preparado no ministério da fazenda
Na caixa econômica no banco do brasil
No banco central no tesouro nacional
No ministério do planejamento e orçamento
No ministério da previdência
Que culpa tenho eu de nomear tanta
Gente competente que gosta de trabalhar
E cuidar do dinheiro do povo
Que culpa tenho eu de honrados
Cidadãos cuidar do cofre do povo?...
VII
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Que culpa tenho eu se o mundo
É redondo e a economia gira
Os banqueiros mandam
A economia gira como uma roleta
Gira tanto que no povo atira?...
VIII
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Agora alguns não querem controlar
Os gastos dizem que eu ataco o povo
Meus ministros são fiéis e trabalham duro
Vão cortar mordomias salários
Remédios escolas hospitais
Previdência assistência social
Direitos sociais e trabalhistas
Vamos sem culpa virar uma nação de poucos
O que eu posso fazer se o mundo é cruel
E meus assessores garantem
Ninguém vai passar necessidades
Se não forem divulgadas em notícias
Que culpa tenho eu de querer
Uma nova nação para poucos
Quando para muitos sobram só migalhas?...
IX
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Pagamos volumosa dívida pública
Ilegítimos muitos bilhões
Muitos outros bilhões sonegados
Livremente pelos donos do capital
Ao povo sobra suor sangue e lágrimas
Único vão de um sistema ilegítimo e corrupto
As vezes não posso ver tudo...
Alegram-se outros tantos sem lágrimas:
O fundo monetário internacional
O banco mundial
A organização mundial do comércio
A organização das nações unidas
Me elogiam toda hora
Me sinto muito bem nas alturas...
Que culpa tenho eu de estar
Fazendo tudo o que eles querem?...
X
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Se o povo padece em massa
O governante pode isentar
Sua ação sem sentir culpa
Por estar fazendo tudo
O que os poucos querem
Para aumentar seus ganhos
Que culpa tenho eu se eles ganham muito?...
XI
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
A justiça não deveria ser
O bastão do governante
E a culpa ser todo o ato que maltrata
Seu povo
Que culpa tenho eu
De não haver justiça para todos?...
XII
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
O testemunho de um povo
É verdadeiro para o governante
Se a miséria e a violência devoram o povo
E são o verdadeiro lema da ordem e do progresso
Se o governante finge que não é o chefe
Da lei da força da violência que só o estado pode ter
Que culpa tenho eu de ser tão poderoso?...
XIII
A mais nova forma de governar
Ordem e progresso na frente
O povo atrás descontente
Fala de presidente:
Quem rejeita as dores sociais do povo
Como governante e chefe da nação
Pode viver sem sentir alguma culpa
Que culpa tenho eu por não sentir culpa
De ser presidente a culpa não é minha
Que culpa posso ter como presidente
Viu senhores não foi por causa dessa
Tal de culpa que às vezes na história
Cassam algum presidente
Preciso continuar insistindo
Que não sou culpado de nada
De tanto repetir certas coisas
O povo pode acreditar em mim?...
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Roberto Antonio Deitos é poeta e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.