Correio da Cidadania

A land sob moonlight

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Com o passar do tempo tenho me afastado do cinema hollywoodaino, pelo menos daqueles tiros barulhentos, mocinhas enamoradas de valentões galantes que, sendo vampiros ou não, nos sugam em nossa inteligência. Não se trata de ser cult, mas de ter descoberto uma outra cultura para a grande tela. Ritmos e rostos diferentes me proporcionaram outros sabores.

Acredito que o paladar é uma construção social, vivo isso tanto na boca, diante da mudança que o meu cardápio vem sofrendo, quanto nos olhos pelos livros e filmes que venho lendo e vendo.

Não assisti ao Oscar 2017, o sono estreou mais cedo (na realidade nunca vejo, acho meio chato). Na manhã seguinte, me deparei com a premiação enluarada de melhor filme para Moonlight. Óbvio que não impunemente, pois se deu apenas após o equívoco com la la land.

Risos suspeitos me rodearam os lábios. Sem colaborar com nenhuma teoria da conspiração ou me filiar a qualquer fanatismo militante, me vi analisando o roteiro daquela nada anacrônica situação.

A brancura de La La Land por alguns segundos coloca as mãos no ouro, mais é ao Moonlight que esse ouro pertence. Não há nada de anacrônico nisto, pelo contrário, nada é mais real e atual na base do imperialismo e da construção da nação estadunidense. Sorry, Trump!

A negritude que teve suas mãos sequestradas para a sustentação de uma oligarquia branca, sempre comprometida com o embranquecimento da população, vai com as mãos calejadas buscando espaço. No entanto, fico a me perguntar: o que levou o embranquecido Oscar a abrir frestas para a negritude passar?

Não vejo o Oscar abrindo frestas, o que vejo são pessoas e movimentos que com suas lutas vão arrombando portas. Isto me traz um sabor único e significativo.

Num tempo onde o debate sobre o racismo invade a telinha e as telonas, não se pode fechar os olhos e tampouco tapar os ouvidos para a realidade racista e preconceituosa que persiste em nos sufocar.

La La Land, sua sonoridade é “bela”, mas a land construída sob o moonlight brada mais forte. Sim, o ouro é negro!

Que o sol dá justiça siga iluminando o luar e assim trazendo a esperançosa indignação que nos provoca outras miradas e novas ações, estas cada vez mais imbricadas com o compromisso ancestral de luta pela liberdade, pela garantia de direitos e por vida digna para TODAS as pessoas.

O Oscar não foi e nunca será bonzinho, o que ele engoliu pode estar lhe dando uma baita indigestão. Não falo da troca de fichas, mas do protagonismo do não hegemônico. Confesso que tudo isso me apura o paladar, pois, para mim, é sabor de vida.

Andreia Fernandes é professora e doutoranda em educação pela Universidade Metodista de São Paulo.
Fonte: Blogueiras Negras.

Comentários   

0 #1 RE: A land sob moonlightJustino Cosme 19-04-2017 11:04
Oi, Andreia,

gostei muito do seu texto, e em momento algum percebi essa "eventualidade" na troca do troféu. O preconceito racial (mais ainda) é tão arraigado na sociedade que nem todos se dão conta disso.

Obrigado pela leitura!
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