Correio da Cidadania

Tiros, compras e água sanitária

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Cronicavírus in Brazil 4

Da continência à saudação nazifascista - Sul 21
Antes da chegada da pandemia, e o subsequente mundial de cronicavírus, as coisas já não andavam muito bem no New Brazil. A audiência, em sua maioria já andava avessa ao Palhaço Bozo e todo seu entorno, como também já vivia um ensaio de isolamento social e pouco saía às ruas.

A exceção era feita exatamente pelos fãs incondicionais do Palhaço Bozo, esses sim, tomando as ruas como se deles fossem, despertando um desânimo enorme naqueles que simplesmente não aguentavam mais as piadas lamentáveis.

Naquela época, a Rede Goebbels ainda contemporizava com o Palhaço Bozo. Acontece que ainda em março, após a mesma televisão ensaiar algumas denúncias, e ainda que com toda cerimônia, panelaços multitudinários tomaram as janelas das principais cidades brasileiras, transformando-as em verdadeiros sovietes tropicais.

Os protestos na janela diminuíram em abril e quase inexistem em maio, é verdade, mas o descontentamento com o Palhaço Bozo vai aumentando enquanto velhos frigoríficos entram para o rol de new empreendedores, oferecendo serviços de Instituto Médico Legal. Já a prática dos protestos na janela em si, por mais patética que possa parecer, e é, tem marcado a pandemia no New Brazil, demarcado alguma insatisfação com o programa de palhaçadas e gerado algumas consequências bem feias.

Em Saint Paul City (antiga São Paulo), tiros atingiram janelas no nobre bairro de Perdizes ainda em março. Desde então, pouco foi divulgado sobre o caso. Dois meses depois, na última semana, foi a vez de acontecer na gentrificada terra dos Santa Ceciliers, localidade próxima da anterior. Denúncias semelhantes também foram feitas nesse meio tempo em outros lugares.

No caso dos Santa Ceciliers, não é apenas do perigo que passam as samambaias, os gatos e os livros de ciências sociais marxistas e arte em serem alvejados pelos projéteis, que ao que tudo indica podem estar vindo de fãs do Palhaço Bozo, mas o medo desses moradores de voltarem a frequentar a sala de casa os domina. A lógica ligação dos tiros como consequência dos panelaços parece presente e curiosamente vemos a quebra de vidraças desinteressar as autoridades e seus porta-vozes quando ameaçam vidas humanas, não os templos do Deus-Mercado.

A polícia parece cuidar dos casos com a mesma vontade que o atacante Alexandre Marreco batia pênaltis antes de tornar-se top model na Itália e fã do Palhaço Bozo. A imprensa também trata a questão a seu modo: inicialmente com um sensacionalismo de prazo de validade, para em seguida deixar a notícia se perder no meio de um oceano de informações inúteis – cujos debates iguais e burocráticos são tantos como tantas também são as inserções diárias dos mais variados quadros do programa do Palhaço Bozo, que essas notícias gravíssimas acabam esquecidas democraticamente.

Delírios de consumo

Quase nos esquecemos, por exemplo, de como é impressionante a propensão do súdito do New Brazil para o consumo. Enquanto estamos na zona de classificação para a Libertadores do Inferno, com a nossa atual colocação no mundial de cronicavírus, as compras continuam a todo vapor.

Digo isso porque me chamou muito a atenção. Vendo livros e discos na internet como maneira de complementar a renda. Faço alguns bons garimpos e os coloco à venda, portanto, toda segunda-feira piloto a minha motoca até a agência dos Correios do centro da Ilha de Santa Catarina, uma das únicas que permanece aberta, para postar os produtos vendidos.

Pois bem, a cada semana, o percurso de mais ou menos quinze quilômetros que tenho de fazer tem sido cada vez mais cheio de carros e pedestres. Volta aos poucos o espetáculo dos SUVs ultrapassando caminhões, a mais de cem por hora, pela pista da direta na estrada que liga o centro ao sul da ilha. Nas ruas, há muitas pessoas zanzando entre filas da Caixa e compras, das quais só conseguimos ver os olhinhos, pois está obrigatório o uso de máscaras. O transporte público também não funciona desde maio. E mesmo assim, ao passar pelas ruas em volta da Praça XV, surpreende a quantidade de tiazinhas e rapazotes cheios de sacolas de compras e celulares nas mãos.

Pergunto, de onde tiram tanto dinheiro e disposição para consumir? E nós, tolos, pensávamos lá no início da pandemia que o avanço do cronicavírus pudesse nos tornar menos consumistas. Até parece... como sabemos, não existe o conceito de ‘lógica’, nem o de ‘bom senso’ no New Brazil, essa nova-velha ordem regida a partir de palhaçadas nazistoides abrasileiradas.

História de superação de um pobre e honesto patrão do New Brazil

Em outra linda história de superação (gênero de humor mais querido pelos newbrazilians) digna de tempos difíceis como esses, pudemos acompanhar o tremendo o esforço do Velho da Navah para furar a quarentena e trabalhar, afinal de contas, é um exemplo de ser humano digno de nota em nossa trama. Essa figura, que conhecemos desde o primeiro episódio, dono das lojas Navah, que tantas peraltices já aprontou, armou uma verdadeira operação de guerra para oferecer pacotes de arroz, feijão e macarrão em suas prateleiras. Tudo isso a fim de entrar na lista de estabelecimentos abertos como atividades essenciais.

Peço que o leitor comente a piada, pois eu não entendi. Não me causou nenhum riso e eu já estava me esquecendo dela. São tantas piadas como essa protagonizadas por velhos-das-navahs em todo o New Brazil que essa quase passou batida.

Também passaram batidas outras questões importantíssimas, para listar duas, já que se fôssemos listar todas, em vez de uma crônica, publicaríamos uma enciclopédia: a legalização da grilagem de terras protegidas (áreas de preservação e terras indígenas e quilombolas) e a liberação de inomináveis e inúmeros agrotóxicos, proibidos na Coreia do Norte, na China e em Cuba, além de muitos países europeus do lado de lá da Cortina de Ferro, por causarem sérios casos clínicos de câncer. De qualquer jeito, nada disso interessa no New Brazil, o que importa é o programa do Palhaço Bozo.

Então, andemos logo ao que diverte o povo!

Enquanto vamos acompanhando, estarrecidos desde o isolamento social ou correndo os riscos inerentes à atividade que envolve os que voltaram ao trabalho por escolha ou por serem escolhidos, o Palhaço Bozo vai aprontando das suas palhaçadas, pintando e bordando.

No final de semana passado, a Rede Goebbels, os canais de youtube e todos os comunicadores do New Brazil novamente transmitiram quadros ao vivo e com interação dos fãs nas ruas do programa do nosso Palhaço preferido. E se por um lado, Bozo deu uma segurada na piada, pedindo aos líderes das caravanas que não portassem determinados cartazes, por outro foi filmado com um grupo de paraquedistas em performance grotesca que com toda certeza será reproduzida na Gambiarra da Destruição, nosso futuro documentário sobre o programa do Palhaço Bozo.

O Palhaço Bozo também se esqueceu de avisar os participantes que estamos todos – de direita, de esquerda e de centro – em meio a uma pandemia de cronicavírus.

E 20 mil mortes depois, o Palhaço Bozo, ainda indeciso sobre quem será o novo técnico da seleção, escalou o time de acordo com recomendações do seu mestre, o alaranja imperador Rambozo, the Original: “quem é de direita toma água sanitária nas veias, quem é de esquerda toma tubaína e quem é do centro cheira...”, e foi rapidamente interrompido por alguns palhacentristas do Domingão do Centrão, que não queriam servir como matéria-prima para a piada da concorrência.

O mais curioso disso tudo, é que ele passou a semana inteira falando sobre injetar água sanitária nas veias para tratar o cronicavírus. Zanzou pra lá e pra cá com vidros inteiros do produto. E a plateia adorou! Riu, adulou, pediu fotos e autógrafos nos rolês aleatórios que acontecem toda manhã no estacionamento do Planalto, onde ficam os Estúdios Bozo.

Será que Bozo ou algum dos três bozinhos, ou alguém da família está investindo nas fábricas de água sanitária? Será um negócio rachado com o pessoal da Loucademia de Milícia? Um dia saberemos.

Ainda sobre essa péssima piada, levantou-se a bola de que a ‘tubaína’ pudesse compor uma piada mais profunda, que evocasse o mais abjeto obscurantismo. Mas apesar da verossimilhança – e isso passou por diversas agências de checagem de notícias – comprovou-se que não há registros do uso da gíria. Confesso que de primeira eu acreditei no boato, e apesar do Palhaço Bozo não ter esse refinamento todo, um dos três bozinhos poderia ter sugerido aos roteiristas. Disso é feito o New Brazil!

E logo em seguida da piada horrorosa da tubaína ser tolhida pelos palhacentristas, Bozo ignorou diante da audiência as ordens de Rambozo de que nenhum súdito do New Brazil poderia adentrar a Terra da Liberdade. Não ensaiou nenhum gracejo a respeito do assunto. Em compensação, foi a vez da charmosa Namoradinha de Auschwitz ser alvo das piadas do Palhaço Bozo.

Na quarta-feira nossa namoradinha apareceu em um quadro do programa, junto do Palhaço, que lhe entrega o novo papel de jardineira de cemitério diante do público. Justo ela que andava tão leve, fugindo de cemitérios, agora cuidará de um. É o fino da ironia do Palhaço Bozo.

Com o cinema nacional parado, resta à nossa Namoradinha de Auschwitz fazer o que lhe cabe como colaboradora do programa: abrir um lindo sorriso e dar à Cinemateca Nacional, transformada em cemitério pelas piadas bozísticas, o mesmo formidável destino que levou o Museu Nacional do antigo Brasil às vésperas da ascensão do New Brazil.

Ela promete iluminar a cultura nacional! E com inspiração europeia: “vejam só que chique o estilo alemão da década de 1930. É lindo, gente!”

E para finalizar os melhores momentos da semana no programa do Palhaço Bozo, já podemos ver os corredores da Loucademia de Mílica agitados com as novas notícias. Lembram da fita? Parece que será liberada. Ainda não foi, até o fechamento desta crônica, mas ao que tudo indica na semana que vem já estaremos falando dela. Assim como do celular que o Palhaço Bozo usa para se comunicar com a Loucademia de Milícia, os generais roteiristas e toda sorte de seres da lata de lixo da história que de alguma forma escrevem a história oficial do New Brazil.

Quantas piadas não estarão à disposição nesse conteúdo? Fica pra próxima. Se houver, já que o mais estridente dos generais roteiristas do programa do Palhaço Bozo, aquele que é sócio do Vasco da Gama, prometeu ‘consequências imprevisíveis’ para o decorrer do programa, caso determinados detalhes internos da produção fossem revelados ao público, facilitando a ascensão de palhaçadas da concorrência.

Pra frente Brazil: estamos em terceiro! (*1)

Enquanto danos irreversíveis nas mentes dos súditos do New Brazil vão sendo produzidos simultaneamente pela pandemia de cronicavírus, pelo Programa do Palhaço Bozo e tantas outras coisas que importam menos, pelo menos uma boa notícia já temos: estamos em terceiro no mundial!

Mesmo sem um novo treinador ser anunciado pelo Palhaço Bozo e com tanta autossabotagem referente à subnotificação e na resistência em relação ao uso da água sanitária injetável, o New Brazil superou três rivais de peso na última semana. Deixou pra trás a Itália e a Espanha que nas primeiras rodadas ainda eram as favoritas, e o Reino Unido que mesmo jogando um cronicavírus horroroso, como de praxe, consegue se manter entre os cinco primeiros da tabela desde a queda das favoritas China e Irã.

Com as 20 mil mortes que temos, contra 3 mil da segunda colocada Rússia, temos jogado com mais vontade que os próximos rivais. E nos faltam míseros 12 mil casos registrados de cronicavírus para ultrapassar os ursos soviéticos ainda nesta semana que já começa prometendo agitar a colônia.

Mas apesar dos nossos esforços, a Terra Liberdade, do imperador Rambozo e líder do campeonato, está muitos pontos na frente. Mais de um milhão e trezentos mil casos registrados (*2) a mais, e cinco vezes o número de mortes que o nosso, assim como uma taxa de 17 mil novos casos registrados por dia, contra 4 mil nossos.

Salve a nossa seleção, que está fazendo de tudo para nos trazer mais esse caneco, mas a diferença para metrópole ainda é enorme. Precisamos que o Palhaço Bozo encontre logo um treinador a altura desse grande desafio de seguir o líder e trazer a nossa sexta estrela na camiseta amarela.

Enquanto isso, o New Brazil vai produzindo mais piadas, episódios tragicômicos e palhaçadas do que podemos anotar. Já acabaram as folhas do caderno, mas ainda tenho 78 rolos de papel higiênico que sobrevivem desde o primeiro mês de pandemia de cronicavírus. É só tomar cuidado para não molhar.


Nota:
*1: Os dados de contaminação foram checados no site World Do Meters em 22 de maio de 2020 às 15h: https://www.worldometers.info/coronavirus/ 

*2: O total de casos registrados é o principal critério desta fase do campeonato.

Leia os outros episódios da série:

Cronicavírus in Brazil: tudo do pior que podemos apresentar

Cronicavírus in Brasil (2): milicianos, terraplanistas e outros seres da lata de lixo da história rumo ao Hexa!

Cronicavirus in Brazil (3): com vocês, a Namoradinha de Auschwitz - e outras histórias

Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.

Comentários   

0 #1 Mestre cervejeiroDonna Lurdes Berti 23-05-2020 14:20
Crônica vírus cada vez melhor e o new Brazil cada vez mais bagunçado
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