Michael Jackson: um ser de faz de conta
- Detalhes
- Maria Clara Lucchetti Bingemer
- 06/07/2009
Com todo respeito ao sofrimento de quem estava doente há tanto tempo e morreu em deplorável situação de debilitação física, pesando 51 quilos e com vários ossos quebrados, Michael Jackson parece mais fictício do que real. A fantasia sempre imperou sobre a realidade na vida deste menino pobre, o sétimo dos nove filhos de uma obscura família de Gary, Indiana, cujo pai era testemunha de Jeová e dava aos filhos rígida educação.
O talento dos rebentos, que faziam música sem sua permissão, foi um dia descoberto pelo severo patriarca Joseph. Ele percebeu que ali estava o segredo que o tiraria da pobreza. Mudou-se, então, para a Califórnia, onde primeiramente o jovem Michael começou a cantar num conjunto com os outros irmãos, o famoso Jackson Five, até iniciar, em 1971, a carreira solo que o transformaria num astro pop.
A partir daí, a vida de Michael Jackson foi marcada por um constante paradoxo entre uma história de sucesso entremeada com escândalos, anomalias, dramas e tragédias.
Acusações de abuso sexual, operações várias para corrigir problemas de uma saúde frágil, transformações faciais e corporais misturavam-se com milhões e milhões de cópias de discos vendidos, fãs se descabelando e gritando seu nome, querendo tocá-lo, esperando de tocaia na porta dos hotéis onde se hospedava, imitando seu jeito de dançar, dando aos filhos seu nome.
Ao mesmo tempo em que fazia vultosas doações para entidades filantrópicas, Michael Jackson vivia em litígio com a justiça por acusações de abuso sexual, pedofilia, evasão de divisas, sonegação de impostos. Impossível esquecer a imagem terrível do cantor em delírio absoluto, balançando o filho recém nascido para fora da janela do alto do hotel onde se encontrava hospedado em Berlim, em 2002. Provocou terror no mundo inteiro e as acusações de abuso sexual recrudesceram fortemente.
A morte do cantor, no último dia 25, ganhou as manchetes do mundo inteiro. Sua saúde física parecia decair no mesmo ritmo vertiginoso que a saúde mental. A estrela do astro pop, que brilhava há tantos anos, decaía e empalidecia, enquanto sua vida ia se esboroando, assim como suas finanças. Morreu endividado, destruído fisicamente pela dependência química, pela insanidade mental, de forma melancólica.
Acima de tudo, Michael Jackson passou pela vida com ar de faz de conta. Parecia não ser de verdade aquele superstar que à medida que ganhava mais visibilidade semeava a dúvida sobre se era homem ou mulher, negro ou branco, caritativo ou desonesto, pai amoroso ou pedófilo cruel. Nada nele parecia real. E sua morte comprova essa aura de ficção quando, ao mesmo tempo em que ganha as páginas dos jornais, é objeto de declarações sobre casamentos não consumados, seguros milionários forjados de última hora, filhos assumidos como seus, mas de duvidosa paternidade.
E, no entanto, fãs do mundo inteiro declaram-lhe sua eterna saudade, desejam ser seus seguidores, dançam uma e outra vez o passo da lua, o célebre "moonwalk" que o imortalizou e sublinhava seu estilo light, juntamente com sua voz andrógina e inclassificável. Mais ainda: há informações de que o Rio de Janeiro erguerá uma estátua em sua homenagem no Morro Santa Marta, onde ele gravou um vídeo clipe em 1996.
Parece-me um tanto preocupante essa idolatria de um astro irreal, que não pisa no chão e dança lunaticamente. E propõe um modelo de humanidade que não possui consistência e carece de realidade. Por que nos repugna tanto voltar o olhar para os paradigmas reais, os heróis de verdade, que a cada dia arriscam a vida para salvar a de outros?
Que Michael Jackson descanse em paz. Certamente agora terá se defrontado com a verdade sobre si mesmo e sobre a vida. E que nós possamos descobrir modelos e paradigmas mais nobres e consistentes para inspirar nossa vida e nossa conduta. Para que não nos tornemos, nós também, seres de faz de conta.
Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
{moscomment}
Comentários
Não apareceu ainda outro astro q dançava tão bem qto ele ou mesmo fez os clips q ele fez,cantor musico dançarino produtor artista mutante.C/ seu ritmo foi astro!!
Eu penso q ele dividiu duas raças duma geração nos seus shows comprando seus discos enfim um preto q conseguiu virar branco.
Dançou p/ tras gostava de criancinhas um monstro q representou bastante a dualidade racista e preconceituosa do mundo.
Reinou absoluto enquanto vivo.
No entanto, há um outro lado que acho que a Maria Clara não frisou suficientemente: trata-se de um menino nascido em contexto de segregação racial, violentado pela sociedade americana e pelo pai. Este menino, de repente, se torna um ser admirado por milhões e milhões de pessoas e tem acesso a algo que quando criança devia apenas sonhar. Ele permaneceu uma criança. Nunca cresceu. Lutou a vida inteira em busca de um sonho que identificou no "branqueamento" ou no "faz de conta". Na minha ótica errou o caminho, mas caminhou! Caminhou.
O "faz de conta dele" talvez seja o desejo utópico de paz e harmonia que todos nós procuramos. Vejo ele mais como vítima de uma realidade horrível, contra qual lutou de forma errada. Talvez.
A notícia da morte de MJ é relevante mas não creio que deva ser objeto deste forum. Se for o caso, fato tão notável que cabe inclusive em um espaço como o 'Correio', então que seja feito da maneira adequada.
Entendo que o indivíduo deva ser criticado ou avaliado em sua dimensão artística, que sua obra seja colocada em uma perspectiva histórica. O artista em questão tem uma contribuição fundamental para a música e sua vida pessoal não vem ao caso e muito do que se afirma sobre a pessoa não passa de ilação.
"família obscura" - que tipo de afirmação é essa?
"passou pela vida com ar de faz de conta" - como se pode afirmar isso??
Lamantável.
MJ foi um artista real.
Sua obra tem influência real.
Sua contribuição é real.
E a construção de mitos nos Estados Unidos (este sim seria um assunto revelante sobre o caso) também é um fato real.
O mundo de fantasia é mais satisfatória que o real. O real é cheio de obstáculo e muito difícil. Mas é esse último que estamos inserido e depende de nossa consciencia para mudá-lo, transforma-lo para melhor ao invés de criar fantasias, fanatismos, dogmas etc...
O caos está posto nas mentalidades do ser humano com raras exceções.
Se discute tanto acerca do tal astro e esquece-se da trama no Senado. E José Sarnei, como é que está a situação.
Será que não conseguimos discutir os fatos políticos voltados para corrupção dentro de nosso próprio país?
Devemos pensar como a nossa realidade está sendo construída objetiva e subjetivamente...
Seu artigo traz uma reflexão muito interessante sobre a "idolatria do nada", pois parece-me haver uma massificação banalizada de mitos, travestidos de ídolos, vendidos como mercadoria numa sociedade que compra tudo, inclusive a fantasia "Michael Jackson". Fico pensando que nobreza de caráter ele teve (imagino que tenha tido lá suas virtudes humanas) para ser tão insistentemente elevado à categoria de ícone universal. É preocupante uma geração ou, quiçá, humanidade que se embala no vazio de um mito, tomando-o como sentido para suas vidas.
Assine o RSS dos comentários