Entre os muros do culturalismo
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- Antonio Julio de Menezes Neto
- 10/12/2009
O filme "Entre os muros da escola", ganhador da Palma de Ouro, é um filme bastante discutido nos meios educativos e universitários. Sob a direção de Laurent Cantet, retrata uma escola francesa de ensino médio, na qual os alunos são majoritariamente migrantes ou filhos de migrantes. O filme se propõe a focar a realidade de uma escola periférica e mostra diversas chagas do sistema escolar francês quando se trata de uma escola multicultural. Mas quero polemizar com o retrato culturalista do filme em detrimento de um debate político.
Desfilam pela tela professores franceses, brancos e "gauleses", tentando compreender as dificuldades dos alunos, sendo solidários com eles, apesar das agressões que sofrem e da falta de interesse da parte dos alunos. Lembro da cena em que uma professora comunica que está grávida, abre um champanhe e pede que um aluno chinês, ameaçado, não seja deportado e que o seu filho seja tão inteligente quanto o jovem oriental. Ou seja, ela é solidária. Mas mesmo no caso deste aluno pode-se fazer outra dedução: ele, oriental, é um bom aluno. Já os alunos negros e os árabes são sempre alunos-problema.
E é aí que o filme se torna problemático ao não debater a questão política do migrante: os professores são solidários, buscam "ensinar", são abertos ao diálogo, buscam o melhor para os alunos, mas estes não correspondem. São insolentes, desinteressados e se vêem como migrantes o tempo todo. Ou seja, apesar de morarem na França ou de serem franceses filhos de migrantes, o filme mostra alunos que não conseguem se adaptar. São "rebeldes sem causa", quando muito. Assim, o filme reforça a idéia, tão cara à direita francesa, de que o lugar dos migrantes não é na França, pois os alunos carregam, quase que "geneticamente", o desinteresse pelas atividades escolares, preferindo discutir a Copa da África e ficar, em atitudes racistas, se insultando em sala.
Podemos ver a confusão política que o filme traz, nas palavras do competente professor Miguel Lopes (Presença Pedagógica, n.87), que organiza uma coleção de livros sobre cinema e escola: "Ao invés de ser um filme que defende uma visão de esquerda contra uma visão de direita, por vezes parece ser um filme de direita que gentilmente nos explica que do ponto de vista da esquerda é muito bonitinho, mas insustentável; apenas na prática. Esta é apenas uma fugaz impressão, claro, e certamente Cantet teve receio de parecer edificante ou demonstrativo". Esta dificuldade de uma definição política perpassa o enredo do filme. Assim, pode-se dizer que "Entre os muros da escola" seria filme de direita? Possivelmente não exista esta definição intencional. Apenas se abstrai da discussão política para focar numa indefinida discussão culturalista.
Mas, ao encaminhar o enredo desta maneira, passa uma mensagem que muito agradaria aos seguidores de Le Pen. Qual a mensagem? A de que, mesmo com todos os esforços e recursos financeiros que a França realiza e dispõe para escolarizar migrantes e franceses filhos de migrantes, estes não conseguem se adaptar. Ou seja, o lugar deles não é na França. Eles são infelizes, brigam, trapaceiam, desrespeitam, se agridem verbalmente e são racistas entre si.
Se o filme não quis passar uma imagem política conservadora e de direita, como eu acredito, a intenção não correspondeu ao gesto. O problema é que o foco apenas nas diferenças culturais não retrata o jovem migrante que, nos últimos anos, está realizando diversas manifestações políticas de descontentamento na França, reclamando da falta de emprego, da discriminação e das suas condições de vida. E abstrair-se deste debate é discutir o que a direita deseja.
Antonio Julio de Menezes Neto, cientista social e político, doutor em Educação, é professor na UFMG.
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Comentários
Comentário lamentavelmente apático e simplista.
Seria interessante o confronto com o estadunidense 'Escritores da Liberdade', de 2007. Alguns amigos preferiram o 'Entre os Muros' porque "não romantiza, não força a dar certo". Ora, o 'Escritores da Liberdade' relata um processo acontecido, real. É de se perguntar se não devemos buscar que nossos esforços deem certo, pois isso seria romantismo...
Também se podem encontrar alguns enroscos no 'Escritores da Liberdade', como a apresentação do holocausto como análoga à situação de opressão dos alunos sem nenhuma referência às instências em que o povo judeu tem sido o opressor - para mencionar só um exemplo.
Ainda assim, tem a virtude de mostrar tanto o sistema pedagógico burocrático como insuficiente e opressor, QUANTO a jovem professora idealista: malgrado todas as suas boas intenções, esta não consegue nada enquanto não passa por uma "paidéia reversa" e aprende DOS ALUNOS que ela na verdade não sabe NADA da realidade da vida deles e de sua riqueza e complexidade como pessoas humanas, para lá do papel de alunos. É só depois que a professora Erin "baixa a crista" nesse sentido que a interação humana profunda começa, com resultados transformadores para as duas partes.
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