15 de março de 2010 – 30 anos sem Octávio Brandão
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- Raymundo Araujo Filho
- 18/03/2010
É corrente a frase que o Brasil não cultiva a sua memória. Hoje, infelizmente constato que as esquerdas brasileiras também sofrem deste mal, ou melhor, apenas divulgam e incensam aqueles que em algum momento foram vitoriosos dentro de disputas ideológicas internas (e não faço aqui nenhum juízo de valor sobre seus conteúdos, a priori), como é o caso das homenagens prestadas à memória de Luis Carlos Prestes, recentemente feitas, com tantos louvores.
No entanto, neste 2010, mais precisamente no dia 15 de março, é a data que nos lembra os vinte anos da morte do bravo e verdadeiramente revolucionário Octávio Brandão, que lamentavelmente não foi lembrada em nenhum artigo, homenagem ou alusão por ninguém, erro este que tento aqui reparar, com toda a humildade e sem saber se estou à altura, ou mesmo autorizado a isso.
Mas, agora já fazendo um juízo de valor político, afirmo que Octávio Brandão é completamente merecedor de homenagens e avivamento da memória de sua vida dedicada à militância política, em franco combate à exploração capitalista. Também sem se esquivar de se contrapor às políticas equivocadas e colaboracionistas de classe tão bem encarnadas por outro guerreiro comunista, Luis Carlos Prestes, muito corajoso e que protagonizou eventos memoráveis das lutas do povo brasileiro. Mas, politicamente a meu ver, errou muito mais do que acertou e teve em Octávio Brandão um crítico contumaz e corajoso, a ponto de ser alijado, vilipendiado e politicamente agredido pelos próceres da colaboração de classes do PCB - a partir dos fins dos anos 40, acentuadamente na década de 50 (com o Documento de Março de 56), mais profundamente nos anos 60, e que gerou as terríveis políticas do PCB nos anos 80 e 90, que quase causaram o seu fim como partido.
Hoje, ao menos acredito que o PCB, sem jogar a criança fora junto com a água do banho, isto é, sem queimar seus heróis em fogueira inquisitorial, faz uma política que está muito mais próxima do que Octávio Brandão preconizava do que de qualquer outro comunista de sua história.
E penso que o PCB, se quiser não apenas aparentar esta sua nova política, mas sim afirmá-la e aprofundá-la, deve reverenciar a pessoa e a história de Octávio Brandão, assim como a de sua esposa Laura Brandão, que em 1931 foram também enviados para a Alemanha Nazista, de onde fugiram para a União Soviética, onde ela faleceu em 1942.
Octávio Brandão, ainda muito jovem, em Alagoas (nasceu na cidade de Viçosa, entre Palmeiras dos Índios e Quebrangulo), iniciou sua militância como anarquista, como quase todos que originaram o Partido Comunista Brasileiro. Tal origem, a meu ver, ainda dotou o PCB de grande vigor, mesmo quando a política colaboracionista, ordenada por Stalin, Kruschev e seus sucessores, já tomava conta do Partido.
Muito cedo se interessou e se dedicou, vanguarda que era, pelas causas ambientais, que hoje nos são tão caras. Assumiu também como suas as bandeiras nacionalistas da defesa do petróleo brasileiro, que foi um dos primeiros a afirmar existir, e em quantidades, inclusive no Nordeste. Estes dias, tivemos a notícia de que, no Maranhão, Piauí e em seu Alagoas, pesquisa-se a presença de petróleo no subsolo, coisa que ele afirmava ainda antes, bem antes da metade do século passado. Em viagem memorável "de canoa e a pé", ainda em 1917, registra a presença de 14 sítios prováveis de existência de petróleo, tendo sido agraciado com a afirmativa do próprio Monteiro Lobato de que "Octávio foi o primeiro nesta questão do petróleo brasileiro!". Este registro está no livro ‘Canais e Lagoas’, editado no Rio em 1919.
Ainda antes dos anos vinte, e ainda no Nordeste, sofre a generosa influência de seu tio Alfredo Brandão, que o criou a partir da morte prematura de seu pai, ainda com 11 anos. Tio este que o direcionou para as Artes e Ofícios que exerceu tão bem e revolucionariamente. A partir desta influência interessou-se para a questão do que hoje chamam de biocombustíveis, já alertando para as possibilidades de plantas abundantes em sua região, como a mamona, servirem para tal fim. Trabalhou como farmacêutico, aprimorando-se em conceitos de saúde pública e coletiva.
Viveu e conviveu entre os pobres da cidade e do campo, extraindo daí a sua revolta pelas injustiças sociais. E sempre incitando todos a aderirem à Revolução Brasileira, sob a égide da igualdade. E sempre primou por se desenvolver nas artes e nas intricadas estradas da intelectualidade, que nunca dispensou como instrumento de engrandecimento pessoal e coletivo.
Em escritos e reportagens de e sobre Octávio Brandão que privo ter em mãos, através de meu pai (já falecido) e de minha mãe (que prepara com carinho a entrega dos escritos e reportagens originais sobre Octávio Brandão em breve a quem de direito), identifico um profundo amor pelo seu país de nascimento, em clara alusão nacionalista, mas não este nacionalismo de fachada e exclusivista que tanto mal faz à união dos povos, mas mesclado ao seu claro internacionalismo solidário.
Muito jovem, mas já perseguido pelos brutamontes das elites da época, e sem poder garantir a sua segurança pessoal, muda-se para o Rio de Janeiro, em 1919. Em 1921 casa-se com Laura Brandão, mulher delicada, mas firme em suas convicções e, como Octávio, adepta das artes e da poesia que tão bem escreveram. Estão imortalizadas em belo livro editado por sua filha Dyonisa Brandão, o qual mantenho como livro de cabeceira e viagens, e do qual retiro alguns destes dados biográficos que apresento.
Em 1928, junto com Minervino de Oliveira, foi eleito deputado pelo Rio de Janeiro e causou grande rebuliço pela sua atuação basista e agitada. Em 1929, em Niterói (cidade hoje tão distante e sem memória do berço esplêndido que já foi da esquerda brasileira), é preso após discurso efervescente na Manufactora Fluminense, em que os patrões lhe atribuíram o elogio de "endiabrado".
Após o exílio, é eleito novamente em 1948. Mas a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro, do qual nunca se desfiliou, pois sabia de seu direito inalienável à disputa política, foi sempre muito angustiante e tensa, sendo Octávio Brandão muitas vezes repreendido, afastado e censurado, quando não alvo de tentativas de achincalhe, o que seus detratores nunca conseguiram. Conseguiram, sim, levar o PCB para políticas inadmissíveis sob o ponto de vista revolucionário.
Outro dia, meu irmão lembrou-me da figura física de Octávio Brandão com seu terno branco amarrotado a visitar nossa casa, onde se sentava confortavelmente na cadeira da sala. Mesmo clandestino nos anos 50, visitava meus pais e batia na janela da casa do Méier e dizia baixinho "é o tio José"... Foi grande e dileto amigo de minha tia avó Emilie Kamprad, comunista, sufragista e feminista, ainda nos anos 20, a qual deixou-nos farto material sobre ele, que estará sendo disponibilizado por minha mãe, Therezinha Britto de Araujo, como já escrevi.
Assim, lembro que muitos legaram elogios a Octávio Brandão, como Monteiro Lobato, Lima Barreto, José Oiticica, Jorge de Lima, Monsenhor João Leite Neto, Viriato (seu grande amigo e espírita), Tarsila do Amaral, Nise da Silveira, Emilie Kamprad, além de teses sobre sua vida e obra, como a da professora Esther Kupermann, entre outros.
Abaixo, transcrevo uma nota de Maria Helena Bernardes, mostrando que não se fala mal de Octávio Brandão impunemente. "Ao contrário de Astrojildo Pereira, não acho que o silêncio a que Laura (e Octávio, por lateralidade) foi condenada seja a melhor forma de ‘respeitar’ a sua memória". Nota: Astrojildo Pereira, sob o codinome de Natalino Coelho, escreveu de forma grosseira uma crítica negativa à bela poesia do casal Brandão, destilando todo o seu veneno e ódio político contra o casal Octávio e Laura Brandão.
Lamento que, já aos 55 anos, por mais que eu faça em prol da Revolução Brasileira, nunca chegarei aos pés de Octávio e Laura Brandão.
Este artigo é dedicado "in memorian" a Emile Kamprad, Raymundo Araujo e Viriato e, em vida, a Dyonisa Brandão e sua família; também a minha mãe Therezinha Britto de Araújo, que sempre soube nos fazer amar e reverenciar Octávio Brandão (e Laura, por conseguinte).
Raymundo Araujo Filho é médico veterinário, homeopata e devoto da obra e memória de Octávio e Laura Brandão.
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