Veto a Lobato
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- Duarte Pereira
- 05/11/2010
Enquanto a campanha eleitoral transcorria da forma despolitizada que tem caracterizado os últimos pleitos, o Conselho Nacional de Educação aprovava por unanimidade um parecer contrário ao uso de reedição recente do livro de MONTEIRO LOBATO, Caçadas do Pedrinho, em salas de aula do ensino fundamental.
Ainda bem que, para entrar em vigor, a proibição do Conselho Nacional de Educação precisa ser homologada pelo ministro Fernando Haddad, da Educação, que prometeu que não tomará uma decisão antes de ouvir acadêmicos e educadores, ressaltando que é preciso pensar melhor sobre o tema.
As perseguições à obra infantil de Monteiro Lobato com base em preconceitos ideológicos, muitas vezes fantasiosos, não são novas. Nos anos 1950, na Bahia, um padre católico, monsenhor Salles Brasil, publicou um livro caricatural e tendencioso intitulado Monteiro Lobato ou o comunismo para crianças. Na época, felizmente, não foi adotada nenhuma medida legal contra a literatura infantil do grande autor paulista, que acabara, aliás, de ser homenageado com a inauguração de uma biblioteca pública com seu nome no largo de Nazaré, em Salvador, onde gerações de crianças e de adolescentes conheceram sua obra e a de muitos outros autores de livros infantis e juvenis.
Hoje, a legislação vigente possibilita que se pleiteie a censura à obra de Lobato com base em argumentos progressistas relacionados com o combate (necessário!) à discriminação da população de cor negra, descendente de africanos trazidos como escravos para o Brasil. Conviria que os movimentos negros debatessem com mais cuidado se o veto à distribuição e à leitura de obras de relevância pedagógica e literária, como as de Monteiro Lobato, constitui a maneira mais democrática e eficaz de combater os preconceitos racistas. O estímulo à leitura crítica dessas e de quaisquer outras obras, com a identificação dos preconceitos racistas e de outra natureza que possam conter e com a análise do contexto histórico em que foram escritas, pode ser, ao contrário, a maneira mais efetiva de lutar contra esses preconceitos em nossa época.
Monteiro Lobato foi um escritor progressista, embora com as limitações inevitáveis de seu tempo e de sua condição social. Contribuiu para abrir a cabeça e aguçar o senso crítico de muitas e muitas crianças, o que poderá continuar fazendo, se equívocos como o do parecer do Conselho Nacional da Educação não prevalecerem. Não se deve subestimar a inteligência das crianças, nem seu sentimento espontâneo e generoso de solidariedade com os oprimidos e marginalizados, como a tia Anastácia do Sítio do Picapau Amarelo.
Duarte Pereira é jornalista.
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Comentários
Em sua literatura discutiu o racismo em “O Presidente Negro” .
Quanto a caracterização de figuras temos o Jeca tatu. Que é uma critica ao modo do caipira. Creio eu que a ideia não é ofender, mas chamar a reflexão.
Quando se voltou para a literatura infantil creio que trouxe com sigo na figura da boneca Emília uma língua desbocada com o intuito de chamar a reflexão. Ela não apenas se dirige aos negros com palavreado vulgar, mas a todo e qualquer um. Faz critica a tudo e a todos não respeita ninguém, o que vai mudando ao longo da obra. Foi a forma como encontrou de se expressar sem ser censurado. Mal sabia ele que décadas depois seria por este fato sofrer esta censura.
Meu intuito aqui é abrir a discussão para quem se sente ofendido por lobato a tentar ver nele mais do que os termos que o ofenderam. Lobato (sua literatura) na verdade é um instrumento de luta pela liberdade e pela justiça social. Não se descarta aliados em um mundo onde há tão poucos.
Será que, se fosse livro de ilustre autor desconhecido, utilizando tais expressões preconceituosas aos negros, o Ministro da Educação faria vista grossa? Ou se, em trabalho de redação com apresentação oral, alunos brancos também empregassem expressões do tipo "preto como pau de fumo", "boneco de piche", o professor admitisse?
Infelizmente, também na Literatura brasileira, há tolerância - "liberdade de expressão"? - quando o autor é de renome. Ou será que teríamos que consultar S.Exa. Gilmar Mendes do STF?
Faz lembrar uma apresentação da cantora despolitizada Rita Lee interpretando "Ovelha Negra" num programa de TV ao lado de Dona Ivone Lara. Triste isso. Ou o lulista Chico Buarque ("palmas para a ala dos barões famnitos!")no samba Meu Caro Amigo: "Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta"...
Portanto, se tiver que admitir expressões racistas em educação e cultura, por si só, anula a lei em vigor. Mais uma que não "pega" no Brasil.
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