Uma história mal contada
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- Gilvan Rocha
- 11/04/2012
Após o dramático episódio da Comuna de Paris em 1871, Karl Marx escreveu, a respeito de tão lastimável fato, o clássico “Guerra Civil na França”. Nele, o genial socialista diz: “o proletariado sabe aprender com suas derrotas, as assume, as discute publicamente e delas tira ensinamentos e forças para o próximo embate até a vitória final”. Com a derrota da revolução mundial por ocasião da Primeira Grande Guerra, a Revolução Soviética tornou-se o expoente maior da experiência prática de insurreições socialistas e dela haveríamos de tirar todos os ensinamentos possíveis explorando até as últimas nuances seus feitos e defeitos.
Ocorreu, no entanto, que a derrota da revolução mundial impôs que a Revolução Russa, facho momentâneo de esperança, fosse sufocada e ali também, após renhida luta, onde não faltaram heroísmos e crueldades, triunfasse a contra-revolução. Já em 1920, Vladimir Lênin disse, com todas as letras: “ou a revolução mundial triunfa, ou pereceremos”. Essa afirmação estava dotada da mais absoluta verdade, porém, Vladimir Lênin, do topo do seu inconteste brilhantismo, cometeu o desastroso erro de esquecê-la. Por esse e tantos erros ainda hoje pagamos a fatura com juros de agiota.
Em 1921, por ocasião do X Congresso do Partido Comunista da URSS, foi selado o destino funesto da Revolução Soviética, quando, naquela ocasião, foi aprovada, sob o patrocínio de Lênin e Trotsky, a resolução que proibia terminantemente o livre debate e impunha o monolitismo. Tomou-se a partir daí, outro caminho, tomou-se o caminho que nos levaria à afluência do horrendo fenômeno histórico chamado stalinismo. E foi o stalinismo que levou à prática justamente de tudo ao contrário do que afirmara Karl Marx, quando disse que deveríamos assumir publicamente as nossas derrotas.
A tarefa de submeter a Revolução Russa a uma profunda análise, ao invés de convertê-la no imenso sacrário, teria sido levada a cabo com bastante êxito pelas mãos geniais, além de outras, que foram esmagadas, de Rosa Luxemburgo, Vladimir Lênin e especialmente Trotsky, que teve tempo histórico para o cumprimento dessa missão revolucionária, ao invés de desprender suas energias em obsessões infundadas.
Rosa Luxemburgo, como sabemos, foi ceifada pela contra-revolução respaldada no social-patriotismo da Segunda Internacional, em 1919, e nos legou sobre a Revolução Russa apenas um pequeno ensaio onde não poupou críticas aos desvios fatais que tomava a Revolução Soviética.
Vladimir Lênin, no seu voluntarismo incontido esqueceu o que dissera quanto ao bolchevismo, e se propôs a fazer da Terceira Internacional o partido bolchevique do universo, como infelizmente sucedeu. Por que não se cobra dele tão desastroso tropeço? Por que optaram por beatificá-lo? Nada existe sem resposta; infelizmente, aqui não há espaço suficiente para tratá-las.
Levando-se em consideração que muitos talentos foram ceifados pela contra-revolução, inclusive o de Leon Trotsky, ele gozou de maior parcela de tempo e deveria ter procedido a um trabalho veemente de crítica do processo da revolução mundial e em especial os graves desvios da Revolução Russa, que mantinha as suas indeléveis marcas digitais. Ao invés de agir como um rigoroso marxista, Leon Trotsky derivou para o idealismo, imputando o resultado adverso do processo revolucionário ao papel de indivíduos, particularmente ao individuo Stalin, como se ao coveiro coubesse a culpa pelo defunto, quando dá-se justamente o contrário, é o defunto que produz o coveiro.
Não foi, portanto, Yosif Stalin, com seu cérebro demoníaco, quem criou a burocracia soviética, pelo contrário, foi o próprio processo de burocratização da Revolução Russa decorrente da vitória da contra-revolução mundial que produziu Yosif Stalin, sem, no entanto, pretendermos isentá-lo de qualquer parcela de responsabilidade pelo funesto papel que jogou como facínora a serviço da contra-revolução.
É claro que não caberia à burguesia elucidar a verdade histórica. A ela restava e resta o papel de distorcer e omitir os episódios que lhes causam incômodos. Por sua vez, ao stalinismo, não havia a mínima parcela de interesse em deixar a história às claras e sim, como a burguesia, por razões diferentes, distorcê-la. Restava-lhe e resta-lhe escamoteá-la, omitir fatos, praticar a anti-história.
Depois da queda do muro de Berlim ergue-se uma leva de “marxistas-legais”, aqueles que vivem às expensas da burguesia e sob seu patrocínio derramam erudição e praticam uma linguagem hermética, detendo-se em subjetividades ao invés de contribuir para a grande tarefa que deveria ser assumida pelos verdadeiros socialistas, ontem e hoje, qual seria a de “lamber suas feridas”, assumir publicamente seus erros, resgatar os seus acertos e assim poder enfrentar com o devido vigor a contra-revolução tão presente nesses inglórios dias em que a decadência socialista é retratada nas tagarelices triunfalistas que se resumem no anti-americanismo obtuso, sem que se dêem conta de que ser antiimperialista não implica em ser anticapitalista e é no capitalismo que está o centro da questão, pois ele sim é a matriz de nossas tragédias sociais.
É lamentável constatar que o trotskismo limitou-se à obsessão desvairada em se mostrar bolchevique de priscas eras quando o próprio Trotsky foi até abril de 1917 o mais cáustico crítico desse modelo de partido e o próprio Vladimir Lênin chegou a reconhecer, de público, que sua proposta não tinha nenhum valor universal. É lamentável, repetimos, que Trotsky e o trotskismo, após a segunda metade da década de 1920, transformaram-se no último reduto do stalinismo. É puro engano imaginar que o stalinismo reduz-se tão somente à tese de construção do socialismo em um só país e de suas práticas cruéis. O trotskismo, com certeza, não deixaria de praticá-las como fizeram em tantos momentos por via da calúnia cruel, e mais longe não foi pela limitação de suas forças desde que reduzidas a pequenos feudos.
É incontestável reconhecer que o stalinismo assumiu várias roupagens, e que dentre elas a mais sutil é, sem dúvida, aquela que se espraiou sob as sombras dos ziguezagues de Leon Trotsky, que não devia, por seu gênio, seu brilhantismo, ter se furtado à tarefa real de redimir o socialismo de seus equívocos.
Não sabemos se o brilhantismo e sua genialidade foram brutalmente ofuscados pelo burburinho da história que o levou a práticas censuráveis de conspirações e contra-conspirações nos corredores dos palácios, naquele momento sob controle dos bolcheviques. É possível que o peso das pressões produzidas pela derrota da revolução mundial o tenha, e não só a ele, levado a confusão intelectual.
A verdade é que aquele gigante socialista de antes de 1917 transformou-se, depois dessa data, num quadro prenhe de equívocos e intolerâncias, ressaltando-se, dentre muitas delas, os exemplos dos revolucionários Victor Serge e Andrés Nin. No primeiro caso Trotsky promoveu o corte de suas relações políticas quando Victor o repreendeu por acusar levianamente de oportunista o extraordinário revolucionário espanhol Andrés Nin.
Em suas várias formatações, a ortodoxa, a maoísta, a kruschevista, a fidelista, devemos incluir como reduto do stalinismo organizado diversos partidos, movimentos e seitas trotskistas, praticando com afinco o monolitismo, o ultra-centralismo, a exclusão impiedosa, a intolerância ao livre debate, a prática do conceito de “povo eleito de Deus”, a calúnia e o boicote como métodos de disputa política.
Não sabemos, porém, se existe tempo histórico para que se construa outra esquerda calcada nos princípios do socialismo científico, como única forma de impor a superação do capitalismo já tão exaurido, pois há muito mergulhou em sua fase final, o imperialismo.
Dessa forma, estamos completamente carentes de uma história bem contada. Uma história que revele o massacre de Kronstadt, a perseguição à oposição operária de Alexandra Kollontai, a criação dos campos de trabalho forçado para onde eram destinados os dissidentes, fossem eles de esquerda ou de direita, o suicídio de centenas de revolucionários objetos da mais vil perseguição, a execução sumária ordenada por Vladimir Lênin de Bugdanov, os crimes incontáveis praticados no mundo inteiro pela Terceira Internacional sob o carimbo do “marxismo-leninismo” ou do “marxismo-leninismo-trotskismo”, como foi o papel que eles jogaram enfraquecendo o Partido Operário Unificado Marxista (POUM) e caluniando a figura extraordinária do revolucionário Andrés Nin e seus companheiros, finalmente assassinados pelos punhais do stalinismo ortodoxo.
Essa é a história que nos falta ser contada e com toda certeza ela não há de vir pelas mãos dessa corja que são os chamados “marxista-legais”, que vivem às sombras das academias e que por elas são custeados e prestigiados pelo papel que jogam a serviço do sistema.
Gilvan Rocha é militante socialista e membro do Centro de Atividades e Estudos Políticos.
Comentários
O discurso fascista é muito bem elaborado e cmistura alhos e buglhos, propositadamente e sempre com pendência para os bugalhos.
São cheio de generalidades, de falsas questões e dubiedades, como se as regras podem ser estáticas em conjunturas tão vaiadas , como são as experimentadas pelas sociedades, muitas delas tão diferentes entre si.
Daquui a pouco, aliás, desde sempre, acrescentavam a esta lista que "VOTO NULO É COISA DE ALIENADO", como se nós que defendemos esta idéia, PELA ESQUERDA, fizéssemos como fazem os conservadores e direitistas que votam nulo, e pronto!
Nós, que defendemos o Voto Nulo como iniciativa de contestação e transformação política, o defendemos ACOMPANHADO necessariamente de uma prática de Ativismo Social e Político, visando a Organização Popular INDEPENDENTE dos Poderes Institucionais.
Alerto ao Vanderlei que o discurso fascista defende a castração sexual e o preconceito contra greves, a meu ver, indo de encontro a liberação de energias produtivas e saudáveis, tanto na vida pessoal, quanto na vida laborativa.
No mais, foi incensando líderes, que tivemos Collor, FHC e Lula como presidentes entreguistas deste país.
O "DECÁLOGO", os 10 mandamentos para implantar uma ditadura
Escrito por Lênin em 1913
1 - Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual;
2 - Infiltre-se e depois controle todos os veículos de comunicação de massa;
3 - Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;
4- Destrua a confiança do povo em seus líderes;
5- Fale sempre sobre Democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o Poder sem nenhum escrúpulo;
6- Colabore para o esbanjamento do dinheiro público; coloque em descrédito a imagem do País, especialmente no exterior e provoque o pânico e o desassossego na população por meio da inflação;
7- Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do país;
8- Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam;
9- Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da causa socialista;
10- Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência
Parabéns pelo excelente comentário, sob "Uma história mal contada". Abraços, Ivanildo Cavalcante.
Dilon, Gilvan Rocha se lança a analisar a história do ponto de vista político, sem um julgamento moral da figura de Leon Trotski. Não podemos analisar o processo da revolução Russa passando por cima dos fatos históricos, muito menos deixar de analisar os erros cometidos, endeusando os dirigentes da revolução como mártires sagrados que não cometeram nenhum erro, que só se sacrificaram na melhor das intenções. Temos que fazer a crítica aos processos políticos e perceber que nem tudo na história da revolução foram flores e que suas consequencias são políticas e temos que analisá-las como tal, sem sentimentalismo e moralismos. Eu mesmo não sei explicar as deliberações do X Congresso do Partido Comunista da URSS, fico me perguntando como Lênin e Trotski puderam defender tais deliberais. Ao ler o livro Oposição Operária de Alexandra Kollontai percebo que existia uma clara oposição naquele momento a política executada, mesmo com todos os apelos de Kollontai e seus companheiros da OP, que alertaram os dirigentes das consequencias dessas liberações. O stalinismo é um produto histórico, forjado dentro da política do substituímos executada pelo partido bolchevique, não é a fruto somente da vontade e da maldade do próprio Stalin. Caso fosse não seria hoje tão praticado por toda a esquerda, até por aquela dita trotskista, que não se permite fazer a critica a partir da historia, analisando os fatos e suas consequências políticas.
Fraternalmente, gostaria de dizer que temos que debater esse assunto mais vezes, levantado fatos, sem acusações e com mais abertura para reconhecer determinados equívocos.
Um abraço, Erika Gomes.
É motivo de alegria saber que algumas pessoas se dispõem a restabelecer o livre debate, que foi proibido, por proposta de Trotsky e Lênin, no X Congresso do Partido Comunista Russo em 1921. A partir daí criaram-se as condições concretas para que brotasse esse fenômeno chamado stalinismo, produto legítimo da derrota da Revolução Mundial. O facínora Josef Stalin, não teve nada para inventar. Proibição do livre debate (monolitismo); a imposição do Partido Único; Supressão do direito de tendência; o outro centralismo burocrático; a criação de uma polícia política com poderes de até promover execuções sumaria; a criação dos campos de concentração para onde eram mandados os dissidentes, fossem de esquerda ou de direita, tudo isso já existia desde 1921, com a participação direta dos senhores: Trotsky e Lênin. Assim meu caro Dilon, não tem qualquer fundamento na história, imaginar que o stalinismo deu-se após a morte de Lênin, à única coisa que foi acrescentada quando Stalin, no poder foi à tese da “construção do socialismo em um só país”. Se não bastassem esses terríveis equívocos, foi criada, em 1919 a 3ª Internacional e sobre ela, Lênin, proclamou que havia surgido o bolchevismo universal, quando na verdade universal foi a instalação do stalinismo que grupos e partidos trotskista , representam muito bem. Abraço socialista, Ivanildo Cavalcante.
FORA AO CAPITALISMO...
VIVA A VIDA!!!
Mas o autor não fica por aí. Atinge o clímax qdo caracteriza o "trotskismo" (termo fabricado pelos estalinistas) a partir da segunda metade dos anos 1920 como representante do estalinismo. Tal disparate certamente o credencia a herdeiro espiritual da Escola Estalinista de Falsificações Históricas, tamanha a arbitrariedade subjetivista desprovida de qq referência histórico-fatual! Nisso é acompanhado pelos coveiros da URSS qdo declaram Trotsky como irmão siamês de Estaline.
Diante deste festival de besteiras melhor tomar distância e evocar a sobriedade das palavras de Trotsky em A Revolução Traída - qdo polemizando com doutrinários simplórios q exigem definições categóricas a respeito da caracterização da URSS - demonstrava humildade diante do processo histórico em curso: "Tememos acima de tudo, na nossa análise, violentar o dinamismo de uma formação social q não tem precedentes (...) O fim científico e político q prosseguimos proibe-nos de dar uma definição acabada de um processo inacabado; impõe-nos a observação de todas as fases do fenômeno, de extrair dele as tendências progressistas e reacionárias; de revelar a sua interação; de prever as múltiplas variantes do desenvolvimento ulterior e encontrar nessa previsão um ponto de apoio para a ação."
Certamente, diz o autor, "é preciso submeter a Revolução Russa a uma profunda análise ...". Indispensável na urgência do nosso tempo de combate à barbarie do capital fazer um balanço sério de todo o período de horror sangrento q foi o sec XX. Nesse balanço tem lugar importante, certamente, a herança teórica e política de Leon Trotsky ao lado de revolucionários como Rosa Luxemburgo e outros q com sua luta vivificaram a chama revolucionária de um marxismo golpeado brutalmente pelo despotismo burocrático. Para desfazer a liga estalinismo-comunismo indispensável superar o sectarismo. Necessário um espírito aberto, fraternal, plural, de respeito entre companheiros, de uma discussão fraterna e democrática. Livremo-nos do espírito e prática execráveis, venenosos do estalinismo e de leviandades q podem resvalar facilmente para calúnias e difamações.
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