Os Mensageiros de Deus
- Detalhes
- Hemerson Ferreira
- 26/08/2013
O filme "o assassinato de John Lennon" foi lançado em 2006, mas, desde então, eu nunca quis vê-lo. Afinal, todos já conhecemos a história: um doido varrido que se considerava enviado de Deus atirou e matou o ex-Beatle, causando uma tremenda comoção mundial. Foi na noite de 8 de dezembro de 1980. Lembro-me do dia seguinte como se fosse ontem: eu, um garoto na época, ouvi a notícia, fui correndo contar à minha mãe, que desabou a chorar. Soube depois que o assassino dizia ter feito aquilo, dentre outras razões, para se tornar mais famoso que o artista. Justamente por isso nunca procurei sequer saber seu nome.
O que me fez querer ver o filme agora foi a certeza antecipada de que o discurso feito pelo deputado Marco Feliciano sobre aquele assassinato não estaria correto. E eu acertei em cheio! Para quem não teve o desprazer de ver, o deputado dito cristão celebrou a morte do cantor durante um culto, em vídeo hoje disponível na internet. Quando era um dos quatro integrantes dos Beatles, John Lennon disse a algum repórter que sua banda seria mais conhecida no planeta do que Jesus Cristo.
Ao contrário do que muitos pensam, o cristianismo é uma das maiores religiões mundiais, mas não a única. Não sei como era nos anos 1960, mas hoje se sabe que um terço apenas dos religiosos no mundo todo são cristãos. O jovem roqueiro de Liverpool, ainda que deslumbrado, não estava dizendo algo incorreto.
Para o então pastor Feliciano, John Lennon cometeu um grande e imperdoável insulto, merecedor de castigo violento. Do púlpito de sua igreja e diante de uma platéia ensandecida, berrava o religioso: "Eu queria estar lá quando John Lennon levou três tiros no peito, pois eu diria: que o primeiro foi dado em nome do Pai. O segundo, em nome do Filho. E o terceiro, do Espírito Santo. Amém".
Entretanto, como se pode ver no filme, John Lennon levou seis tiros nas costas, ao entrar no prédio onde morava. Feliciano, como eu desconfiava, criou a versão dos três tiros no peito para ligá-los à trindade cristã, dando à história um ar místico perfeito à sua pregação.
John Lennon era um pacifista. Os arapongas da CIA, que o investigaram por suspeitas de ligação com o comunismo, jamais encontraram nada que o incriminasse. Quase o expulsaram dos EUA por causa das críticas e protestos que o cantor fazia direto contra a guerra no Vietnã. Lennon era um artista engajado, humanista e que pedia apenas “Uma chance à paz”.
Seu assassino, cujo nome não interessa aqui, ainda está preso. Em 2006, ano do lançamento do filme, viu negado o pedido de liberdade condicional, por ainda ser considerado perigoso pelas autoridades estadunidenses. Tal qual o deputado brasileiro, o fanático norte-americano se julga um mensageiro de Deus até hoje...
Hemerson Ferreira é professor de História.
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