Depois de 1848, nada novo (2)
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- Frank Svensson
- 01/11/2013
A aproximação do marxismo limitada ao problema da alienação
O principal contato entre o enfoque psicologizante da realidade e o marxismo é a alienação, tornada clara pelo fetichismo da mercadoria e pela alienação do trabalho. Reconhece-se a alienação dos homens como característica na sociedade burguesa, mas pelo enfoque psico-antropológico. A alienação independe de concretas condições socioeconômicas da atividade humana. A vida se rege por interesses mercantis, dirigindo a ética dos homens. Nas grandes cidades, os cidadãos são engolfados pelo consumismo e pela circulação financeira.
Indivíduo alienado é o que não se percebe centro de seu mundo, criador de seus atos. Atos e consequências assenhoream do alienado e o tornam serviçal deles. O indivíduo, na sociedade capitalista, com a produção em massa, é coisificado. Coisas passam a ter mais importância que a maioria das pessoas. Para Fromm, no século XIX questionou-se a existência de Deus. No XX, a existência do homem.
Lamentavelmente, o neofreudismo estancou na constatação do imediatamente manifesto, vendo alienação mais como estado psicológico do indivíduo, amortecendo a capacidade crítica da sociedade capitalista. Resultou em crítica moralista, perfeitamente aceita só por círculos românticos da intelectualidade e da pequena burguesia. Não resultou em ação revolucionária das massas, que por contradições de classe alterasse estruturalmente a ordem estabelecida. Incorreu no humanismo naturalista, caracterizado por Marx como sabendo julgar e condenar o presente, sem saber compreendê-lo. (1)
Sua crítica inofensiva constitui muito mais que um protesto eficaz, é confissão de impotência da intelectualidade radical. Bem ilustra ilusões e enganos da pequena burguesia e da intelectualidade liberal da fase decadente do capitalismo, sem meios para evitá-los.
Declarando a sociedade capitalista doente e neurótica, o neofreudismo propugna por uma sociedade sadia, conforme as necessidades do homem, necessidades com raízes em sua existência, diferentemente de Freud, que via como trágico o desenvolvimento do conflito instintos pansexuais humanos x demandas morais da sociedade. O neofreudismo sugere a possibilidade de se criarem na Terra condições sociais que permitam ao homem realizar suas potencialidades interiores. Segundo Fromm, por meio de uma terapia social a sociedade capitalista pode ser transformada numa sociedade sã, mudando-se o asseio psicológico de cada indivíduo, substituindo-se a orientação mercantil, consumista, pelo comportamento produtivo. A reeducação moral é prioritária, mas, como o enfoque não passa pelo fulcro do capitalismo – a propriedade privada –, defrontam-se a lógica entre o dilema da relação homem/sociedade e os aspectos práticos de sua proposta para tornar a sociedade sadia.
Passando ao largo da luta de classes como questão central das relações capitalistas de trabalho, o neofreudismo substitui o conhecimento objetivo do processo de socialização pelo desejo de humanização do modo de produção industrial. Sugere-se: o fim de um industrialismo burocraticamente dirigido, a ser substituído por um industrialismo humanista, no qual o homem e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades – as do amor e da razão – são o motivo das relações sociais. Como o freudismo, o neofreudismo enxerga a história como resultado de nossa vontade consciente e da destreza de nossos desejos.
Enfoque sociobiológico
Comte (1798-1857), professor da École Politechnique de Paris e contemporâneo (1848-49) de Marx em Paris, é pai do positivismo e da engenharia social, hoje sociologia. Ao contrário da concepção metafísica, que opõe conhecimento filosófico a conhecimento científico e a conhecimento histórico, o positivismo vê a ciência específica como sua própria filosofia, menosprezando o conhecimento do materialismo histórico.
O ingresso da burguesia no âmbito social e o desenvolvimento marcante das forças produtivas trouxeram novos problemas ao pensamento teórico. Necessitava-se de um conhecimento que explicasse o mundo ambiente e servisse de modo imediato à atividade prática, dominando as forças da natureza.
Conquista importante na época foi a incorporação à ciência do método das observações sistemáticas e da experimentação, propiciando ao conhecimento científico bases materiais sólidas e permitindo surgirem as ciências naturais teóricas. Limitadas inicialmente à física, diversificaram-se em química, astronomia, geologia e mineralogia (quanto a não-orgânicos), e botânica e zoologia (quanto a seres vivos). Disciplinas que se caracterizam por empregar métodos empíricos de aproximação dos resultados das observações a leis de caráter matemático.
Gradativamente, a ciência separou-se da filosofia e adquiriu status independente. Exercendo crescente influência sobre as culturas espiritual e material, conquistou domínio conceitual. A cientistas se confiaram postos na administração do Estado, e a igreja viu-se obrigada a modificar sua atitude para com eles.
Relembre-se que no século XIX a ciência desenvolveu-se em luta contra a escolástica, filha protegida da religião. Daí o ceticismo dos cientistas com expressões apresentadas pela filosofia. Muitos não identificaram no materialismo histórico dialético possibilidade de reunificação harmoniosa da ciência e da filosofia, por meio do reconhecimento do caráter social da ciência.
Influenciados pela autonomia das pesquisas científicas específicas e criticando os aspectos negativos do pensamento filosófico tradicional, os positivistas proclamaram a total incompatibilidade entre ciência e filosofia. Ao declararem guerra à metafísica, vitimou-os um misticismo semelhante: a ciência é a sua própria filosofia.
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Nota:
1) K. Marx, O Capital.
Frank Svensson, professor aposentado da UNB, é do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro.