Correio da Cidadania

Posso saber em quem votei?

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1. Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, o Brasil tenta sobrenadar num mar formado pelo caudal dos factoides e da desinformação, combinada com a avalanche da exploração de preconceitos ideológicos.

 

2. Para não nos afogarmos, é conveniente estar atentos aos fatos, pois estes costumam receber dois tipos de tratamento da grande mídia, das cúpulas profissionais e mesmo da maioria dos acadêmicos: a) ser deliberadamente ocultados e, assim, ignorados por muitos; b) ser errônea e/ou incompletamente contados, além de deformados, ao serem interpretados em seu conjunto.

 

3. Um fato importante é que a urna eletrônica “brasileira” não é, nem um pouco, confiável, pois ela depende do programa (software), sendo impossível detectar qualquer fraude nele inserida.

 

4. Baseio-me no que tem sido demonstrado por professores de ciência da computação, da mais inquestionável competência.

 

5. Eles explicam que, sem mudar para urnas de geração mais avançada, o próprio voto impresso, a última linha de defesa dos que pugnam por eleições livres, só possibilitaria comprovar, por amostragem, ter havido fraude em determinada seção ou zona eleitoral.

 

6. Mas os tribunais eleitorais não admitem sequer a impressão do voto e o próprio STF chegou ao ponto de considerá-la inconstitucional, alegando que isso quebraria o sigilo do voto, princípio constitucional com valor de cláusula pétrea.

 

7. Ora, até antes da urna eletrônica, o eleitor escrevia na cédula o número de seu candidato, e seria puro nonsense dizer que se estava quebrando o sigilo do voto.

 

8. Faz lembrar a República Velha e um dos motivos da Revolução de 1930: instituir eleições livres. O país clamava por acabar com o voto de cabresto, no contexto socioeconômico semicolonial descrito no clássico de Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto.

 

9. Contava-se esta estória: um grande fazendeiro chama os peões e distribui- lhes papeis dobrados em envelopes para colocar na urna. Um dos peões pergunta ao patrão se poderia saber o que está escrito no papel. Resposta: “Não pode, não. Você não sabe que o voto é secreto?

 

10. Seria de valia para quem deseja conhecer a questão acessar o site www.votoseguro.org e ler a ata de reunião da CCJ da Câmara dos Deputados, de 08.05.2012, na qual falaram os principais especialistas em segurança eletrônica do país.

 

11. Há um excelente resumo (12.05.2012) desses depoimentos por Osvaldo Maneschy, que começa assim:

 

Na audiência pública para discutir se o voto eletrônico deve ser impresso ou não, na última terça 8/5, na CCJ da Câmara, ficou claro: o TSE bate de frente com os especialistas em informática que garantem que a impressão é a única forma de tornar segura a urna eletrônica que usamos no Brasil, de primeira geração, ultrapassada, diferentemente de máquinas modernas – como a urna eletrônica argentina, de terceira geração - que imprime o voto e permite que o eleitor o confira.

 

12. Maneschy cita o professor Diego Aranha, hoje na UNICAMP, e que fizera importante demonstração pública disto: “tivemos apenas uma hora de acesso ao código-fonte da urna eletrônica brasileira, mas foi tempo suficiente para quebrarmos o único dispositivo que ela usa para garantir o sigilo do voto”.

 

13. Aranha foi, na UNB, aluno do Prof. Pedro Rezende. Este, em um de seus artigos magistrais, publicado no Observatório da Imprensa, 15.04.2014, esclarece que um sistema eletrônico de votação como o do TSE, baseado em urna modelo DRE, caracterizado por não permitir recontagem dos votos, potencializa ao máximo os problemas decorrentes da informatização, por implicar dependência absoluta em relação ao software.

 

14. Rezende cita pesquisas da agência oficial dos EUA, U.S. Election Assistance Commission, (diretrizes VVSG - Voluntary Voting System Guidelines) e o Brennan Report, da Universidade de Nova York.

 

15. Elas descrevem 128 formas de fraude em sistemas de votação eletrônica e recomendam a diretriz VVPAT (Voter-Verifiable Paper Audit Trail), que dota o sistema de trilha de auditoria com registro material de cada voto, verificável pelo eleitor.

 

16. Esse registro serve para entrada do voto eletrônico na urna, em cujo modo é escaneado, ou como saída do voto eletrônico, em cujo modo é impresso; depois, para depósito manual ou automático, para possível auditoria.

 

17. Ainda Rezende: “Dos países que testaram ou usaram sistema baseado em urna DRE ... todos, à exceção do Brasil, já a abandonaram. Bélgica, Rússia, Índia, EUA, Canadá, México, Venezuela, Peru, Equador, Argentina usaram e trocaram ou adaptaram seus sistemas para algum modo VVPAT. Por fim, EUA Israel, Equador e Argentina, em eleições locais ou regionais, já usaram ou usam sistema E2E, cujas trilhas virtual e material de contagem e de auditoria dos votos são interdependentes”.


18. Outro expoente da matéria, o Eng. Amilcar Brunazo Filho diz: “O eleitor argentino pode ver e conferir o conteúdo do registro digital do seu voto. O eleitor brasileiro não pode! No Brasil, o voto é secreto até para o próprio eleitor”.

 

19. Não é aceitável, portanto, a postura do STF, TSE e muitos TREs, que têm indeferido pedidos de se demonstrar, perante essas autoridades, a completa vulnerabilidade da urna eletrônica à fraude.

 

20. Menos ainda, que ministros do STF tenham interferido no poder legislativo, seja para impedir a aprovação do voto impresso, seja para cassá-lo, quando leis foram promulgadas para assegurá-lo.

 

21. Em 2004, Nelson Jobim, então presidente do STF, fez convocar reunião de líderes da Câmara dos Deputados, na qual os intimidou (todo político tem processos nas altas cortes), para, por voto de liderança, decidirem suprimir da lei a impressão do voto.

 

22. Chegou a viger, mas quase não chegou a ser aplicada, a Lei do Voto Impresso, de autoria do Senador Requião, e, em 2009, foi promulgada por Lula a lei dos deputados Brizola Neto e Flávio Dino, que teve este destino, selado pelo STF, em 06.11.2013:

 

“O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 12.034/2009, que cria o voto impresso a partir das eleições de 2014. Na sessão plenária realizada nesta quarta-feira (6), os ministros confirmaram, em definitivo, liminar concedida pela Corte em outubro de 2011, na qual foram suspensos os efeitos do dispositivo questionado pela Procuradoria Geral da República (PGR) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4543.”

 

23. Após o 1º Turno das Eleições de 2014, o que já era mais que suspeito, tornou-se flagrante. Nunca se viram discrepâncias tão grandes entre as pesquisas de boca de urna e os resultados finais.

 

24. Em geral, a favor dos candidatos afinados com o sistema de poder comandado pelas oligarquias financeiras mundial e local, e em prejuízo dos políticos com currículo de defesa dos interesses nacionais, como Requião, ou críticos de sustentáculos daquele sistema (Globo), como o mesmo e Garotinho.

 

25. O professor Gustavo Castañon, da UF Juiz de Fora, publicou em “Viomundo”, 11.10.2014, artigo em que define a ‘urna eletrônica brasileira’ como a única do mundo totalmente invulnerável à fiscalização.

 

26. Castañon assinala que o resultado de Aécio foi muito além da margem de erro do Ibope, 1,5% além do previsto, e o de Dilma, aquém, 2,5%. Aécio tinha 99% de chances de ter entre 28% e 32% dos votos. Teve 33,5%.

 

27. O outro “erro” foi com os índices de Dilma. Ela teve 0,5% para menos, além da margem de erro. Castañon: “A chance de isso acontecer é bem menor do que 0,005 x 0,005: menor que 0,000025”.


28. Resumindo Castañon: Resultados virtualmente impossíveis aconteceram em todo o país. A avalanche absurda de 40,4% em Sartori no RS, por exemplo, quando a boca de urna previa 29%. Esta dava Genro (PT) 35%, Sartori (PMDB) 29%, Amélia (PP) 26%. As urnas deram Sartori 40,4%, Genro 32,5% e Amélia 21,7%. Não existem espaços na linha para os zeros necessários para expressar a probabilidade de isso ter ocorrido por acaso.

 

29. Olívio Dutra, no RS, perdeu a vaga no Senado, depois de a boca de urna ter indicado sua vitória por 6 pontos percentuais de diferença. No RJ, 8% dos votos parecem ter sido transferidos de Garotinho para Pezão e Crivella. Pezão teve mais 6% e Crivella mais de 2%, acima da margem de erro.

 

30. Pergunta, ainda, Castañon: por que será que temos o Congresso eleito mais fisiológico de todos os tempos? E afirma: “O estado das coisas se torna mais chocante com a quantidade de denúncias de fraude abafadas pela imprensa e o fato de o TSE ter terceirizado a operação das urnas nesta eleição de 2014 para empresas privadas”.

 

31. Ele conclui: ”só restam duas possibilidades: ou o Ibope fraudou as pesquisas de boca de urna e arruinou voluntariamente sua reputação, ou o Brasil viveu sua maior e mais escandalosa fraude até hoje. Escolha que teoria da conspiração lhe parece mais racional, porque é só o que tem pra hoje.”.

 

 

 

Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.


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