Correio da Cidadania

2015: de volta ao passado

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Para a economia brasileira, o ano de 2015 começou em 21 de novembro de 2014. Nesse dia, a presidente Dilma anunciou a escolha de Joaquim Levy para ministro da Fazenda no seu segundo mandato, sinalizando claramente os rumos da política econômica (principalmente de um dos elementos da política econômica que têm maior impacto no curto prazo: a política fiscal – isto é, de tributação e de gasto público).

 

Junto com os nomes da ruralista Kátia Abreu para a pasta da Agricultura e do empresário industrial Armando Monteiro para a do Desenvolvimento, a iniciativa mostrou a opção do governo de retomar um perfil como o que teve no primeiro mandato de Lula: ministérios estratégicos “terceirizados” diretamente aos grandes grupos de interesse econômico.

 

No caso do Ministério da Fazenda, o futuro titular é ligado mais aos interesses do setor financeiro do que aos da indústria, do setor primário (agropecuária, mineração) ou dos demais serviços. E, dentre os principais segmentos do empresariado, foi justamente o setor financeiro o maior (embora longe do único) crítico da gestão econômica no primeiro mandato de Dilma. Várias iniciativas do período – algumas já do segundo mandato de Lula – incomodaram os financistas: o “abandono do tripé macroeconômico” (que comentei no artigo anterior); a ofensiva da Caixa e do Banco do Brasil, que ampliaram bastante a sua fatia no mercado de crédito; o crescimento forte dos empréstimos do BNDES, a custos mais baixos (implicando maiores custos, para bancar esses subsídios, ao Tesouro Nacional).

 

O barateamento do crédito sempre foi um pleito da indústria. E várias outras iniciativas do primeiro mandato de Dilma também visaram atender a reclamos da indústria (como a desoneração da folha de pagamentos de muitos segmentos da indústria; a menor tolerância ante pressões de valorização do real que prejudicavam a competitividade da produção industrial brasileira; e as mexidas no setor elétrico, visando baixar tarifas).

 

A opção por Levy na Fazenda indica, contudo, que tais iniciativas não representaram anteparo suficiente ante as pressões das finanças. Isso reflete, entre outros fatores, a atitude tradicionalmente ambígua do empresariado industrial brasileiro (e das transnacionais, que sempre foram muito importantes na matriz industrial brasileira) diante de governos mais intervencionistas. Os empresários industriais pedem proteção e suporte, mas se opõem a que tais benesses sejam condicionadas a contrapartidas (metas de produção, de nacionalização, de exportação, de avanço tecnológico) – sintoma do nosso histórico patrimonialismo. E tampouco abrem mão de comportamentos rentistas que os aproximam dos interesses das finanças.

 

Em suma, o tímido experimento desenvolvimentista do final do período Lula e, sobretudo, do primeiro mandato de Dilma sofreu um revés claro, sinalizando que doravante políticas mais convencionais e menos ambiciosas deverão preponderar.

 

Dito isso, o que tais opções prenunciam para a economia brasileira em 2015? Evidentemente, mais um ano de dificuldades. Cortes de gastos públicos reduzem diretamente a demanda agregada por bens e serviços. E aumentos de impostos, ao retirarem recursos de consumidores e empresas, tendem indiretamente a reduzir a demanda. Logo, o chamado ajuste fiscal tem impacto imediato adverso sobre a atividade econômica, que já atravessou 2014 praticamente estagnada.

 

A perspectiva, no entanto, poderia ser mais, ou bem mais, negativa. Entre o início da década de 1980 e o início do atual milênio, o país atravessou inúmeros processos de ajuste fiscal, todos frustrados num prazo mais ou menos breve. A razão essencial dessas frustrações recorrentes era a extrema debilidade das contas externas, que redundava em interrupções ou mesmo reversões do crescimento (recessões).

 

A debilidade das contas externas pode ser sintetizada no fato de que economia estava permanentemente sujeita a se encontrar, num prazo de poucos meses ou mesmo semanas, diante de severa falta de dólares. Isso porque o nível de reservas internacionais do Banco Central era em geral perigosamente baixo, ou estava sujeito a cair muito depressa.

 

Esse perigo não está colocado hoje. É verdade que, sob vários critérios, as contas externas vêm se fragilizando: sumiu o saldo positivo no comércio exterior; a receita de exportação depende cada vez mais da venda de matérias primas – sujeita a cair quando as cotações desses produtos caírem; e o saldo em transações correntes, que soma ao comércio de bens o de serviços, está bastante deficitário, o que significa que, se não houver forte entrada de investimentos, as reservas podem cair.

 

No entanto, a despeito disso tudo, o nível das reservas do BC segue muito alto. Isso significa que a eclosão, num prazo relativamente curto, de uma crise cambial como tantas que tivemos nas décadas passadas é um evento de baixíssima probabilidade. Noutras palavras: é claro que o país pode voltar a sofrer com a debilidade das contas externas, mas, se chegarmos a esse ponto, não deverá ser em 2015 (provavelmente nem em 2016 ou mesmo 2017).

 

Dadas essas circunstâncias, o impacto negativo do ajuste fiscal agora em 2015 pode ser mitigado por uma melhora de confiança. Como destaquei no artigo sobre 2014, foi a queda pronunciada da confiança de consumidores e empresários o fator central para o mau desempenho da atividade econômica em 2014. Se os aumentos de impostos e cortes de gastos esperados para o início de 2015 forem capazes de impedir, por exemplo, que as agências de classificação de risco tirem dos títulos do Tesouro Nacional do Brasil o selo de “baixo risco” (investment grade), isso facilitará que se dissipe o clima de ceticismo e mesmo de “fim de mundo” que a campanha eleitoral de 2014 ajudou a difundir.

 

Mas não é só a preocupação em preservar a confiança dos credores que sinaliza um 2015 difícil. É também o esforço para manter a inflação dentro (ou quase) da meta, ou seja, abaixo de 6,5% ao ano. Embora se diga que os cortes de gastos e aumentos de impostos vêm para “ajudar” o Banco Central no combate à inflação, por contribuírem para um enfraquecimento da demanda, em rigor o ajuste fiscal também tem impactos inflacionários. Os aumentos de impostos serão, em alguns casos, aumentos de custos. E, para reforçar as receitas públicas ou reduzir o gasto com subsídios, está anunciada uma rodada de aumentos fortes de vários preços administrados (ou monitorados) pelo setor público, como as tarifas de energia elétrica, de transporte público e de água (sobretudo em São Paulo).

 

Como a inflação já deve fechar 2014 muito perto de 6,5%, é claro que um salto dos preços administrados (que respondem por 23% do IPCA) tenderia a jogá-la para bem acima desse teto. Restará segurar a demanda para forçar uma desaceleração dos demais preços.

 

Jurandyr O. Negrão é economista.

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