Ajuste Fiscal e Cortes no Seguro-Desemprego
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- Arland Tássio de Bruchard Costa
- 08/01/2015
Nos últimos dias de 2014, o governo federal anunciou uma série de cortes orçamentários, reduzindo gastos com direitos trabalhistas, incluindo abono salarial, auxílio-doença, seguro-desemprego e outros.
Elogiado pela grande imprensa pelo esforço de reduzir em R$ 18 bilhões os gastos federais e por “corrigir distorções” nos benefícios concedidos, este pacote – anunciado durante as festas de fim de ano – demonstra a opção feita pelo governo federal, que mais uma vez realiza ajuste fiscal retirando direitos dos setores mais pobres da população.
Entre as medidas anunciadas, a mais grave é o corte que sofrerá o seguro-desemprego, benefício que garante ao trabalhador demitido uma renda mínima enquanto procura outro emprego, exigindo em troca que este se qualifique profissionalmente realizando cursos. As mudanças vão basicamente no sentido de criar obstáculos e dificultar o acesso ao benefício.
Cortes no seguro-desemprego já estavam na agenda do governo federal há alguns anos e, provavelmente, seguirão em pauta. A razão é simples: na última década os gastos com este benefício quase quintuplicaram, como demonstra a tabela abaixo:
| 2003 | 2013 | Variação Nominal |
Trabalhadores Beneficiados (em milhões) | 5,1 | 8,9 | 74,5% |
Total de Gasto (bilhões de reais) | 6,6 | 31,9 | 383,3% |
Fonte: O Globo (1). Dados do MTE |
Nos países centrais, a elevação de concessão de seguro-desemprego é um sinal de que o desemprego está aumentando e de que a economia vai mal. Em uma década, o Brasil elevou em 74,5% o total de beneficiados, o que, somado à valorização do salário mínimo, levou a um aumento nominal de gastos na ordem de 383,3%. Segundo os manuais de economia, estes dados deveriam mostrar uma situação caótica no mercado de trabalho brasileiro. No entanto, os dados revelam o contrário. Segundo a PNAD, a taxa de desocupação na economia brasileira caiu de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013, enquanto a proporção de trabalhadores sem carteira assinada caiu de 32,8% para 27,8% no mesmo período.
É uma realidade complexa e aparentemente contraditória: a elevação dos atendidos pelo seguro-desemprego entre 2003 e 2013 foi acompanhada pela geração de mais de 14 milhões de empregos formais (dados do Ministério do Trabalho), reduzindo a taxa de desemprego a tal ponto que governistas chegaram a afirmar que vivemos em um país de “pleno emprego”.
O que pode explicar que, em um período de formalização e ampliação da oferta de empregos no Brasil, cresça de forma tão acentuada a quantidade de beneficiados e os gastos com seguro-desemprego?
Na ânsia de cortar gastos, os setores conservadores começaram uma campanha midiática para criar a ideia de que a elevação dos gastos foi causada por fraudes no sistema. A presidenta Dilma embarcou nessa onda e chegou ao absurdo de declarar que “O seguro-desemprego é um grande patrocinador de fraudes” (2). De forma muito conveniente, esta lógica explica o corte de 18 bilhões de reais como “uma correção” no sistema, e não como perda de direitos dos trabalhadores.
Além de não estar baseado em qualquer dado objetivo, este discurso cumpre a função de ocultar os reais motivos para a elevação de gastos. A verdadeira razão está, obviamente, na própria estrutura do mercado de trabalho do Brasil, marcado pela superexploração de milhões de trabalhadores.
O mercado de trabalho nacional é tão precário que, no sentido contrário do que pregam vários economistas, a geração de empregos formais é a causa principal da elevação da quantidade de beneficiados pelo seguro-desemprego. Concretamente, uma massa trabalhadora que nos anos 90 estava submetida à informalidade e não tinha qualquer direito trabalhista, a partir dos anos 2000 passou a oscilar entre empregos formais precários e a informalidade, ascendendo a uma posição em que tem direitos mínimos, como o seguro-desemprego nos momentos de transição de emprego. Em outras palavras, a formalização das relações trabalhistas elevou a quantidade de trabalhadores que podem demandar o seguro.
Vale ressaltar que o seguro-desemprego no Brasil é restrito se comparado a outros países. Sua duração é curta, entre 3 e 5 meses, e o valor do benefício é mínimo, variando entre R$ 788 e R$ 1.304 mensais, menos da metade do mínimo necessário para o consumo mensal de uma família, segundo o DIEESE. Para os setores médios da população, o valor é insuficiente para manter seu padrão de vida.
Quem mais necessita desta verba é, portanto, a parcela mais pobre da população brasileira. É exatamente este setor que foi recentemente incorporado aos empregos instáveis na área de serviços, com jornadas extensas, péssimas condições de trabalho e alta rotatividade. Dificultar o acesso ao seguro-desemprego é, portanto, um ataque direto aos trabalhadores, em especial os mais pobres, justamente no primeiro momento da história do país em que estes começam a ter acesso ao mínimo.
O PT deveria ver com bons olhos o acesso de milhões de trabalhadores a direitos como o seguro-desemprego e combater a rotatividade do mercado de trabalho, através de medidas que incentivem a permanência do trabalhador em seu posto de trabalho, com melhorias nas condições de trabalho e renda. Ao invés disso, atende mais uma vez aos desejos do “mercado”, inclusive do ponto de vista ideológico, construindo publicamente a ideia de que os trabalhadores estão fraudando o sistema e lutando para diminuir a quantidade de beneficiados.
Notas:
Arland Tássio de Bruchard Costa é economista formado pela UFSC e estuda o mundo do trabalho no Brasil.