As lições da queda de Eike Batista
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- Juliano Medeiros
- 20/02/2015
Em lista divulgada no mês de março de 2012, Eike Batista era considerado o 8º homem mais rico do mundo, com um patrimônio estimado em R$ 34,5 bilhões de reais. Nos últimos meses, porém, tem estampado os jornais devido à decadência de seu império. As empresas do grupo EBX somam prejuízos de quase R$ 25 bilhões. Apesar disso, as abordagens mais comuns na grande imprensa atribuem à “personalidade” de Eike as razões de sua derrocada: excesso de confiança decorrente do sucesso, a busca desenfreada por mais lucros e a falta de cautela diante investimentos arriscados...
Seria muito simples se o fracasso do maior grupo econômico privado do Brasil pudesse ser atribuído apenas à personalidade de seu principal executivo. A questão, porém, é que essa explicação não corresponde à verdade do fenômeno.
No controle do grupo EBX, Eike entrou de corpo e alma no mercado de capitais, um mercado sempre considerado de risco. Enfrentou uma brutal crise econômica expandindo e diversificando investimentos. Nessa empreitada encontrou apoio de players de peso na bolsa de valores, além, claro, de generosos financiamentos públicos.
Segundo matéria publicada pela revista Exame, apenas entre 2005 e 2012, Eike Batista captou investimentos de 26 bilhões de dólares para as empresas que levou à bolsa. Também financiou o conglomerado com empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que chegam a R$ 10,4 bilhões.
Há muitas versões sobre as razões da queda de Eike, mas poucas delas chegam ao “X” da questão (com o perdão do trocadilho, já que o empresário tem um livro com esse nome). A verdade é que Eike aproveitou-se da absurda dinâmica que comanda o mercado de ações e que permite que uma empresa recém-criada acumule “valor” equivalente ao de grupos tradicionais com décadas no mercado. Um bilionário da especulação, com um império pouquíssimo produtivo, com exceção da MMX, mineradora vendida recentemente.
Além disso, a remuneração de seus executivos seguia uma lógica insana: enquanto outras multinacionais oferecem bônus atrelados ao crescimento de longo prazo das companhias, Eike distribuía dividendos atrelados ao preço das ações no curto prazo. O resultado é que vários executivos da EBX ficaram milionários antes mesmo que a empresa tivesse extraído uma gota de petróleo. Tudo graças à valorização artificial – isto é, especulativa – das ações das empresas de Eike.
Alguns dirão que “essas são as regras do jogo”, que Eike está colhendo os frutos de uma estratégia arriscada. Acontece, porém, que neste “jogo” estão envolvidos milhões de empregos e enormes quantidades de recursos públicos oferecidos através de empréstimos (recursos que poderiam ser direcionados à infraestrutura nacional ou à ampliação de direitos como saúde e educação). Por isso é necessário discutir se este é um “jogo” interessante para o Brasil e o mundo.
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o início, Eike foi financiado por grandes fundos privados. Não demorou muito para que fosse impulsionado também pelo BNDES. Isso porque os governos petistas apostaram na estratégia dos “campeões nacionais”, preconizada pelo ex-presidente da instituição, Luciano Coutinho, que visava privilegiar grandes grupos econômicos privados que deveriam ser fortalecidos com a anunciada intenção de conter a internacionalização da economia brasileira. Uma estratégia aparentemente bem-intencionada, mas com trágicas repercussões sobre o conjunto das cadeias produtivas nacionais.
Isto porque, diferente de outros países que adotaram a mesma estratégia com suas empresas de ponta, o governo investiu nos gigantes do setor primário-exportador (a JBS Friboi, na exportação de carnes, ou Vale, na exportação de minério, por exemplo), aprofundando a monopolização – vide a quebra de diversos pequenos frigoríficos pelo país afora – e a fragilidade externa, já que, quanto maior o grupo, mais dependente do mercado de ações, e, assim, das flutuações do mercado internacional.
Claro que, diante da explosão do preço das commodities no mercado internacional, a partir de 2005, era de se prever que os financiamentos seriam concentrados em empresas que exportassem esses bens (grãos, carne, minério de ferro, petróleo, etc.). Além disso, esperava-se que o boom das commodities pudesse acelerar os investimentos em infraestrutura, o que acabou não acontecendo – nesse caso, a solução de Dilma foi a privatização de portos, aeroportos e rodovias.
Além disso, essa estratégia veio acompanhada de desindustrialização e fortalecimento do setor primário-exportador, um péssimo negócio para o Brasil. Um país da periferia do sistema deveria investir no fortalecimento de cadeias produtivas capazes de aumentar a competitividade externa, diminuir a vulnerabilidade de nossa economia e ampliar o investimento produtivo, único gerador de empregos.
A queda de Eike, portanto, não se explica apenas pelas opções equivocadas do empresário. Ela é também expressão do fracasso de uma estratégia na qual estavam todos envolvidos, governo, acionistas e executivos de grandes grupos econômicos: a estratégia de apostar nuns poucos grupos econômicos, que, apesar de concentrarem boa parte dos investimentos públicos e privados, não têm dado o retorno esperado.
Num tempo em que o mundo todo – de Piketty a Obama – considera necessárias profundas mudanças nas “regras do jogo”, o Brasil vai na contramão da história. Como lembrou um intelectual de esquerda, o lulismo fez seus milionários: alguns deram certo – na JBS Friboi, TAM, Ambev etc. – e outros não. Essa história toda ainda precisará vir à tona. Que a debacle de Eike Batista sirva como alerta àqueles que ainda acreditam que apostar em “poucos e bons” é o melhor caminho.
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Juliano Medeiros, historiador, é secretário de Comunicação da Executiva Nacional do PSOL
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