Petroleiros fazem greve contra desmonte e privatização da Petrobras
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- Fátima Lacerda
- 04/11/2015
Mário Jorge é Gerente Executivo de Desempenho Empresarial da Petrobras. Simpático, desenvolto, discurso de fácil entendimento e bem articulado, a imagem agradável lembra o presidente Obama. Ele foi escalado pela Petrobras para explicar aos trabalhadores em campanha salarial, da FNP (Federação Nacional dos Petroleiros) e da FUP (Frente Única dos Petroleiros), as razões do Plano de Desinvestimento da empresa. Apesar da oratória, não convenceu.
A greve dos petroleiros, iniciada no dia 29 de outubro pelos cinco sindicatos que compõem a FNP, cresce com a adesão dos sindicatos da FUP, que reúne 12 entidades, incluindo a maior parte das refinarias e áreas de produção. A FUP entrou na greve, nas áreas de operação, desde domingo (1/11).
A defesa da Petrobras é o eixo principal. Mas há uma diferença fundamental entre os caminhos para a superação da crise anunciados por Mário Jorge – que incluiriam venda de ativos, achatamento de salários e perda de direitos – e as propostas defendidas pelos trabalhadores petroleiros.
Enquanto a atual administração da empresa se orienta pelas regras de mercado, os trabalhadores enxergam na Petrobras um papel maior, sendo estratégica para a soberania nacional e indutora do desenvolvimento. Enquanto Mário Jorge reza na cartilha do mercado, os sindicalistas veem com simpatia o projeto do senador Roberto Requião.
O senador propõe um aporte de recursos federais na Petrobras, via BNDES, “para reconstituir o fluxo de caixa ao nível de outubro de 2014”, o que permitiria à empresa finalizar obras interrompidas e garantir a retomada do desenvolvimento do país, consequentemente, a saída da crise.
A Operação Lava Jato já trouxe prejuízos infinitamente maiores à economia do país que todo o dinheiro desviado pela corrupção, ao impor a paralisação de obras como o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), Refinaria Abreu Lima (PE) e a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Mato Grosso do Sul (Fafen-MS).
O preço de venda do óleo refinado no mercado é sete vezes o preço do óleo cru. O mercado petroquímico é o mais lucrativo do setor petróleo. Abrir mão da construção de navios e plataformas no Brasil e da venda de produtos com valor agregado é condenar ao desemprego milhões de pessoas. Desistir dos postos de trabalho que estariam garantidos pela indústria nacional é algo que não faz sentido para os trabalhadores petroleiros.
Mas outro é o caminho anunciado pelo porta-voz da empresa, Mário Jorge. Ele diz estar fora de cogitação recorrer ao aporte de verbas do governo federal, ainda que o governo seja o sócio majoritário da Petrobras, uma empresa de economia mista: “Eu teria vergonha, vamos sair dessa sozinhos. Resistirei veementemente, só em último caso, no limite. Nessa crise, o governo tem outras prioridades (...) Projeto do Requião? Não posso opinar porque não conheço”, afirmou o Gerente Executivo de Desempenho Empresarial, meio que descartando a incômoda pergunta que quase ficou sem resposta, no encontro entre a direção da FNP e representações dos seus cinco sindicatos, no último dia 30.
São visões opostas. O porta-voz Mário Jorge festejou a venda de 49% das ações da Gaspetro ao grupo japonês Mistui, “por um valor acima do mercado”. A subsidiária nipônica vai se chamar Mitsui Gás e Energia do Brasil, passando a controlar, ao lado da Petrobras, grande parte da rede de gás canalizado do país. A operação rendeu aos cofres da companhia R$ 1,9 bilhão.
Ainda é quase nada, diante das metas ambiciosas do plano de negócios. A previsão é arrecadar, com a venda de ativos, 15,1 bilhões de dólares até o final de 2016, o equivalente a cerca de R$ 58 bilhões (ao câmbio atual)! Pode-se imaginar que o Sistema Petrobras será totalmente desmontado e destruído até que se chegue a essa cifra astronômica. A lista dos ativos a serem vendidos é mantida a sete chaves. A falta de transparência irrita os trabalhadores da empresa.
“Conseguiremos sair dessa sozinhos”, como orgulhosamente insiste em dizer Mário Jorge, significa fazer escolhas que soam amargas e inaceitáveis para os trabalhadores. Pode ser ao custo da soberania nacional, da entrega das riquezas naturais do país – em especial o pré-sal – a potências estrangeiras, do desenvolvimento autônomo do país. Alguns desses frutos já estão sendo colhidos:
1) O desemprego em massa, sobretudo de terceirizados. Segundo Mário Jorge, “são medidas necessárias para ajustar-se ao tamanho da companhia”. O “enxugamento” está só começando. Nas privatizações concretizadas na Era FHC, no setor de telecomunicações, por exemplo, milhares foram demitidos, antes de se ofertar em leilão a estatal.
2) A “cota de sacrifício” que está sendo imposta aos trabalhadores, com drástico corte de direitos e redução de salários (o reajuste proposto é abaixo da inflação), além de restrições à organização sindical.
3) Venda de ativos. Segundo Mário Jorge, a dívida total da companhia gira em torno de 30 bilhões de dólares, sendo, portanto, flutuante. Depende da cotação do dólar. A maior parte vence entre 2017 e 2020. A opção dos atuais gestores seria saldar uma parte, desfazendo-se do patrimônio, reduzindo custos com pessoal e “rolando” o que restasse.
Estudos do Grupo de Economia de Energia da UFRJ revelam que o Brasil deixará de criar 20 milhões de empregos até 2019, em decorrência dos desinvestimentos na indústria do petróleo.
Os estudos revelam, ainda, que para cada R$ 1 bilhão que a empresa deixa de investir no país, o efeito sobre o PIB é de R$ 2,5 bilhões. Os impactos já se fazem sentir. O do Ministério da Fazenda estima que as reduções de investimentos da Petrobrás poderão afetar em até 2% o PIB de 2015.
Por trás da crise pré-fabricada pelos Estados Unidos está o grande volume de óleo colocado no mercado, propositalmente, para afetar as economias da Rússia, do Brasil e outras altamente dependentes do petróleo, como a da Venezuela. A Arábia Saudita, detentora das maiores reservas do mundo, segue os ditames de Washington que, por sua vez, gerencia os interesses das grandes petrolíferas. Quando a maior parte da dívida brasileira foi contraída, visando ampliar os investimentos, o barril de petróleo estava em torno de 100 dólares. Hoje oscila em torno de 50 dólares. A expectativa era de que estivesse na faixa de 70 dólares/barril.
A opção dos gestores da Petrobrás pela venda de ativos, para “fazer caixa”, é uma saída imediatista encarada como “possível” pelos que seguem cegamente as regras do mercado. A queda da avaliação do Brasil e da Petrobras por duas agências dificultaria a contratação de novos empréstimos e somam-se aos argumentos apresentados por Mário Jorge, que elencou outras medidas a serem adotadas, algumas até simpática aos trabalhadores, como a redução dos cargos de gerência em 30% e de alguns privilégios reservados aos primeiros escalões. O combate à corrupção também encontra eco na base petroleira.
Mas o buraco é mais embaixo. A categoria petroleira está em greve, de norte a sul do país, por entender que a manutenção da Petrobrás como uma empresa integrada e indutora do desenvolvimento nacional é uma opção estratégica. A única aceitável. Embora exija coragem e espírito público. A um outro senador da República, o presidente da Petrobras, Bendine, teria confidenciado que, de fato, o projeto do senador Roberto Requião é “o ovo de Colombo”. Nesse caso, haveria divergências na cúpula da Petrobras?
A greve dos petroleiros pode ser a oportunidade para a presidenta Dilma se reposicionar. Uma parte dos trabalhadores em greve acha que ela já fez a sua opção, a do mercado. Outra parte ainda alimenta a esperança de que ela pode mudar o rumo dos acontecimentos. De qualquer forma, os petroleiros estão fazendo o seu papel. Lutando. Apesar do enorme assédio moral, das medidas antissindicais e da repressão policial que estão enfrentando desde os primeiros momentos da greve.
Uma greve que promete ser longa, embora relegada à invisibilidade por grande parte da mídia. No dia primeiro de novembro, data em que a mobilização ganhou dimensões nacionais, com a entrada da FUP no movimento, o Jornal Nacional, na TV Globo, termômetro do pensamento conservador, preferiu destacar as belas rosas colombianas exportadas para os países nórdicos e meia dúzia de empregos que a alta do dólar gerou no campo, graças à valorização do dólar e das exportações agrárias. Sobre a resistência dos petroleiros, nenhuma palavra. Pelo menos, por enquanto.
Fatima Lacerda é jornalista, assessora do sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) Agência Petroleira de Notícias.