2016: impasses e agruras
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- Jurandyr O. Negrão
- 07/01/2016
Entre o dia em que enviei o artigo que esboçou uma retrospectiva da trajetória da economia brasileira em 2015 e a sua chegada aos leitores do Correio, dois fatos relevantes despontaram. Antes de falar das perspectivas para 2016, vou comentá-los.
O primeiro fato novo foi a decisão de uma segunda grande agência de classificação de risco de retirar do governo brasileiro o selo de bom pagador. Isso configurou plenamente a tal perda do grau de investimento: agora que duas das três grandes agências deixaram de considerar os títulos de dívida do Tesouro Nacional do Brasil um investimento de baixo risco, muitos investidores internacionais (como fundos de pensão, por exemplo), por força de seus regulamentos, estão proibidos de comprar e em certos casos mesmo de continuar a deter esses títulos.
Trata-se de um revés, pois o fato de que menos investidores podem emprestar ao governo brasileiro tende a tornar mais cara a captação de recursos no exterior (não só pelo governo, mas também pelas empresas que operam no Brasil).
Porém, não é um revés tão drástico: até 2007 o Brasil não tinha conquistado o selo de bom pagador, e a economia crescia a despeito disso. A histeria em torno do tema tem a ver com o fato de que para as instituições financeiras a perda do grau de investimento diminui uma fonte importante de lucros: a intermediação da entrada desse tipo de investimento estrangeiro.
E, embora tenha sido um fato novo, a perda do grau de investimento não foi uma surpresa: dados os resultados ruins das contas públicas do Brasil e as advertências que as agências vinham fazendo, ela era amplamente esperada – e por isso não produziu impacto tão grande (em termos de alta do dólar e queda da bolsa de valores).
O segundo fato novo dos últimos dias também não foi inesperado: a saída do ministro Levy já parecia iminente, pois sua nomeação e sua atuação não vinham produzindo os frutos esperados pelo governo: ganho de credibilidade junto aos interesses empresariais e financeiros e alguma pacificação na relação com a oposição, visando facilitar a aprovação pelo Congresso de medidas para ajustar as contas públicas (aumentos de impostos, cortes de gastos).
Para piorar, a escolha de Levy havia agravado dissensões e conflitos dentro da base do governo (seja no parlamento, seja nos movimentos sociais). A troca por Nelson Barbosa pode ajudar a diluir este segundo problema, mas não o primeiro.
O ano de 2016 se inicia, assim, com a confirmação de duas mudanças esperadas – e com a atividade econômica bastante deprimida.
É claro que a trajetória da economia ao longo do ano vai depender, em medida relevante, da evolução do quadro político. A incerteza política tipicamente paralisa decisões empresariais e prejudica a produção e o emprego. Um desfecho da questão do impeachment presidencial talvez reduzisse tal incerteza, ainda que não de uma hora para outra, de forma relevante. Digo “talvez” porque, se do desfecho desse embate não surgir um governo com mais apoio popular, mais coesão e mais força no Congresso, a incerteza poderá persistir bastante grande.
De qualquer forma, o eventual desfecho vai demorar pelo menos alguns meses. Os recessos do Judiciário e do Congresso jogaram as definições sobre o andamento do processo de impedimento para março, ou mesmo depois.
Apesar dessa indefinição, algumas tendências de comportamento da economia brasileira em 2016 já parecem dadas. Como não haverá novo aumento violento de tarifas de energia elétrica; como o dólar muito provavelmente não vai subir na velocidade impressionante com que subiu em 2015 (pressionando muito os preços); e como dificilmente a recessão deixará de se prolongar, a inflação deverá recuar. Mas seguirá salgada: vai ser difícil impedir que ela ultrapasse 6,5%, o limite superior da meta.
Diante dessa perspectiva, o Banco Central já tem dado sinais de que está prestes a retomar os aumentos de juros. É claro que isso vai dificultar a melhora do crédito (que já se mostra bastante travado e caro) e a retomada da atividade. O benefício eventual de juros mais altos – moderar a inflação – é, sobretudo em meio a uma recessão já severa, bastante duvidoso; o custo (em especial para o maior devedor da economia, o setor público) é evidente.
Sob a pressão do desempenho fraquíssimo da arrecadação e da recusa do Congresso em aprovar alguns aumentos de impostos (o caso mais emblemático é a CPMF – muitos parlamentares que no passado votaram a favor da existência desse tributo hoje o renegam), o governo terá de cortar gastos – em especial, investimentos, como já fez em 2015.
A grande renitência do Congresso em aumentar impostos é um fator importante na crise atual. Em episódios passados de ajuste recessivo no Brasil – na grande recessão do início dos anos 80; no governo Collor; no início do segundo mandato de FHC; e no início do primeiro mandato de Lula – o aumento de impostos, que sempre demandou a chancela do Congresso, foi um ingrediente central das medidas de ajuste das contas públicas. Isso elevou a carga tributária (ou seja, a arrecadação de tributos como proporção do PIB) de pouco mais de 20% para perto de 35%, um nível alto para um país de renda média como o Brasil. A resistência a novos aumentos – no empresariado, na mídia, na classe média, no Congresso – é agora bem maior do que jamais foi.
Outro ingrediente presente em ajustes recessivos passados, e até agora ausente no atual, é uma aumento bastante forte das exportações. Em todas as ocasiões anteriores, como agora, a nossa moeda estava bastante desvalorizada, barateando nossos produtos quando cotados em dólar e, portanto, facilitando as vendas ao exterior.
Mas naqueles quatro episódios citados acima a economia brasileira começou a se desgarrar da recessão graças a uma aceleração sensível do mercado internacional – ou seja, da demanda externa -, que viabilizou um salto exportador. Desta feita, porém, a economia mundial continua a crescer pouco, e o comércio internacional, como reflexo do aumento do protecionismo depois da crise financeira de 2008, cresce ainda menos.
Esse é um fator importante para a perspectiva de que a atividade econômica siga muito fraca (aliás, o PIB caiu tanto ao longo de 2015 que para apresentar variação zero em 2016 – hoje uma hipótese bastante otimista – ele teria de crescer razoavelmente ao longo do ano).
Alguns fatores, ainda assim, apontam para a perspectiva de que a atividade não vá repetir o tombo de 2015. O medo de um racionamento de energia elétrica, forte desde 2013, está desaparecendo (a demanda de energia, sob o peso da recessão e da alta brutal das tarifas, desabou; e o aumento das chuvas reforçou a oferta hidroelétrica). O provável recuo da inflação diminuirá a velocidade com que o poder de compra dos trabalhadores é corroído, e pode ajudar a deixar os consumidores um pouco menos pessimistas. Por fim, é possível que em 2016 os cortes de produção para ajustar estoques sejam menos intensos do que foram em
2015.
No entanto, como o mercado de trabalho costuma reagir de forma defasada às oscilações das vendas, a continuidade da recessão, ainda que num ritmo mais brando, não deverá impedir que a deterioração do mercado de trabalho prossiga, e num ritmo similar ao de 2015.
Não se pode deixar de chamar a atenção para um aspecto em que a conjuntura atual contrasta com os outros ajustes recessivos que citamos: naquelas ocasiões, a economia brasileira padecia de grave carência de dólares. Isso não ocorre agora, e é um fator que tende a limitar a profundidade e a duração da crise. Mas não é suficiente para resolvê-la, no plano econômico, e muito menos no plano político. As agruras estão longe de acabar.
Jurandyr O. Negrão é economista.