Correio da Cidadania

O preço do petróleo e o sinal dos tempos

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As oscilações nos preços do petróleo têm impactado a economia. A frequência e a amplitude dos movimentos são maiores nos últimos dez anos do que aquelas observadas historicamente. As interpretações sobre o comportamento dos preços variam de acordo com a formação do analista e da sua capacidade, mas também dos seus interesses.

 

Pretendo evidenciar que com o fim do petróleo barato de se produzir e a incapacidade dos assalariados em pagar por mercadorias relativamente mais caras, o sistema econômico, de natureza concentradora, não funciona. A produção de petróleo mundial tende a cair, e assim a economia e o sistema financeiro também colapsam.

 

A economia pode crescer com o aumento do consumo de energia e com o aumento das dívidas. Estados Unidos, Japão e Europa têm crescido pouco, montados nas dívidas e com a redução do consumo de energia. China e Índia crescem mais, com o aumento do consumo de energia, e também com dívidas, mas em menor proporção.

 

A intensidade energética tende a reduzir com o aumento da taxa de endividamento para cada unidade monetária adicionada ao PIB. O crescimento das diferentes regiões do planeta depende da divisão internacional do trabalho, dos consumos relativos de energia e do crescimento ponderado das dívidas.

 

Preço baixo ou alto, para quem?

 

Enquanto escrevo, o preço varia em torno de 35 dólares por barril do petróleo do tipo Brent. Se comparado com os preços acima dos 100 dólares, do período de janeiro de 2011 a agosto de 2014, parece baixo. Já se comparado ao período de 1900 a 2000, em dólares corrigidos pela inflação, o preço de 35 dólares parece razoável. De 1900 a 1973, o preço oscilou em torno dos 20 dólares. Depois dos choques do petróleo, de 1985 até 2000, os preços oscilaram entre 20 e 40 dólares (preços corrigidos para 2014).

 

Para avaliar se os preços estão altos ou baixos é necessário entender que os impactos são desiguais para os diferentes agentes econômicos. Podem estar baixos para a indústria do petróleo, mas altos para os consumidores assalariados. Esta é a hipótese que considero a mais provável quando observo que a economia mundial segue estagnada, ou em recessão, apesar da forte queda dos preços há 18 meses.

 

Enquanto isso, a indústria se endivida a níveis sem precedentes para arcar com os elevados custos de exploração e produção. O fim do petróleo barato de se produzir é o responsável por este fato novo, o preço que não funciona para produtores e consumidores. Ou atende aos primeiros, ou serve aos últimos, ou pior, está ruim para os dois.

 

Dólares por petróleo, até quando?

 

A hegemonia do dólar no comércio internacional do petróleo é uma construção histórica, de caráter geopolítico, fruto do poder econômico e militar dos Estados Unidos. Ao final da 2ª Guerra, se estabeleceram as regras para o comércio mundial em favor das potências ocidentais vencedoras. Foram criados o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e se estabeleceu o dólar, lastreado em ouro, como moeda de referência ao comércio.

 

Em 1971, o presidente Nixon reconhece que a quantidade de dólares em circulação não corresponde às reservas em ouro e declara, unilateralmente, o fim do padrão monetário. Em 1973, os EUA e a Arábia Saudita estabelecem o fundamento do novo padrão, o sistema dos petrodólares. Em troca de armas, apoio militar e diplomático, a ditadura teocrática de Riad se compromete a exportar o petróleo em troca exclusivamente de dólares. O modelo é seguido por outros exportadores e garante a procura internacional por dólares. Os EUA garantem vantagem geopolítica ao controlar a liquidez da moeda que é necessária para todos os importadores que precisam comprar petróleo. Enquanto acessam o petróleo com moeda própria, impressa livremente e sem nenhum lastro.

 

O preço do petróleo, de outras mercadorias e moedas varia de acordo com a quantidade de dólares em circulação no mundo. Quem determina a liquidez internacional de dólares é o banco central norte-americano, que é um cartel de bancos privados. A desvalorização do real e do petróleo, em relação ao dólar, reflete a redução da quantidade de dólares em circulação. É resultado do fim dos ciclos de facilidade monetária, com a injeção de cerca de 80 trilhões de dólares nos bancos “grandes demais para falir”, e da elevação da taxa básica de juros nos EUA.

 

O sistema dos petrodólares é resultado do poder norte-americano, mas também o reforça. Para sustentar a relação desigual com os demais países os EUA recorrem das sanções econômicas ao poder das armas. O balanço atual entre as potências mundiais é muito diferente daquele do final da 2ª Guerra ou da década de 1970. O sistema dos petrodólares está ameaçado pela Rússia, China e outros emergentes. A instabilidade nos preços reflete também as tensões geopolíticas.

 

Quando o preço não funciona, mais dívidas, para sempre?

 

O endividamento pode ser uma solução temporária tanto para consumidores quanto para os produtores, enquanto os preços oscilam e prejudicam mais a uns ou aos outros.

 

A partir de 1999 até 2013, os custos médios de exploração e produção da indústria internacional se elevaram em 10,9% ao ano. Para fazer frente à elevação dos custos, a indústria recorreu ao endividamento.

 

Para arcar com o pagamento dos juros, e amortizar o principal, a indústria depende do fluxo de caixa que é função do crescimento da produção e dos preços. A produção agregada das maiores companhias, com ações negociadas em bolsa, é decadente desde 2006. Os investimentos necessários para compensar a produção declinante dos campos maduros não resultam em aumento da produção e do fluxo de caixa.

 

Os consumidores assalariados sofrem a variação dos preços do petróleo em todas as mercadorias, desde os alimentos aos remédios. O endividamento pode ser uma solução para lidar com o aumento dos custos. Mas é viável apenas enquanto compensado pela elevação salarial para lidar com os juros e amortizações. Quando a economia não cresce e o desemprego aumenta é mais difícil assegurar ganhos salariais reais, e o endividamento encontra limites.


Crescimento e tecnologias, soluções eternas?

 

O crescimento poderia ser uma solução para a indústria garantir seu fluxo de caixa, e sustentar suas dívidas, mesmo com margens menores. O consumo poderia ser relançado com os preços baixos. Mas não parece que isso esteja ocorrendo, os EUA, a Europa e o Japão consomem cada vez menos petróleo, desde 2005. A China e outros emergentes desaceleram. Os preços podem não estar baixos o suficiente para os consumidores.

 

O avanço tecnológico seria outra saída para diminuir os custos de investimento e operação, e viabilizar margens suficientes mesmo com os preços deprimidos. Os ganhos de eficiência obtidos pela inteligência humana são inegáveis. No entanto, nós apenas transformamos recursos naturais em mercadorias úteis, disso se trata a tecnologia. Quando os recursos são escassos, ou de pior qualidade, temos uma restrição externa que limita o quanto custam as mercadorias que somos capazes de produzir.

 

Custos de produção altos e preços baixos são sinais da transição?


A economia mundial se organizou complexa e globalmente sobre um recurso natural finito e de qualidades singulares, o petróleo. O fim do petróleo que é barato de se produzir pode trazer mudanças estruturais relevantes.

 

A indústria precisa ter margens para arcar com os custos de extração, investir em novos poços nos campos em operação, desenvolver novos campos, pagar os custos fixos, os impostos, os dividendos e os juros. Além de descobrir novos campos para compensar o declínio dos maduros, e fazer pesquisa e desenvolvimento tecnológicos. Se os preços estão baixos para a indústria, os investimentos são paralisados e a produção futura é comprometida.

 

A economia, quando organizada de forma a concentrar cada vez mais a riqueza, limita a capacidade dos assalariados em consumir mercadorias caras de se produzir. O preço do petróleo influencia os preços de todas as mercadorias, e pode não estar baixo o suficiente para viabilizar o consumo de assalariados empobrecidos e endividados. Se os preços estão altos para os consumidores, a economia não cresce, não há investimento e o desemprego aumenta.

 

Estamos diante de problemas sistêmicos e globais, mas sentimos seus reflexos localmente. As consequências podem ser agravadas, ou mitigadas, por conta de decisões políticas tomadas em nível nacional. É necessário garantir a propriedade do petróleo brasileiro e ficar com seu valor de uso. Agregar valor ao petróleo, na produção de derivados, petroquímicos e fertilizantes. Distribuir a riqueza, atender as necessidades dos brasileiros e erguer a infraestrutura para a produção das energias renováveis.

 

Leia também:

Balanço Crítico da Petrobrás

 

 

Felipe Coutinho é presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET).

http://www.aepet.org.br/

https://felipecoutinho21.wordpress.com/

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