A História acelera seus passos, mas quem dá a direção?
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- Felipe Coutinho
- 30/03/2016
O Brasil vive dias turbulentos e faz parte de um mundo controlado pelo capital financeiro e em crise. São crises na ordem econômica, ambiental, humanitária, diplomática, além da barbárie das guerras. Povos são divididos pelo acirramento das diferenças religiosas, étnicas, culturais, da língua que se fala e da origem imigrante ou regional. Não percebem que são manipulados, jogados uns contra os outros, enquanto se disputa a nova partilha do poder político para atender a interesses econômicos particulares.
Quando as taxas de lucro médias diminuem, se a economia não cresce, enquanto as dívidas se acumulam, os recursos naturais ficam escassos e caros de se obter e novos assalariados baratos não são incorporados em número suficiente. É nesta conjuntura que a conciliação entre interesses contraditórios fica mais difícil. Nestes momentos já não é possível conciliar salários em crescimento, pleno emprego e direitos sociais com a concentração dos capitais.
Frações capitalistas, empreiteiros cartelizados, banqueiros oligopolistas e concessionários dos meios de comunicação e outros serviços públicos disputam o Estado para obter maiores vantagens relativas. A balança entre a influência dos capitais de origem estrangeira e nacional no aparato de Estado se ajusta. A participação direta do Estado no capitalismo produtivo e financeiro muda a serviço de quem dá a nova direção.
A corrupção, em seus aspectos legais e ilegais, é o resultado da busca pelo maior lucro possível na disputa entre empresários ou banqueiros. Não é a principal causa dos males daqueles que vivem do trabalho honesto e do salário, é o resultado sistêmico da organização econômica, na qual muitos trabalham e poucos, cada vez menos, acumulam. Periodicamente, a corrupção é descoberta, alguns agentes são punidos, políticos expurgados ou presos. São apenas os fusíveis que quando queimados preservam o funcionamento do sistema. Os meios e as motivações para promover a corrupção ficam intocados. A propriedade das empresas corruptoras e dos bancos que lavam mais branco são preservadas. A concentração do capital, a busca pelo lucro máximo e a tendência à formação de cartéis segue seu rumo.
Os assalariados, os trabalhadores autônomos e os pequenos empresários estão assistindo à reedição do espetáculo do combate à corrupção no Brasil. Muitos são manipulados para uma espécie de catarse coletiva e falsa moralista, ou para se solidarizar à vitimização de lideranças políticas. Os verdadeiros interesses da maioria da população ficam nublados diante da falsa polarização, na miséria da política brasileira.
Cínicos declaram “nunca houve tanta corrupção”, hipócritas retrucam “nunca a corrupção foi tão combatida”. Aparatos jurídico-policiais e midiáticos cometem excessos, desde prisões preventivas até a delação, investigação e vazamento seletivos, violação da comunicação entre investigados e seus advogados, além dos prováveis grampos ilegais. Governa-se com a política econômica, antes condenada, do adversário derrotado.
A direção do espetáculo está sob controle do capital internacional. Na agenda política a entrega do pré-sal às multinacionais, a privatização das estatais, a menor participação do Estado no setor financeiro, a contrarreforma da previdência, a abertura das licitações públicas às multinacionais da construção civil, a prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, o fim da valorização real do salário mínimo, a desindustrialização, o fim dos programas nuclear e espacial brasileiros, os acordos de livre comércio com EUA e Europa, além do afastamento do Brasil em relação aos BRICS e à América Latina.
Ainda na agenda, a legalização da terceirização nas atividades fins das empresas, a lei “antiterrorismo” para repressão aos movimentos sociais e a independência formal do Banco Central em relação aos governos eleitos, para legalizar sua subordinação aos banqueiros privados. Esta agenda pode ser imposta à atual presidenta, ou ser adotada por outro que se estabeleça, caso a maioria da população permaneça alienada em relação ao que está realmente em jogo.
Democracia é um conceito abstrato, mas simpático à maioria das pessoas. Nela cabe quase tudo, desde eleições periódicas na qual escolhemos entre os pré-selecionados dos banqueiros, até a participação direta na definição do orçamento público. A democracia real requer justiça econômica, e só será possível quando a democracia alcançar os locais de trabalho, os bairros, as escolas, os orçamentos públicos, os meios de comunicação, os processos legislativo e judicial. Democracia real é democracia cotidiana, desde a hora que acordamos até quando dormimos.
Neste momento, de tanta desilusão e ameaças de retrocessos, alguém pode me criticar por estar “deslocado da realidade”. Respondo que a ilusão é acreditar que a conciliação dos interesses dos banqueiros internacionais, dos empreiteiros cartelizados e dos assalariados pode ser duradoura. Para se construir uma sociedade harmônica e digna é preciso eliminar as causas sistêmicas da corrupção e aumentar a participação popular para qualificar a democracia.
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Felipe Coutinho é presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET).
Websites: http://www.aepet.org.br/
Comentários
Estou profundamente decepcionado não só com o PT, que na minha opinião já cumpriu sua função histórica, mas com alguns setores da esquerda que vivem no mundo da fantasia, preferindo achar que a revolução comunista está ali na esquina ou que é mais importante um programa rígido do que a flexibilidade de composição conjuntural.
Um abraço!
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