Madeira: o leilão do que não tem preço
- Detalhes
- Luis Fernando Novoa
- 13/12/2007
Depois da pancadaria na ANEEL, terreno por excelência do público privatizado, o leilão se deu em 7 minutos. Tendo Furnas como anteparo, possuidora das informações e do "capital social", e a Odebrecht e Andrade Gutierrez como alavancas, em permanente simbiose com o Estado, o capital internacional é que no médio prazo se apossa do projeto, envolvendo grandes fornecedoras Alston e Siemens e o Banif e o Santander como antenas dos mercados financeiros internacionais.
O valor da energia que será comercializada no mercado cativo: R$ 78,87. Um valor cabeça e rabo, capicua, palíndro em forma numérica. A jogada decisiva no dominó. O segredo do enigma de um deságio tão grande, para além da composição “interna” de preços entre o consórcio/oligopólio formado, está na livre negociação dos 30% da energia de Santo Antonio destinados aos consumidores livres como a Vale, entre outros grupos econômicos.
Outra explicação seria o sinal verde dado ao Consórcio vencedor para antecipar a operação da usina antes de dezembro de 2012, isso se o Governo e demais autoridades continuarem a “facilitar os investimentos”. As 33 condicionantes requeridas para se obter a licença de instalação, que antecede a licença de operação, pelo visto, e pelo que foi ofertado, também foram leiloadas.
Fica demonstrado com esse leilão, como faz questão de dizer Flávio Neiva da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica, que a parceria entre os setores público e privado é plenamente viável. Claro, desde que o erário, as populações locais e o meio ambiente paguem a conta. Desde que o Estado entre com facilidades regulatórias, logísticas e financeiras e que depois os conglomerados privados não se esqueçam disso antes das eleições. Esse leilão de fato mostra como se viabiliza uma PPP (parceria público-privada): adestre as estatais do setor elétrico, encaixote o IBAMA e o MMA, terceirize o BNDES e os investimentos e os agradecimentos não faltarão.
O mesmo Flávio Neiva disse ainda que o certame é uma prova da viabilidade dos empreendimentos hidrelétricos e da exploração do potencial amazônico. "Hoje temos tecnologias capazes de construir projetos adequados à região". Mas como sabem que são projetos adequados sem estudos igualmente adequados, sem que haja outro empreendimento similar no planeta? Nunca se testou antes usinas com dezenas de turbinas bulbo em um rio em formação, com baixas quedas, caudaloso, com enorme vazão hídrica e de sedimentos. O Madeira é um cobaia que o governo federal está oferecendo em sacrifício aos mercados, em nome da "aceleração do crescimento".
O licenciamento do Complexo Madeira é a permissão para um experimento frankensteiniano para que se produzam criaturas similares em série na Amazônia. São os votos de Maurício Tolmasquim com esse leilão: "que ele abra as portas para que outras usinas sejam aprovadas de forma rápida". Arrombada a porta da Amazônia, que passe rápido a boiada, o agronegócio, o setor eletrointensivo, as estradas e as hidroelétricas. Fronteiras agrícola e mineral puxadas pela fronteira elétrica. Terra, subsolo, água, energia e aparatos (des)regulatórios para multiplicar plataformas de exportação.
A nação não passa de um pretexto descartável. Mario Menel, presidente da Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica), ao ser inquirido sobre como a Usina de Santo Antonio ajudaria a indústria “nacional”, respondeu: “nós lidamos basicamente com produtos de exportação tais como minério de ferro, como aço, com commodities internacionais. E para isso a energia elétrica tem que ser competitiva, tem que ser barata, porque se não for assim nós perdemos o nosso grau de competição no mercado internacional, tendo em vista que nós exportamos a maioria dos nossos produtos”.
Menel fala em nome dos 9 associados da ABIAPE, que representam juntos 30% do PIB industrial do país: Votorantim Energia, Companhia Vale do Rio Doce, Alcoa Alumínio, Valesul Alumínio, Belgo – Arcelor Brasil, Companhia Siderúrgica Nacional, Camargo Corrêa Energia, Samarco Mineração, Gerdau Açominas. Para eles , hidroelétricas como a de Santo Antônio significam subsídio para aumentar a escala de suas exportações. Energia para produzir e escoar matérias-primas e semi-manufaturados que tornam mais “eficientes” as cadeias de suprimentos das transnacionais.
Menel nos faz o favor de ser explícito: “uma usina desse porte, que é hídrica, ela representa uma oportunidade para que esses grupos, nesse momento, fixem os seus custos de produção, porque como investidores nós não estaremos sujeitos às variações de tarifas ao longo do tempo. Se for obtida uma concessão e nós conseguirmos nos incorporar num consórcio vencedor nós teremos a nossa energia fixada ao longo do tempo. Trataria então de um custo significativo e sob o nosso inteiro controle. Essa é a importância dessa usina para nós”.
Com as usinas, querem fazer do Madeira uma plataforma de extração e exportação de energia, um território remodelado e suspenso no ar. “Energia barata” composta com danos incalculáveis e irreversíveis para os povos da Amazônia e para o ambiente global. “Energia limpa” para a produção suja e perdulária das transnacionais. Conversão brutal e em grande escala de vida em mercadoria. Populações tradicionais, população trabalhadora das periferias, pequenos camponeses, sem terra, lutadores da cidade, das barrancas, das matas e do campo, em Rondônia e em toda Amazônia, precisam de uma frente comum de luta, articulada nacional e continentalmente. As mobilizações protagonizadas pela Via Campesina e organizações locais em Brasília, Porto Velho e Sobradinho nesse dia 10 de dezembro demarcam esse território comum de resistência.
Luis Fernando Novoa é professor da Universidade Federal de Rondônia, membro da Rede Brasil e da REBRIP
Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.{moscomment}