Correio da Cidadania

PIB: um indicador anacrônico

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Durante a Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, 170 governos assinaram a Agenda 21, concordando em corrigir erros na definição do Produto Nacional Bruto (PNB) e da sua respectiva versão doméstica, o PIB. Desde então, as instituições de estatística vêm trabalhando para se adequar à possível mudança.

 

Movimentos engajados na luta por justiça social, direitos humanos e proteção do ambiente têm pressionado políticos, empresários e banqueiros relutantes, assim como economistas e estatísticos, para que levem em conta a necessidade de correção. Mas muito investimento, financeiro e intelectual, concentrado nesse sistema onipresente de indicadores, para o qual crescimento econômico é sinônimo de "progresso".

 

Quais são as limitações do PIB/PNB e por que grupos de tantas origens e atividades diferentes exigem correções? Por que o sistema PIB/PNB perturba tanto as agendas que buscam ampliar o direito à saúde, educação, meio-ambiente, direitos humanos, justiça social e paz?

 

Vamos, primeiro, fazer uma retrospectiva. O economista Simon Kuznets, que desenvolveu o PIB/PNB, nunca os imaginou como indicadores gerais do progresso de um país: "A riqueza de uma nação dificilmente pode (...) ser aferida pela medida da renda nacional", disse ele em 1932, durante testemunho perante o Congresso dos EUA. O uso destes indicadores, cuja base essencial é o dinheiro, difundiu-se durante a II Guerra Mundial. Era uma forma de mensurar a produção voltada para o conflito: tanques, aviões, automóveis e todos os outros bens e serviços comercializados com base na economia monetária de uma nação.

 

Desde então, na maioria das economias industriais, o setor de serviços cresceu mais que o de bens. Por isso, os estatísticos estão constantemente revisando os componentes do PIB, em função da evolução das sociedades e das tecnologias. No entanto, estas correções chocam-se contra uma barreira. Como o PIB inclui apenas a produção medida em dinheiro, os indicadores nacionais ignoram muitos dos custos sociais e ambientais do processo produtivo – assim como fazem as corporações. Os manuais de economia referem-se a tais custos, impostos à sociedade e às gerações futuras, como externalidades. Significa que poderiam ser omitidas ou deixadas de lado nos balanços de uma companhia e, conseqüentemente, também no PIB.

 

Nos anos 60, grupos de ativistas começaram a se dar conta dos efeitos perversos causados pela obsessão empresarial pelo lucro. Eles perceberam que as metas do PIB também ignoravam aspectos mais amplos do progresso nacional e até estimulavam, sutilmente, o mau comportamento. Por exemplo: bens ambientais como florestas e estoques de peixes oceânicos não são levados em conta no PIB. Portanto, um país pode cortar toda a sua floresta e registrar o valor da venda da madeira como ganho no PIB, sem que nenhuma perda seja computada, em nenhum lugar.

 

Ao longo da última década, algumas companhias começaram a prestar contas dos custos sociais e ambientais de sua produção. Eles foram internalizados nos balanços, na forma de relatórios baseados no princípio triple bottom line [1], hoje adotado por mais de 600 corporações globais. No entanto, não foram feitas as correções correspondentes no PIB. De acordo com manuais de economia, o PIB ainda estabelece como nulo o valor de bens ecológicos vitais, como ar limpo, água e biodiversidade; ou o de seres humanos saudáveis; ou o do trabalho não-remunerado (educação das crianças, manutenção do lar, cuidados com doentes e idosos, serviço voluntário etc). Tais valores devem corresponder a cerca de 50% de toda a produção, mesmo em sociedades industrializadas.

 

Desde a Cúpula da Terra, grupos da sociedade civil vêm pressionando seus governantes, acadêmicos e estatísticos a criar indicadores mais abrangentes de progresso e qualidade de vida. Muitas cidades do mundo todo — de Jacksonville e Seattle, nos EUA, a São Paulo [2] e Xangai, — têm hoje seus próprios índices de qualidade de vida, que levam em conta muitos outros indicadores, além do dinheiro e da economia. Por exemplo, dados de saúde pública, ambiente, desigualdades e direitos humanos.

 

Ainda assim, a mídia dominante continua submissa ao PIB, alheia a todas as suas deficiências. Muitos desses novos e mais abrangentes indicadores de qualidade de vida podem ser encontrados em websites. Medem aspectos como os rastros (anti-)ecológicos de sociedades consumistas, a emissão de carbono proveniente de atividades que demandam muita energia, os abismos sociais, os mapas dos bolsões de riqueza e pobreza, a porcentagem de cidadãos encarcerados nos vários países.

 

Os economistas, os estatísticos, suas agências e seus aliados acadêmicos continuam fazendo esforços para reunir e compilar dados sobre danos ambientais e custos sociais. Mas ao invés de subtrair esses custos do PIB, eles os mantêm como "contas-satélites". A mídia e o público acabam julgando que tais levantamentos são de pequena importância. Eles são igualmente ignorados pelos ministérios ligados ao mundo empresarial e às finanças, que zelam pelo crescimento do PIB. Os ministérios mais fracos, normalmente relacionados à educação, saúde, bem-estar, aos direitos humanos e ao meio ambiente, costumam prestar atenção a essas contas, mas não são páreo para as finanças, os bancos centrais e, muito menos, para as corporações poderosas – todos interessados em manter um PIB no qual os custos sociais e ambientais são externalizados.

 

Hoje, estes custos são visíveis e crescentes: aquecimento global, desertificação, incêndios, enchentes, secas e destruição ambiental. Por isso, as críticas ao PIB alcançaram escala mundial. Surgem disputas entre entre políticos e grupos de interesse que se beneficiam da visão de "progresso" expressa pelo PIB e o resto da sociedade, obrigada a tolerar os custos e os riscos inerentes a esse padrão de crescimento. O "PIB verde" da China, [3] introduzido em 2004, é constantemente confrontado pelos líderes do mercado local, que se beneficiam da fórmula de crescimento embutida no PIB tradicional -– mesmo quando os cidadãos chineses têm de suportar a poluição e as perdas de suas terras para investidores. O indicador de Felicidade Nacional Bruta do Butão inspirou estudos, mundo afora, sobre como as sociedades podem medir e promover a felicidade.

 

Até mesmo economistas uniram-se à crítica ao PIB, como é o caso de Joseph Stiglitz e do psicólogo Daniel Kahnmann (ambos ganhadores do Prêmio do Banco da Suécia, muitas vezes confundido com o Prêmio Nobel). Num esforço paralelo, muitos pedem que se contabilize, numa conta anexa ao PIB, o valor real dos investimentos em infra-estrutura (rodovias, aeroportos, universidades, hospitais). Seria um contraponto ao aumento das dívidas públicas: uma vez que esses patrimônios são ignorados no PIB, a dívida do país acaba sendo superestimada, resultando num aumento da taxa de juros dos títulos emitidos pelo Estado. Da mesma forma, o PIB trata a educação como um custo, ao invés de um investimento que a sociedade faz para desenvolver cidadãos bem formados e produtivos.

 

Se você agora acha que o PIB/PNB é uma loucura, tem toda razão. A maré, no entanto, está mudando. O Parlamento Europeu promoveu a conferência "Beyond GDP" nos dias 19 e 20 de novembro, em Bruxelas. Talvez as 27 nações da União Européia sejam as primeiras a avançar além do modelo de crescimento do PIB e incorporem todas as estatísticas disponíveis sobre saúde, educação, desigualdade e direitos humanos, que foram abandonadas nas "contas-satélites". Esse novo PIB pode vir a integrar todos os fatores envolvidos em nossa qualidade de vida. Agora sabemos que, quando fechamos intencionalmente os olhos a todas essas externalidades, estamos criando verdadeiras bombas-relógio de risco.

 

[1] Triple bottom line é um dos conceitos associados à responsabilidade social das empresas. Refere-se a People (Sociedade), Planet (Ambiente) e Profit (Lucros). Estes seriam os três objetivos das empresas — que não mais deveriam se limitar à busca de lucros. Para mais informações, consultar a Wikipedia, em português ou inglês (verbete mais completo)

 

[2] A criação de indicadores alternativos de qualidade de vida é uma das preocupações centrais do movimento Nossa São Paulo, Outra Cidade, que começou a ser construído no final de 2006. Já há esboços de indicadores mais amplos, como se pode ver aqui. Ler, também, "Saudável heresia em São Paulo, Le Monde Diplomatique Brasil, 18/8/2007

 

[3] O "PIB verde" chinês foi calculado em 2005 e 2006. Ao anunciar a adoção do indicador, em 2004, o primeiro-ministro Wen Jiabao chegou a afirmar que ele substituiria gradativamente o PIB tradicional. A novidade consistia em monetizar, de modo estimativo, os custos representados por fatores como emissão de CO2 e destruição de ecossistemas. Estes valores eram subtraídos do PIB total. Os resultados foram reveladores: as taxas de crescimento chinesas, em torno de 10% ao ano há mais de duas décadas, caíam a pouco mais de zero, quando descontadas as perdas ambientais. Houve forte reação de autoridades e executivos e o cálculo do "PIB Verde" foi interrompido em 2007. Ver (em inglês) explicação mais detalhada sobre a metodologia.

 

 

Tradução: Beatriz Jordão

 

Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.

 

 

Hazel Henderson é animadora da rede mundial Ethical Markets, integrada no Brasil por Mercado Ético.

 

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Comentários   

0 #2 AGUAPÉ é a SOLUÇÃO ! ! ! ! ! ! !Missao Tanizaki 26-03-2009 13:33
PIB verde pode se tornar uma realidade, mas para isso é preciso ENXERGAR MELHOR, pois há muitos Recursos Simples e Barato que estão sendo deixado de lado ou em segundo plano.

A HUMANIDADE sempre explorou a natureza em BUSCA de LUCROS á QUALQUER CUSTO, sem medir as conseqüências, e com isso tudo está se esgotando, gerando-se a LASTIMÁVEL SITUAÇÃO em que se encontra o PLANETA TERRA.

A Sociedade Brasileira, em especial os nossos Pesquisadores, como os Governantes e Parlamentares, precisam aprender a valorizar os trabalhos que geram TECNOLOGIAS BARATAS & SUSTENTÁVEIS que utilizam RECURSOS que a Natureza Produz, capaz de simultaneamente contribuir, de forma expressiva, para REVERTER a LASTIMÁVEL SITUAÇÃO em que se encontra o PLANETA TERRA.

Para REVERTER a LASTIMÁVEL SITUAÇÃO em que se encontra o PLANETA TERRA o AGUAPÉ é a SOLUÇÃO ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

Implementando muitos milhares de Pequenas Barragens por todo o Brasil / Mundo podemos instalar muitas Hidrelétricas para Produção de Energia Elétrica e garantir Grandes Reservas de Água de que a HUMANIDADE tanto necessita. Simultaneamente podemos Implementar Produção da AGUAPÉ , em Grande Escala, que servirá para DESPOLUIR as ÁGUAS e produzir BIOMASSA, em Grande Escala, que poderá ser utilizada para SUBSTITUIR grande parte do PETRÓLEO & DERIVADOS, assim como servirá para recuperar muitas Áreas Degradadas devida a sua má utilização.

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MISSAO TANIZAKI
Fiscal Federal Agropecuário
Bacharel em Química
(ESTÁ PARA MUDAR)
Esplanada dos Ministérios, Bloco “D”, Sala 346-B, Brasíla/DF

TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR
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0 #1 Erick Railson 29-01-2008 21:19
Como diz o Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, assim como o poder de caga de um ponte não se mede pela força de seu pilar mais forte, nem pela média da soma de todos os pilares, mas através da força de seu pilar mais fraco, assim se mede a qualidade de uma sociedade. Ela não se mede pela taxa do PIB. Nem se mede pela renda per capita (está aí a concentração de renda para provar o contrário),mas ela semede pela qualidade de vida dos seus membros mais fracos...
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