Correio da Cidadania

Espantar o mau agouro

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Ao contrário do governo, não temos boas expectativas sobre o futuro econômico do país.

Crescimento emperrado

Se é para levar a sério que o Brasil precisa crescer, a primeira coisa para se ter em mente é que qualquer economia capitalista conta com quatro motores para seu crescimento: exportações, investimento produtivo privado, consumo das famílias e gasto do governo*. Estes elementos compõem a "demanda efetiva" de uma economia, e sem demanda não há produção.

O motor externo está longe de ser o principal motor da economia brasileira, correspondendo a cerca de 10% do PIB, posto que a cadeia produtiva das exportações brasileiras é baseada sobretudo em "commodities" (minérios e produtos agropecuários), que geram poucos empregos e apresentam valor agregado relativamente baixo.

Já o cenário internacional para aumento do preço das commodities e para um aumento significativo da demanda por bens e serviços não é promissor. Os planos atuais de consolidar o Brasil como latifúndio não serão capazes de nos trazer uma alternativa real de desenvolvimento. O agro não é tudo, o agro não é pop.

Além disso, a política macroeconômica que vem sendo aplicada desde janeiro de 2015 nos atolou em uma recessão da qual teremos franca dificuldade de sair (1). A armadilha consistiu no seguinte:

1) O principal objetivo era salvar os ricos da crise. Salvar os grandes bancos, as empresas e as pessoas com grande poder financeiro. Para isso, aumentou-se a taxa básica de juros, que é referência para a remuneração dos títulos da dívida pública. Para se ter uma ideia, a dívida pública hoje está rendendo juros de 6% ao ano acima da inflação e no acumulado dos últimos 12 meses já pagou mais de R$ 437 bilhões em juros (2), o que equivale a todo o gasto com previdência e a mais de quatro vezes o gasto do governo federal com saúde.

2) O aumento da taxa básica de juros encareceu o crédito para consumo e investimento (3).

3) O aumento da taxa básica de juros levou a uma brusca redução dos gastos públicos não-financeiros (saúde, educação, infraestrutura etc.), justamente para tornar viável pagar tais juros. Vale dizer que se somaram:

a) considerável perda de arrecadação em decorrência da desaceleração econômica verificada em 2014 e da marcha à ré na economia no biênio 2015-2016;

b) enorme perda de arrecadação devido a desonerações, renúncias e isenções fiscais;

c) o impacto da Operação Lava-Jato sobre a Petrobrás, que representa 85% do investimento das estatais brasileiras, caindo de R$ 113 bilhões em 2013 para R$ 56,5 bilhões em 2016 (4).

4) O encarecimento do crédito e a redução dos gastos não-financeiros do governo levaram a uma explosão da taxa de desemprego e ao rebaixamento salarial, o que, por sua vez, compromete severamente a capacidade de consumo das famílias.

5) O encarecimento do crédito, o comprometimento da capacidade de consumo das famílias e a alta recompensa nos títulos públicos deterioraram as expectativas de investimento privado na produção.

Para piorar, a agenda econômica do governo Temer consiste em:

a) congelamento dos gastos públicos por 10 anos prorrogáveis por mais 10 anos, o que já foi aprovado sob a forma da Emenda Constitucional 95 e significa que o governo não vai contribuir em nada para o crescimento econômico pelo menos pelos próximos 10 anos e a remuneração dos títulos da dívida pública estará garantida nesse mesmo período (5).

b) Reforma da Previdência, que com o estabelecimento de tempo de contribuição mínima de 25 anos vai retirar, sobretudo, os benefícios da parcela da população mais pobre, isto é, com maior propensão a consumir. A reforma da previdência também garante que vai sobrar mais dinheiro no orçamento da seguridade social para pagar juros (6).

c) Reforma Trabalhista, que reforça a tendência ao rebaixamento salarial, não resolve o problema do desemprego e compromete ainda mais o consumo das famílias (7).

Se o pagamento dos juros está garantido, nada indica que eles serão baixados para níveis civilizados (isto é, próximos à inflação) e que haverá muito maior disponibilidade interna de crédito.

Se não há disponibilidade de crédito, se não há gasto público e se não há boa expectativa de consumo das famílias, deteriora-se o mercado interno e não há grandes expectativas de investimento privado na produção.

Logo, qualquer perspectiva de crescimento virá justamente de uma variável que não controlamos politicamente, que são as exportações, e qualquer crescimento decorrente disso, após as "reformas", virá necessariamente acompanhado de maior nível de concentração de riqueza.

É assim que o governo precisa erguer espantalhos argumentativos para dizer que "saímos da crise", valendo-se de um simples efeito estatístico no indicador de atividade econômica (8) e vendo mil maravilhas no crescimento casual das exportações agrícolas (9).

Crescimento x Redistribuição

Mas nem tudo está perdido. Chegamos em um ponto em que qualquer pessoa que diga que existe uma contradição entre crescimento econômico e distribuição de riqueza se expõe ao ridículo. Para que fique claro: O BRASIL PRECISA DISTRIBUIR RIQUEZA PARA CRESCER. O Brasil precisa fortalecer seu mercado interno. As opções são políticas, não "técnicas". Para isso, precisamos:

1) Aumentar o gasto do governo para garantir direitos sociais e emprego. Não faltam alternativas para tornar isso viável, inclusive sem gerar déficit, revendo-se isenções, renúncias e desonerações fiscais que foram dadas sem contrapartida em termos de geração de emprego formal, combatendo-se a sonegação fiscal e melhorando o processo de cobrança das dívidas que grandes empresas têm com os cofres públicos.

Lembrando que temos mais de R$ 1 trilhão "à disposição" na Conta Única do Tesouro, que está lá unicamente para dar "confiança" aos credores da dívida pública (10).

De todo caso, se o crescimento da dívida pública é mesmo um "problema", primeiramente temos que auditá-la para que todo o povo brasileiro saiba, afinal, que dívida é essa e que problema é esse.

Para aumentar o gasto público, resta dizer, é urgente revogar a EC 95, que congela os gastos públicos por até 20 anos;

2) redistribuir a carga tributária, diminuindo os impostos sobre o consumo e aumentando, na mesma proporção, os impostos sobre altas rendas, lucros e dividendos, grandes fortunas, heranças etc;

3) acelerar a redução da taxa básica de juros para o nível da inflação projetada, o que rompe com a acumulação rentista, barateia o crédito interno e estimula o investimento privado que, com as medidas elencadas acima, terá boas expectativas de fortalecimento do mercado interno. Não existe nenhuma justificativa "técnica" razoável para termos uma das maiores taxas de juros do mundo e baixar o nível do juro real traz verdadeiro alento para as contas públicas (11).

O aumento do investimento privado gera mais empregos e melhores condições de negociação salarial.

Para permitir uma recuperação definitiva do consumo das famílias, resta dizer, é preciso barrar integralmente a destruição da previdência e a demolição dos direitos trabalhistas em curso;

4) implementar uma política acelerada de substituição de importações, ou seja, produzir aqui o que compramos de fora, o que pode ser induzido a partir do bom uso do BNDES e demais bancos públicos (12), além do simples aumento do investimento público.

Esta política de substituição de importações seria vantajosa, inclusive, para estimular as exportações de produtos de maior valor agregado. Para isso, baixar os juros seria fundamental, pois desvalorizaria o câmbio, mantido artificialmente elevado (13), dando maior competitividade no mercado externo aos produtos industrializados de origem nacional.

Uma política de substituição de importações também ajudaria a extirpar uma das raízes da inflação brasileira, que é o repasse do custo cambial sobre as importações. Além disso, nossa inflação é historicamente de custo, isto é, responde às variações nos preços administrados (gasolina, energia elétrica etc.), nos preços dos alimentos e tem forte relação com a indexação de contratos, de modo que seria muito mais eficaz combatê-la, no médio a longo prazo, com medidas que ataquem diretamente as suas causas (14);

5) coletivizar e nacionalizar os setores-chave da economia para uma estratégia real de desenvolvimento, preocupando-se desde já com uma redução dos impactos ambientais causados pela atividades econômica, pois somente o interesse público pode ter essa preocupação acima do lucro. Esses setores foram simplesmente destruídos ou amplamente privatizados ao longo da década de 1990. Esse processo de privatização se deu de modo notoriamente corrupto, de modo que defendemos também uma auditoria do processo de privatizações.

Essas medidas, aplicadas em conjunto, produziriam imediatamente redistribuição da riqueza e, por essa mesma razão, trariam crescimento econômico. Este crescimento, por sua vez, geraria ainda mais empregos, mais renda e distribuição mais justa da riqueza socialmente produzida. Estas são as linhas gerais de uma Política Econômica da Maioria.

Seria um primeiro passo firme rumo à justiça social definitiva e à criação de uma alternativa real não "de" desenvolvimento, mas "ao" próprio desenvolvimento capitalista. Seria um primeiro passo firme no caminho da Revolução Brasileira e na criação de uma economia a serviço das pessoas, ao invés de uma economia na qual as pessoas estão a serviço do lucro desumano.

Referências:

(1) https://goo.gl/1jfalv
(2) https://goo.gl/nU1JJ4
(3) https://goo.gl/u76F5J
(4) http://bit.ly/2rqOmUr
(5) https://goo.gl/xMNCyz
(6) https://goo.gl/QxdIwk
(7) https://goo.gl/Wya1Za
(8) https://goo.gl/9C8RkW  
(9) https://goo.gl/IewdYh
(10) https://goo.gl/jJmXYQ (ver pg. 44)
(11) https://goo.gl/xZWr1I
(12) https://goo.gl/Pjkv0K
(13) https://goo.gl/a3e4E3
(14) https://goo.gl/I2zAOg e https://goo.gl/Wb1k3w


Argumento usado pelo professor Ladislau Dowbor neste artigo: https://goo.gl/VNjGg7

Poema - Política Econômica da Maioria
Para mais informações: www.poema.info

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