Correio da Cidadania

A energia é o meio e a Petrobras é a chave para o desenvolvimento soberano do Brasil

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O petróleo é uma mercadoria especial, na medida em que não tem substitutos em equivalente qualidade e quantidade. Sua elevada densidade energética e a riqueza de sua composição, em orgânicos dificilmente encontrados na natureza, conferem vantagem econômica e militar àqueles que o possuem.

A sociedade que conhecemos, sua complexidade, sua organização espacial concentrada, sua produtividade industrial e agrícola, o tamanho da superestrutura financeira em relação às esferas industrial e comercial, foi erguida e depende do petróleo.

O fim do petróleo barato de se produzir e a redução do excedente energético e econômico da indústria petroleira está transformando, aceleradamente, a sociedade.

É necessário garantir a propriedade do petróleo e ficar com seu valor de uso. Atender as necessidades dos brasileiros e erguer a infraestrutura dos renováveis para uma nova organização social.

Petróleo: uma mercadoria especial

Combustível fóssil, ou o que Alfred Crosby (2006) chamou de "sol fossilizado“. É a forma acumulada da energia solar, oriunda da vida biológica (vegetal e matéria animal).

Depositada, transformada e acumulada debaixo da crosta terrestre, sob condições especiais, durante milhões de anos. O carvão e o petróleo, ao contrário das energias potencial e cinética dos cursos naturais de água, são fontes geograficamente móveis de energia. Essa característica permite a concentração geográfica da força produtiva da sociedade em espaços centrais, urbanos de produção.

Gráfico 1: Combustíveis fósseis e a história da humanidade

O petróleo e seus derivados são extremamente concentrados em termos de energia, além de flexíveis para uso. Um barril de petróleo (159 litros) equivale a um ano de trabalho pesado de uma pessoa (25% eficiência combustão, 6 horas consumindo 128W por dia). A energia solar é abundante, mas tem densidade energética mínima, o que resulta em menor capacidade relativa de realização de trabalho. O petróleo tem muito maior potencial para aumentar a produtividade e a eficiência do trabalho humano.

Transporte, eletricidade, comunicações (internet, celulares), aquecimento, indústria, extração mineral, agricultura, processamento e distribuição de alimentos, pesticidas, fertilizantes, plásticos, infraestrutura e força militar dependem do petróleo. São fatores estratégicos ao desenvolvimento, a segurança energética e alimentar. São elementos essenciais da soberania nacional que dependem do petróleo e do gás natural.

O gráfico 2 apresenta os consumos per capita de energia primária dos diversos países:
 
Consumos nacionais de energia per capta (2014), em milhões de toneladas de petróleo equivalente por milhão de pessoas.

O consumo de energia primária per capita dos EUA, em 2014, foi de 7,4 milhões de toneladas de petróleo equivalente por milhão de pessoas (Mtoe/M pessoas). Da Coréia do Sul foi de 5,2. Enquanto no Brasil foi de apenas 1,3 Mtoe/M pessoas, próximo do Paraguai com 1,1.

Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo por meio de multinacionais estrangeiras. Nenhum país, continental e populoso como o Brasil, se desenvolveu exportando petróleo. Existe forte correlação entre o crescimento econômico e o consumo de energia.
 


Gráfico 3: Consumo de energia e crescimento econômico (PIB) são correlacionados

Também existe correlação entre o desenvolvimento humano (IDH) e o consumo de energia primária per capita.
 


Gráfico 4: Consumo de energia e bem-estar são correlacionados

Para alcançar alto desenvolvimento humano, o Brasil precisa aumentar muito o consumo de energia. Estimo necessário o aumento de cinco vezes no consumo de energia primária nacional para que nossa população atinja padrões de vida noruegueses. O cálculo não considera o aumento da população. Seriam necessários quase 10 milhões de barris de petróleo por dia.

 
Tabela 1: Comparativo e estimativa de consumo de petróleo para um Brasil com padrão de vida norueguês

A demanda por petróleo pode ser ainda maior caso o Brasil não aumente a proporção das energias renováveis na sua matriz energética. Enquanto 39% da energia primária consumida pela Noruega é de origem renovável, no Brasil é de apenas 22% - dados de 2014.

Não é realista contar que com a exportação do petróleo brasileiro será possível promover o desenvolvimento (padrão norueguês). Devemos garantir a propriedade e optar pelo “valor de uso” do pré-sal, agregar valor e consumir em favor, e na medida, do desenvolvimento nacional.

Não devemos alimentar falsas expectativas e ilusões de que exportando petróleo em troca de dólares será possível atingir elevados padrões de vida. Esta via é, simplesmente, a incursão em mais um ciclo do tipo colonial.

O fim do petróleo barato de se produzir e suas consequências

A produção de petróleo convencional, com baixos custos de produção, está em declínio. O pico da produção do petróleo convencional agora também foi aceito pela Agência Internacional de Energia (AIE). Esforços atuais e futuros da indústria do petróleo são direcionados para manter este patamar e lidar com o declínio da produção nos campos maduros. É cada vez mais difícil compensar esta queda através do desenvolvimento de novos campos, mais difíceis de encontrar, menores e de pior qualidade, com cada barril, em média, mais caro de se encontrar e produzir.
 
Gráfico 5: Histórico do índice de custo dos investimentos em E&P
 


Gráfico 6: Histórico do índice de custo das operações em E&P

Os combustíveis de origem fóssil – petróleo, gás natural e carvão - respondem por 91% da matriz energética mundial (2014). Apesar do aumento da importância relativa dos renováveis, ainda são pouco relevantes na partilha total (5%). Os custos mais elevados para a produção do petróleo não convencional e dos renováveis, além da natureza intermitente da produção das energias eólica e solar, representam severa restrição ao aumento da produtividade e do crescimento econômico mundiais.

 
Gráfico 7: Matriz energética mundial (2014)
 


Gráfico 8: Histórico da demanda energética mundial (1980-2014)

Os recentes aumentos de produção de petróleo e gás não convencional nos EUA são devido a uma série de condições específicas (conjunturais e locais). Posso destacar:

1) a indústria altamente desenvolvida de petróleo e gás com infraestrutura disponível;

2) áreas potenciais com densidades populacionais baixas e propriedade privada dos recursos do subsolo;

3) disponibilidade financeira: crédito abundante e barato (facilidade monetária);

4) preços relativamente altos do petróleo e do gás alcançados desde 2006;

5) rápido desenvolvimento dos poucos “pontos quentes” de gás de xisto e óleo tight, enquanto o declínio da produção de petróleo e gás convencional continua a progredir.

 
Gráfico 9: Produção e do consumo de petróleo nos EUA (1980-2014)

A relevante produção norte-americana não será suficiente para mitigar as restrições globais para acesso à energia primária barata, da qual depende o crescimento produtivo e econômico. Apesar do significativo aumento da produção nos EUA, as reservas são relativamente pequenas e os custos de produção comparativamente altos em comparação com o histórico do petróleo convencional.

 


Gráfico 10: Histórico e projeção da produção de petróleo mundial

O gráfico 10 apresenta a estimativa da produção de petróleo para diferentes fontes e cenários. É consenso que o pico da produção de petróleo se dará até 2050. Já em relação às consequências da exaustão do petróleo barato de se produzir há dissenso e as opiniões são influenciadas pelos interesses inconfessáveis dos “especialistas” e das instituições, países e corporações que os sustentam.

O fracasso da gestão das multinacionais privadas e as lições para a Petrobras

As maiores multinacionais de capital privado do setor do petróleo não repõem suas reservas na taxa que são esgotadas, têm produção declinante, apresentam resultados financeiros fracos, e perderam boa parte de sua capacidade tecnológica, ao terceirizar suas atividades às empresas prestadoras de serviço.

Em uma palavra, definham. Entre as principais causas, a adoção de modelo de negócios baseado em premissas falsas, com objetivo de maximizar o valor para o acionista no curto prazo, com precária visão estratégica ao não compreender o ambiente de negócios, seguindo bovina e consensualmente planos similares baseados em informações de “consultorias independentes”, ao negar restrições socioeconômicas, além de ignorar limites naturais. Caso a Petrobras adote modelo parecido terá o mesmo destino, em breve.
 
Tabela 2: Produção das multinacionais privadas “majors”

A perda do domínio tecnológico das multinacionais privadas foi o resultado da terceirização para prestadoras de serviços, em busca da redução dos custos na esperança de que haveria competição entre as últimas, dificultou o acesso às novas reservas. As empresas estatais nacionais (NOCs) que têm as reservas, caso não disponham de tecnologias de interesse, podem recorrer às prestadoras de serviço. A vantagem competitiva foi desperdiçada pelas multinacionais em função do objetivo de maximizar resultados de curto prazo.

Muitos projetos lucrativos de menor escala foram descartados, em função do senso comum que apenas valorizava projetos vultosos. A obsessão pela redução dos custos limitou a disponibilidade de profissionais qualificados, e restringiu a atuação corporativa em muitos projetos pequenos e rentáveis que poderiam juntos contribuir para a reposição das reservas. Muitas vezes a disponibilidade de trabalho qualificado se tornou mais restritiva do que o acesso ao capital.

A oscilação dos preços é natural neste mercado. Em colapsos de preços históricos as multinacionais (IOCs) reduziram custos e investimentos, aguardando sua recuperação cíclica. No entanto, há hoje alguns sinais preocupantes quanto ao prazo e ao nível requerido de preços na recuperação, além do período de sustentação dos preços suficientemente altos.

São eles:

1) O impacto recessivo do aumento dos preços e a consequente redução da demanda;

2) A elevação dos custos médios de E&P;

3) A maior agilidade da extração do petróleo do folhelho (shale) em relação ao petróleo convencional, sugerindo possível resposta do suprimento mesmo com elevação tênue dos preços;

4) Os preços não são suficientes para sustentar o orçamento de muitos países produtores que tendem a aumentar a produção, para compensar a queda na receita;

5) A desarticulação da OPEP, com o descontrole da produção entre países com interesses contraditórios;

6) A política monetária do banco central dos EUA, com a diminuição da liquidez e elevação dos juros, com a consequente valorização do dólar e desvalorização do petróleo, demais mercadorias e moedas.

Nosso tempo pode ser diferente caso o preço do petróleo não esteja mais funcionando, ou está baixo para compensar os custos dos produtores, ou está alto para a capacidade de compra dos consumidores. Ou ainda pior, pode ao mesmo tempo estar baixo para os primeiros e altos para os últimos, fechando a janela de viabilidade fóssil que pode precipitar a queda da produção e da demanda, com severos impactos sobre toda a economia.

A Petrobras sempre foi alvo de diferentes interesses e agentes privados. Eles disputam diretamente o petróleo ou a riqueza produzida pela companhia. A disputa ocorre em extensão à ocupação por interesses particulares do Estado Nacional brasileiro.

São bancos e seguradoras em busca de juros e contratos para obtenção de lucros; industriais consumidores de combustíveis ou de petroquímicos em busca de subsídios. Companhias comerciantes, revendedoras de combustíveis, também por subsídios. São industriais produtores de etanol e de biodiesel em busca de subsídios e de vantagens indiretas na correlação entre os preços dos combustíveis líquidos e na questão logística.

Petroleiras de capital privado, nacional e internacional, ou de capital estatal estrangeiro, em busca de oportunidades de acesso ao petróleo brasileiro com baixo risco e para acesso às tecnologias da Petrobras. Também as empresas de consultoria em busca de contratos lucrativos e de informações que podem conferir lucro ou vantagem geopolítica aos governos e corporações para os quais trabalham. Além dos meios empresariais de comunicação, em busca de contratos lucrativos de publicidade.

Em contradição aos interesses privados está o interesse da maioria dos brasileiros, dos assalariados, estudantes, aposentados, trabalhadores autônomos e pequenos empresários. Desta correlação de forças resulta o modelo de negócios adotado pela Petrobras, sua estratégia, metas, investimentos, enfim, a origem e a retórica dos seus conselheiros e executivos nomeados pela Presidência da República, exercendo o seu direito como acionista controlador.

Para que o Brasil se desenvolva é necessário produzir o petróleo do pré-sal na medida da nossa necessidade. Deve-se agregar valor ao petróleo cru com sua transformação em mercadorias úteis, por meio do refino, da petroquímica, da química fina, da indústria de fármacos e de fertilizantes. Não devemos embarcar em novo ciclo do tipo colonial e permitir a exportação do petróleo, muito menos por multinacionais que esgotaram suas reservas e cobiçam nossos recursos para resultados privados de curto prazo, e possivelmente predatórios.

O modelo de negócios da Petrobras deve ser diferente daquele adotado pelas multinacionais (IOCs) e que resultaram em rotundo fracasso. Ao invés de mirar na agregação de valor para o acionista no curto prazo, deve objetivar a segurança energética e alimentar brasileiras. Viabilizar a transformação do petróleo em produtos com maior valor agregado. Produzir o petróleo na medida do nosso desenvolvimento, para consumo interno em resposta a tantas necessidades não atendidas. Restringir a exportação aos derivados de maior valor, de forma cuidadosa, planejada e responsável. Utilizar a renda petroleira para levantar a infraestrutura para a produção dos biocombustíveis e das energias renováveis.

O modelo deve preservar:

1) a integridade corporativa da companhia, para mitigar os riscos da variação dos preços e garantir geração de caixa;

2) o mercado interno, praticamente cativo, grande e com potencial de crescimento;

3) o direito a operação única no pré-sal, com tantas vantagens que não cabe aqui detalhar e suas tecnologias. São vantagens estratégicas corporativas, mas também nacionais, que nenhuma das multinacionais (IOCs) possui, e por isso são tão cobiçadas.

Ainda sofremos as consequências de nossa herança colonial. Nossas elites são acostumadas a viver em subserviência aos interesses da metrópole, um dia Portugal, depois a Inglaterra, e agora os EUA. A cultura desta fração da sociedade é mimética, se copiam valores e visões de mundo que vêm de fora. Na indústria do petróleo, na qual o consenso é lugar comum, as consequências podem ser ainda mais deletérias.

No entanto, somos herdeiros da maior mobilização popular contemporânea, a campanha “O Petróleo é Nosso”. Está no DNA da Petrobras, a maioria da população garantiu a criação da estatal, as descobertas de petróleo no Brasil e nosso amadurecimento industrial. Ainda hoje, se temos a Petrobras e o pré-sal é porque a maioria da população defende e reconhece valor na companhia.

A natureza e o trabalho de gerações de brasileiros nos deram a grande oportunidade que é o petróleo do pré-sal. Precisamos ser capazes de empreender um projeto soberano para, desta vez, usar as riquezas naturais brasileiras em benefício da maioria da população. Para isso é essencial que o modelo de negócios da Petrobras seja diferente do fracassado modelo adotado historicamente pelas maiores multinacionais de capital privado.
 

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Artigo escrito para compor o livro“Geopolítica e poder: Brasil, uma potência mundial energética?”, da editora da Escola Superior de Guerra (ESG).

Felipe Coutinho é engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

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