Correio da Cidadania

Os falsos sinais da recuperação econômica

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O espanhol "El País", na contramão da linha editorial razoavelmente independente que vinha adotando, publica reportagem carregada de otimismo entusiasta sobre a situação econômica brasileira (aqui).

Vamos, ponto a ponto, desvendar seus equívocos.

1. Emprego

A suposta melhora no mercado de trabalho - dado que o desemprego é calculado em função das pessoas que buscaram trabalho - omite dado fundamental: dobrou o número de pessoas que desistiram de procurar emprego - o chamado "Desalento" pelo IBGE. Omite também outro dado importante: as 26,5 milhões de pessoas subempregadas (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/02/brasil-termina-2017-com-265-milhoes-de-subempregados.shtml), o que representa 23,8%, praticamente um quarto da força de trabalho nacional.

2. Juros

Os juros baixos são mais benéficos para quem precisa de empréstimo - esse sim é um dado a ser comemorado. Mas a baixa na inflação, como reflexo da recessão, quer dizer também diminuição do poder de compra, fato que a reportagem também omite.

3. Confiança

O índice de confiança dos empresários diz muito sobre nada. Não há um grande empreendimento, gerador de vagas em massa, que não conte com gordos empréstimos, quase sempre via financiamento público. Se o governo não adotar uma postura de investir na produtividade, não há confiança que faça surgir milagrosamente novas unidades produtivas.

4. Arrecadação

Não há, tampouco, relação direta entre aumento de arrecadação tributária e retomada do crescimento econômico. Para que o governo brasileiro arrecada, e para quem? Para seguir pagando a mesada dos setores rentistas e parasitários na forma de juros da dívida pública.
 
5. Indústria

Depois da queda de quase 10% do PIB era de se esperar que houvéssemos chegado ao pré-sal da recessão. Essa pausa no esfacelamento do parque industrial brasileiro é motivo de confiança para o setor. Mas o governo, via privatizações e concessões, entrega a entes privados, geralmente estrangeiros descompromissados com o país, as decisões sobre o nível de empregabilidade nacional. Por isso, defender as estatais e subsidiárias é defender mais postos de trabalho digno e regulado pelo setor público; e o que o governo tem feito é o contrário, atacá-las.

6. Agronegócio

O chamado agronegócio não é nada mais que o latifúndio da monocultura para exportação recauchutado, sendo parte fundamental do projeto de reversão neocolonial que pretende consolidar o rebaixamento do Brasil na divisão internacional do trabalho. O setor industrial, que já representou quase um terço do PIB, esfarela-se na medida em que nos tornamos meros exportadores de produtos de baixo valor agregado. Comemorar o troféu de campeões na exportação de soja é respaldar o subdesenvolvimento do qual estamos nos tornando reféns.

7. Poupança

Comemoramos a poupança dos e das trabalhadoras, sem dúvida. Fica só um breve esclarecimento: o que o grosso do povo brasileiro economiza vem do salário, da venda de sua força de trabalho. A renda é a remuneração do ócio, exclusividade de alguns poucos privilegiados.

8. Mercado Imobiliário

O que chamam de "Expansão do Mercado Imobiliário" na prática significa aumento do preço dos alugueis. Por isso é importante saber qual setor da economia cresce e quem é o beneficiado desse crescimento. Nesse caso, os rentistas são os que mais ganham - como sempre, às custas dos salários dos trabalhadores.

9. Comércio

A expectativa de abertura de novas lojas como sinal de movimento dinâmico do setor comercial é boa para o conjunto da sociedade. Mas é suficiente? Diante das 350.000 vagas a menos em 2015 e 2016, a reabertura de 26.000 não significa nem 10% de recuperação.

10. Investimento no quê?

O que é esse Investimento Direto no País (IDP) senão o ingresso de divisas que entram e saem no Brasil sem qualquer tipo de controle? Desses $6,5 bilhões, quanto foi utilizado para robustecer a cadeia produtiva nacional? E quanto capital entrou para se beneficiar das altas taxas de juros? Sobre as agências de risco: onde estavam e o que disseram no estouro da Crise Financeira Global em 2007-2008?

Esse conjunto de sinalizações classificadas como positivas não resiste a uma breve análise, ligeiramente criteriosa. Os fundamentos de uma verdadeira recuperação econômica não estão sendo buscados pelo atual governo, refém de uma agenda de reversão neocolonial que aprofunda a subordinação brasileira no sistema-mundo quando trabalha decididamente pela entrega do patrimônio nacional.

Sem a realização de Reformas de Base que promovam o redirecionamento das prioridades para o desenvolvimento social, o Brasil seguirá confinado no cativeiro do subdesenvolvimento.

Guilherme Basto Lima é Analista Internacional e Doutorando em Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ.
Twitter: @gbastolima

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