Correio da Cidadania

A liquidação geral de Paulo Guedes

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No início, tudo não parecia mais do que apenas um certo desconforto, uma sensação de desalento de parte significativa das lideranças empresariais e políticas vinculadas ao financismo. Afinal, não era bem aquilo que tais setores aguardavam como rumo do governo depois de perpetrado o golpeachment contra a presidenta Dilma. Pouco a pouco o governo de Michel Temer confirma sua incapacidade de cumprir com o que havia prometido aos representantes dos interesses do topo da pirâmide e nada mais tem a lhes oferecer senão a inevitabilidade de sua própria falência.

Com o avanço do cronograma político-eleitoral aquela sensação inicial de mal estar se transforma e as elites dominantes já começam a emitir sinais claros de desespero. Todos os relatos indicam que o Palácio do Planalto não comanda mais nada e os candidatos que deveriam ser a consumação continuada da aventura irresponsável deflagrada em 2016 não decolam nas pesquisas. Lula, mesmo preso e impedido de participar da campanha, se firma e cresce na liderança isolada da preferência popular. No campo oposto, Meirelles e Alckmin disputam sua cota de intenção de voto com a cotação da taxa de câmbio em processo de especulação descarada.

O fato concreto é que, a partir de agora, quase ninguém se interessa em assumir a paternidade do austericídio e das perversidades perpetradas contra a maioria do povo brasileiro. A herança maldita da política econômica levada a cabo desde 2015 pode ser identificada na tragédia social do desemprego de mais de 13 milhões de pessoas e de quase 30 milhões em condições de não trabalho. Esse quadro devastador da política de cortes generalizados nas despesas de programas sociais do governo está fazendo com que o Brasil recue algumas décadas em apenas 2 anos. A desindustrialização se aprofunda e o ritmo de falência das empresas parece não ter fim.

A direita e a herança maldita de Temer

Frente a esse quadro de enormes dificuldades em seu campo, o financismo chegou a lançar mão de algumas tentativas destrambelhadas. Em seu afã de impedir que Lula se candidate ou que consiga transferir seu potencial de votos a alguém de sua confiança, as lideranças das elites ensaiaram o lançamento de figuras como Luciano Huck e Joaquim Barbosa na corrida presidencial. A ideia era buscar algum candidato considerado como “não político”, de fácil aceitação popular e sobre o qual eles ainda pudessem exercer algum tipo de domínio. Como bem se sabe, nada disso deu certo. Até parece coisa de amador.

Por outro lado, a radicalização política e ideológica provocada pelas forças conservadoras ao longo dos últimos 16 anos acabou por escapar ao controle dos partidos mais tradicionais da direita. O clima de intolerância e ódio foi fomentado pelo núcleo articulado de tucanos e aliados contra os governos que haviam derrotado seus candidatos nas urnas.

No final, um dos resultados desse fenômeno pode ser percebido no crescimento da candidatura de Jair Bolsonaro. Ocorre que o mix de deputado federal, líder evangélico e capitão torturador não obedece mais aos ditames da elegância e da suposta sofisticação de alguns dos moradores de bairros como Higienópolis em São Paulo ou Leblon no Rio de Janeiro.

“Cría cuervos y te sacarán los ojos” diz o ditado espanhol. Para essa base política e eleitoral insuflada pelo doutrinarismo contra qualquer proposta que tenha o menor elemento de natureza social ou de solidariedade não há mais espaço para conciliadores ou oportunistas. Agora é tudo na paulada! Assim, aos olhos dessa criação forjada pelo discurso do PSDB e do PFL/DEM, o mais autêntico defensor dessa postura extremista é Bolsonaro. E fim de papo!

Os grandes meios de comunicação acabam engolidos pelo discurso que tanto reproduziram e amplificaram. A penúltima edição da revista semanal de maior circulação nacional se rende aos fatos e acaba por abrir o caminho para justificar eventualmente a necessidade de apelar para um voto útil escandaloso no último domingo de outubro.

A manobra editorial ali ensaiada beira o ridículo. A capa exibe uma enorme fotografia do principal assessor econômico do candidato defensor da tortura e da pena de morte, onde então o banqueiro Paulo Guedes é apresentado aos leitores como “Presidente do Brasil”. Uma loucura! Como pedir voto para Bolsonaro talvez ainda seja considerado um exagero, os editores resolvem dizer que o país seria comandado de fato pelo economista, bastante conhecido por suas propostas conservadoras e ortodoxas para solucionar os problemas do país. Algo na linha do perigoso mantra que já se ouve à boca pequena no mundo da finança: “Não sinta a sua consciência pesada por votar em Bolsonaro. Ligue não. Isso é apenas um detalhe. Nosso homem de confiança é que estará no comando”.

Paulo Guedes quer privatizar tudo

De tantas ideias escandalosas e preconceituosas destiladas pelo assessor do candidato do PSL, aquela que mais deve preocupar as forças progressistas refere-se à privatização das empresas estatais. Paulo Guedes é inteligente e bem preparado. Concluiu seu doutorado em economia na Universidade de Chicago, o berço do ultraliberalismo monetarista de Milton Friedman e já trabalhou, inclusive, elaborando políticas públicas para os governos militares da sangrenta ditadura chilena na década de 1970. Para além da agenda conservadora do ajuste fiscal rigoroso, Guedes agora vem com o mote da conhecida lenga-lenga do Estado mínimo.

“Mas eu defendo privatizar tudo mesmo!”. Essa é proposta daquele que deveria assumir o cargo de Superministro da Fazenda, com poderes para tocar o conjunto dos aspectos da política econômica, caso Bolsonaro fosse eleito. Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobrás, Correios e tudo o mais: não haverá folga para nenhuma empresa estatal segundo a avaliação do queridinho da turma da finança. Segundo o aprendiz de feiticeiro, “não há limites”. O patrimônio todo da administração pública federal será alienado para o capital privado. Todas as empresas governamentais – tanto as públicas quanto as de economia mista – serão vendidas. O mesmo destino será dado aos mais de 700 mil imóveis da União. Os arranjos para concessões de serviços públicos em logística e infraestrutura seguirão o mesmo caminho.

Talvez Guedes esteja apenas vocalizando o desejo de parte dos demais candidatos da direita que não se sentem à vontade para afirmarem com todas as letras aquilo que pretendem fazer com as empresas estatais. Meirelles e Alckmin devem estar acuados pelo grau de descontentamento popular com o desmonte promovido pelo governo – esse mesmo que estavam apoiando e participando até anteontem. Mas seus assessores e simpatizantes não poupam esforços para sugerir trilha semelhante à de Paulo Guedes.

A economista Elena Landau, por exemplo, apresentou há pouco tempo uma lista exaustiva e um diagnóstico detalhado do potencial que poderia ser extraído a partir da venda de um número expressivo de estatais federais. A partir do universo das empresas sob o controle da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), aquela que já foi chamada de “musa da privatização” no governo FHC recomenda a transferência das empresas mais rentáveis ao capital privado. Segundo ela, bastaria privatizar a nata do setor empresarial estatal. Das mais de 140 empresas controladas pela SEST, Landau sugere a venda das 70 mais bem posicionadas. Que beleza!

No entanto, um breve exercício de memória nos faz recordar que a experiência privatizante que ela comandou, por exemplo, vendeu as empresas estatais a preço de banana e não resolveu em nada o problema fiscal da União durante a década de 1990. Pelo contrário: o Estado brasileiro ficou sem uma parcela considerável de seu patrimônio estratégico para desenvolver políticas públicas, ao tempo que a dívida da administração federal explodiu na sequência.

É preciso cortar essa hipótese liquidacionista agora, pela raiz. O plano de Guedes de vender tudo é tresloucado e prejudica eleitoralmente os demais candidatos da direita. Esse é o momento de trazer a crítica à privatização para o centro da cena dos debates. Veremos quais os candidatos que terão a coragem política de assumir abertamente o ônus de somar tal proposta à já onerosa herança maldita do golpe e do austericídio.

Da nossa parte não pode haver vacilo: diga não à privatização!


Paulo Kliass é economista.
Retirado do Portal Outras Palavras.

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