Bancos centrais autônomos ameaçam todos nós
- Detalhes
- 17/10/2018
Excluindo-se instituições como Blackrock e Vanguard, que são constituídas de vários investidores, o maior ator individual nos mercados globais de ações são hoje, provavelmente, os próprios bancos centrais. Entre 30 e 40 bancos centrais estão investidos no mercado de ações, seja diretamente seja mediante seus veículos de investimento (fundos nacionais soberanos). Segundo David Haggith em Zero Hedge:
Bancos centrais comprando ações estão efetivamente estatizando empresas norte-americanas, só para manter a fantasia de que seu plano de “recuperação” estaria dando certo. (…) Primeiro, a recente entrada dos bancos centrais no mercado de ações só visava a recuperar empresas periclitantes, como a General Motors durante a primeira imersão/quase-afogamento na Grande Recessão; mas recentemente seus esforços transferiram-se para empurrar para cima todo o mercado de ações, mediante grandes compras-vendas das empresas mais saudáveis do mercado.
O Federal Reserve dos EUA, que resgatou a General Motors em operação de salvamento em 2009, foi proibido de emprestar a empresa individual, nos termos da [Lei] Dodd-Frank Act de 2010, e foi impedido por lei de possuir ações. Dado esse impedimento, passou a aplicar suas reservas em outros papeis securitizados apoiados pelo Estado. Mas outros países têm regras diferentes, e os bancos centrais estão agora comprando ações individuais como investimentos, com preferência por grandes empresas de tecnologia tipo Amazon, Apple, Facebook e Microsoft.
São as ações que dominam o mercado e os bancos centrais estão agressivamente forçando o aumento de valor delas. Os mercados, incluído o mercado norte-americano de ações, estão, portanto, sendo literalmente manobrados pelos bancos centrais de outros países.
O resultado, observado em artigo de janeiro de 2017 em Zero Hedge, é que banqueiros centrais, “que fabricam ‘dinheiro fiat’, feito do mais puro ar engarrafado, e para os quais ‘custo de aquisição’ é expressão sem significado, estão cada vez mais estatizando os principais mercados de ações”. Ou, no mínimo, estariam estatizando as ações, se fossem realmente bancos centrais “nacionais”. Mas não são.
O Banco Nacional Suíço (BNS), o maior player individual nesse jogo, é 48% banco privado, e a maior parte dos bancos centrais declararam-se independentes dos próprios Estados. Hoje marcham ao som dos tambores, não de algum Estado, mas da indústria privada.
Marcando os 10 anos do colapso de 2008, o ex-presidente do Fed Ben Bernanke e os ex-secretários do Tesouro Timothy Geithner e Henry Paulson escreveram, em coluna assinada dia 7/9 no New York Times , que as ferramentas do Fed precisavam ser ampliadas, para permitir combater a próxima já prevista crise econômica, incluindo licença para fazer subir o mercado de ações, comprando ações individuais.
Para investidores, fazer subir o mercado de ações pode até parecer coisa boa, mas o que acontece quando os bancos centrais decidem vender? O massivo apoio de $4 trilhões que o Fed deu à economia está agora sendo retirado; e outros bancos centrais devem fazer o mesmo. A quantidade de ações norte-americanas e globais é tal que a retirada delas do mercado pode disparar outra recessão global. Significa que quando e como a economia colapsará está agora nas mãos de banqueiros centrais.
Mudar os postes do gol
Os dois bancos centrais (e players) mais agressivos nos mercados de ações são o Banco Nacional Suíço e o Banco do Japão (BJ). A meta do Banco do Japão, que possui hoje 75% dos fundos cambiais é, evidentemente, estimular o crescimento e fazer frente às expectativas de deflação. Mas o Banco Nacional Suíço está atuando mais como um hedge fund, arrebanhando ações individuais, porque “é onde está o dinheiro”.
Cerca de 20% das reservas do BNS estão em ações, e mais da metade delas são ações norte-americanas. Diz-se que a meta do BNS é fazer frente à demanda global por francos suíços, o que estaria fazendo subir o valor da moeda nacional, dificultando, para empresas suíças, competir no comércio internacional. Para tanto, o BNS compra outras moedas estrangeiras; e, porque tem de guardá-las em algum lugar... Está guardando aquele dinheiro em ações.
É explicação razoável para o que faz o BNS, mas há quem suspeite de outros motivos. A Suíça é lar do Banco para Compensações Internacionais (BCI) [ing. BIS], o “banco dos banqueiros centrais” em Basel, onde os banqueiros centrais reúnem-se regularmente a portas fechadas. O Dr. Carroll Quigley, professor de história de Georgetown, quase sempre apresentado como historiador dos banqueiros internacionais, escreveu sobre o BCI, em Tragedy and Hope, em 1966:
“As potência do capitalismo financeiro tinham outro objetivo de mais longo alcance, nada menos que criar um sistema mundial de controle financeiro em mãos privadas, capaz de dominar o sistema político de cada país e a economia do mundo como um todo. Esse sistema deveria ser controlado à maneira feudal pelos bancos centrais do mundo agindo concertadamente, por acordos secretos aos quais se chegariam em frequentes reuniões e conferências privadas. O ápice do sistema seria o Banco de Compensações Internacionais em Basel, Suíça, banco privado, propriedade dos bancos centrais mundiais e controlado por eles, os quais eram, eles também, empresas privadas”.
A chave para o sucesso daqueles banqueiros, disse Quigley, é que controlariam e manipulariam o sistema monetário de uma nação, ao mesmo tempo em que faziam crer que o Estado controlasse tudo. Os sistemas econômico e político das nações seriam controlados não por cidadãos, mas por banqueiros, em benefício de banqueiros. O objetivo era estabelecer um banco central independente em cada país (controlado por ou de propriedade de empresários privados). Hoje, esse objetivo já está em grande parte alcançado.
Em artigo apresentado ao XIV Rhodes Forum na Grécia em outubro de 2016, o Dr. Richard Werner, diretor de desenvolvimento internacional na Universidade de Southampton, no Reino Unido, disse que os bancos centrais conseguiram obter total independência dos governos e transparência zero para o povo; e que estão, hoje, no processo de consolidar os próprios poderes. Controlam hoje os mercados criando bolhas, estouros e caos econômico. Denunciou o Banco Central Europeu, modelado a partir do desastroso banco central alemão que houve antes, o Reichsbank. O Reichsbank criou a deflação, a hiperinflação e o caos que ajudou a levar Adolf Hitler ao poder.
O problema com o Reichsbank, disse Werner, foi a excessiva independência e a nenhuma transparência ao exame das instituições e do Parlamento alemão. Os fundadores da Alemanha do pós-guerra mudaram o status do novo banco central, limitando significativamente sua independência. Werner escreveu, “O Bundesbank foi feito transparente e fiscalizável, subordinado ao Parlamento, como deve ser numa democracia. Tornou-se provavelmente o mais bem-sucedido banco central”.
Mas os bancos centrais de hoje, disse ele, seguem o modelo desastroso do Reichsbank, envolvendo concentração sem precedentes de poder e transparência zero. Os bancos centrais não são acusados nem julgados pelos erros massivos de suas políticas e geração temerária de ciclos tipo bolhas-crescem/bolhas-murcham, crises bancárias e desemprego em grande escala.
Hoje, na Espanha e na Grécia, o desempenho entre os jovens já ultrapassa 50%. Muitos bancos centrais permanecem em mãos privadas – não só o Banco Nacional Suíço, mas também o Banco Federal Reserve de Nova Iorque e os bancos centrais italiano, grego e sul-africano.
Bancos e Bancos Centrais devem ser convertidos em instituição pública
A solução que Werner propõe para fazer frente a essa situação perigosa é contornar ambos, os bancos centrais e os grandes bancos internacionais, e descentralizar o poder, criando e apoiando bancos públicos locais sem finalidade de lucro. Essencialmente, ele tem em vista um sistema de dinheiro público local emitido por autoridades locais em troca de serviços prestados à comunidade local. Legalmente, disse ele, 97% da oferta de dinheiro já é crédito de empresa privada, o que qualquer empresa pode criar, com ou sem licença para operar como banco.
Os Estados devem parar de emitir bônus, disse ele, e, em vez disso, financiar as necessidades de crédito do respectivo setor público, mediante bancos domésticos que criam dinheiro nos próprios livros (como todos os bancos têm poder para fazer). Esses bancos podem oferecer taxas mais competitivas que o mercado de bônus, e podem estimular a economia local com injeções de dinheiro novo. E podem expulsar da praça as grandes empresas que subscrevem os bônus que alimentam a dívida nacional.
Abolir os bancos centrais é uma possibilidade, mas se forem capturados de modo a que sejam forçados a operar como instituições públicas, ainda podem servir a objetivos bem úteis. Um banco central dedicado ao serviço público pode atuar como fonte ilimitada de liquidez para um sistema de bancos públicos – o que eliminaria o risco de corrida aos bancos, porque o banco central não pode quebrar. Também pode dar conta do problema que se avizinha, de uma dívida federal impagável, e pode gerar “alívio quantitativo para o povo,” que pode ser usado para pagar pela infraestrutura, para empréstimos a juros baixos às cidades e estados e para outras finalidades públicas.
A capacidade para nacionalizar empresas comprando-as com dinheiro criado nos livros do banco central pode ser também uma útil ferramenta de interesse público. Da próxima vez que os megabancos colapsarem, em vez de ‘resgatá-los’, seria possível estatizá-los, e suas dívidas poderiam ser pagas com dinheiro gerado pelo banco central.
Há outras possibilidades. O ex-secretário-assistente do Tesouro Paul Craig Roberts argumenta que devemos também estatizar as empresas de mídia e a indústria de armas. Pesquisadores no Democracy Collaborative sugeriram estatizarem-se as grandes empresas que comerciam combustível fóssil, bastando para tal pagar com fundos gerados no Fed o combustível comprado delas. Em documento de 2018 intitulado “Taking Climate Action to the Next Level” [Levar ao próximo nível a ação relacionada ao clima], os pesquisadores escreveram que “essa ação talvez represente nossa melhor chance para ganhar tempo e desencadear uma transição rápida, mas ordeira, no campo da energia, pela qual a riqueza e os benefícios não continuem centralizados em/por corporações que só visam ao crescimento, antidemocráticas e não confiáveis no plano ético, como ExxonMobil e Chevron”.
Críticos dirão que essas medidas resultariam em hiperinflação, mas é possível demonstrar que não. Essa discussão terá de esperar por outro artigo, mas o ponto aqui é que intervenções monstro por bancos centrais, que se ensinava que seriam impossíveis no século 20, são hoje, no século 21 medidas corriqueiras, e estão sendo tomadas por bancos centrais independentes controlados por um cartel internacional de banking.
É tempo de pôr fim à independência dos bancos centrais.
Se suas poderosas ferramentas estão já postas a funcionar, que seja a serviço da economia e do interesse públicos.
Publicado em Thruthdig; traduzido pelo Coletivo Vila Vudu.
Ellen Brown