Petrobrás 2018: ataque privatista hipócrita e defesa nacionalista
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- Felipe Coutinho
- 12/01/2019
Na disputa pela renda petroleira, por meio do petróleo do pré-sal e dos ativos da Petrobrás, a hipocrisia é utilizada para que o interesse privado e antinacional prevaleça sobre o bem da maioria dos brasileiros e o desenvolvimento do Brasil.
Hipócritas justificativas para acordo repulsivo
O ano de 2018 começou com o acordo firmado pela direção da Petrobrás que resultou no pagamento de US$ 2,95 bilhões aos acionistas norte-americanos, para encerrar ação movida na corte de Nova Iorque. Com tristeza e indignação a AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás) denunciou que se tratava de um crime continuado e de lesa pátria que começou com a decisão de vender ações da Petrobrás na bolsa de Nova Iorque. (AEPET, Nota da AEPET sobre acordo de pagamento de US$ 2,95 bilhões aos acionistas dos EUA, 2018)
Hipocrisia estratégica para privatizar
O Diretor de Estratégia da Petrobrás, Nelson Silva, tentou convencer os funcionários de que era preciso privatizar US$ 21 bilhões até o fim de 2018. Para isso apresentou informações incompletas sobre as multinacionais privadas, esqueceu mais uma vez da Shell e repetiu falácias sobre a Petrobrás.
O verdadeiro objetivo da atual gestão é a privatização, por partes, dos ativos rentáveis da Petrobrás. É evidente que a escolha do indicador de alavancagem, da meta de 2,5 e do prazo de 2018 são arbitrários. São as consequências da meta de privatização e não o contrário. Trata-se de uma falácia, de inversão de causa e efeito, que é repetida muitas vezes. (Coutinho, Tolice supor que os petroleiros são tolos, 2018)
Pesquisa recente apontou que 70% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobrás, enquanto 78% são contra o capital estrangeiro na companhia. (Folha de S.Paulo, 2018) Talvez por isso a atual direção da Petrobrás evite usar a palavra “privatização”. Sob o eufemismo “parcerias e desinvestimentos”, o plano estratégico teve a meta de privatizar US$ 34,7 bilhões de ativos da estatal entre 2015 e 2018. (Petrobras, PNG 2017-2021, 2016) (Petrobras, PNG 2018-2022, 2018)
O plano vigente, PNG 2019-2023, pretende privatizar US$ 26,9 bilhões entre 2019 e 2023, para isso arbitra a redução da alavancagem (dívida líquida/EBTIDA ajustado) para abaixo de 1,5 em 2020 e limita o investimento médio anual em US$ 16,8 bilhões. (Petrobras, PNG 2019-2023, 2018)
Gráfico 1: Fontes e usos do PNG 2019-2023
Gráfico 2: Investimentos anuais da Petrobrás, em bilhões de dólares de 2018
Entre 2009 e 2014 o investimento médio anual foi de US$ 48,7 bilhões, em dólares corrigidos para 2018, a média é quase três vezes maior em comparação com o investimento médio anual previsto para o quinquênio 2019 a 2023, de US$ 16,8 bilhões.
As privatizações têm sofrido questionamentos na Justiça e no Tribunal de Contas da União (TCU). Em março de 2017, a Petrobrás divulgou que “adaptou o seu programa de desinvestimentos à sistemática aprovada pelo TCU”. A adaptação teve resultado sobre as vendas em andamento e não surtiu efeito sobre os projetos cujos contratos de compra e venda já haviam sido assinados.
A posição do TCU é contraditória, apesar de apontar os desvios dos processos de privatização em curso permitiu que aqueles em fase avançada fossem concluídos sem nenhum reparo. Do mesmo modo, o TCU e os vários órgãos de controle se omitem em relação à política de substituição do monopólio estatal da Petrobrás por monopólios privados, o que é absolutamente vedado pela Constituição, em seus artigos 170 e 173, §4º. E, na medida em que a Petrobrás vem sendo fatiada, os agentes econômicos privados tendem a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe ainda mais o já pífio crescimento do mercado interno.
Dos projetos que puderam ser concluídos, destacamos a venda de 90% da participação acionária na Nova Transportadora do Sudeste (NTS), da Petroquímica Suape e Citepe e da Liquigás, esta última impedida pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O comunicado da Petrobrás sobre a adequação a sistemática exigida pelo TCU registra, em nota, que “não inclui parcerias estratégicas”. (Petrobras, Adaptamos nosso Programa de Desinvestimentos à Sistemática aprovada pelo TCU, 2017)
Diante das restrições para aceleração das privatizações decorrentes da sistemática exigida pelo TCU a alta direção da Petrobrás passou a formar “estratégicas parcerias”.
Por meio da parceria com a francesa Total vendeu 22,5% (do total de 65% que possui) da concessão de Iara e outra de 35% (dos 45% que possui) no campo de Lapa. Em fato relevante a Petrobrás informa que o acordo envolve US$ 2,2 bilhões. Em entrevista coletiva Pedro Parente explica “Conversamos com a área técnica do TCU e trata-se de parceria estratégica e não desinvestimento”. (Valor, 2016)
Ficamos assim, desinvestimento não é privatização e parceria estratégica não é desinvestimento? É evidente que o resultado da parceria é a privatização sem respeitar as regras estabelecidas com o TCU. (Bercovici & Coutinho, 2018)
Os procedimentos de privatização foram questionados em liminares dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministro Ricardo Lewandowsky determinou que para alienar o controle de empresas estatais é necessário que haja amparo legal aprovado pelo Congresso, além da realização de licitação pública.
“A decisão liminar do Ministro Ricardo Lewandowsky tomada no último dia 27 de junho restaura a legalidade violada inúmeras vezes desde 2016 por um processo de desmonte e entrega de ativos públicos patrocinado pelo atual governo sem qualquer fundamento constitucional...
... a decisão liminar ... determina que qualquer alienação de ações que implique perda do controle público sobre as empresas estatais só pode ser efetuada mediante prévia aprovação de lei e por meio de licitação pública restaura a legalidade violada inúmeras vezes desde 2016 por um processo de desmonte e entrega de ativos públicos patrocinado pelo atual governo sem qualquer fundamento constitucional” (Bercovici G. , 2018).
O Ministro Marco Aurélio Mello suspendeu a eficácia do decreto 9355/2018, através do qual o presidente Michel Temer liberou a Petrobrás fazer compras e assinar contratos sem licitação. O decreto, de abril deste ano, permitia que a estatal vendesse, por exemplo, blocos de petróleo para outras empresas sem necessidade de fazer licitação.
Política de preços que prejudica a Petrobrás e os consumidores
A Petrobrás adotou nova política de preços dos combustíveis, desde outubro de 2016, a partir de então foram praticados preços mais altos que viabilizaram a importação por concorrentes. A estatal perdeu mercado e a ociosidade de suas refinarias chegou a um quarto da capacidade instalada.
A exportação de petróleo cru disparou, enquanto a importação de derivados bateu recordes. A importação de diesel se multiplicou por 1,8 desde 2015, dos EUA por 3,6. O diesel importado dos EUA que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou 80% do total importado pelo Brasil. (AEPET, Nota sobre a política de preços da Petrobrás, 2018)
Essa política prejudicou aos consumidores e à Petrobrás, e culminou com a greve dos caminhoneiros. A greve trouxe prejuízos de R$ 15 bilhões à economia brasileira, o governo federal adotou programa de redução de impostos e subvenção aos produtores e importadores de diesel de R$ 13,5 bilhões até o final de 2018. (Coutinho, Política de preços da gasolina prejudica consumidor e Petrobras, 2018)
Somente a Petrobrás consegue suprir o mercado doméstico de derivados com preços abaixo do mercado internacional e, ainda assim, obter níveis de lucro compatíveis com a indústria, para sustentar uma elevada curva de investimentos, que contribuem diretamente com aumento da renda e dos empregos no país. (Coutinho, Refino e Política de Preços da Petrobras, alerta aos presidenciáveis, 2018)
Petrobrás: a maior vítima de “fake news”
Quem pensa que a Petrobrás está quebrada, que a produção do pré-sal é lenta, que o pré-sal é um mico e não tem valor ou que a exportação de petróleo por multinacionais pode desenvolver o Brasil, está sendo enganado. É vítima da ignorância promovida pelos empresários da comunicação, políticos e executivos a serviço das multinacionais do petróleo e dos bancos. (Coutinho F. , A construção da ignorancia sobre a Petrobrás, 2017)
Revelamos as principais mentiras e falácias que são difundidas sobre a Petrobrás: 1) a falácia da Petrobrás quebrada, 2) do “prejuízo” pelos preços baixos ao consumidor entre 2011 e 2014, 3) dos “maus investimentos” e da corrupção que teriam quebrado a companhia, 4) da suposta incapacidade de investir e de exercer o direito de operadora única no pré-sal, 5) da pretensa necessidade de privatizar ativos, alienar acumulações de petróleo e ceder direitos no pré-sal, como na cessão onerosa, para reduzir alavancagem no curto prazo, 6) e do falso monopólio da Petrobrás no Refino, além de outras. (Coutinho & Bercovici, Petrobras é a maior vítima de “Fake News” da História do Brasil, 2018)
Propostas da AEPET aos candidatos de 2018
O programa setorial apresentou diagnóstico e propostas para o setor do petróleo, gás natural e energia no sentido de assegurar a Soberania e promover o Desenvolvimento Nacional. Nossa Associação considerou oportuno apresentar estas análises à sociedade e aos candidatos das Eleições Gerais de 2018, não se trata de uma revelação dogmática, ou de pontos de vista inflexíveis, representa a consolidação da nossa experiência e pontos de vista, que apresentamos para franco e aberto debate com os brasileiros.
Propomos: 1) reversão da privatização dos ativos estratégicos e geradores de receita da Petrobrás, 2) alteração da política de preços da Petrobrás, 3) desenvolvimento da política de conteúdo local, 4) contratação direta da Petrobrás para a produção do petróleo Excedente da Cessão Onerosa, 5) assegurar o direito da Petrobrás como operadora única do pré-sal, 6) revisão do planejamento estratégico e da política de distribuição de dividendos da Petrobrás, 7) controle e limitação da exportação de petróleo, 8) revisão dos subsídios concedidos às petroleiras e da legislação que impacta estatais brasileiras, 9) estabelecimento de políticas públicas para a distribuição da renda petroleira e 10) recompra das ações da Petrobrás negociadas na Bolsa de Nova Iorque. (Coutinho, Petróleo e energia para o desenvolvimento soberano do Brasil, 2018)
Velocidade da produção do pré-sal e disputa pelo petróleo da Cessão Onerosa e seu Excedente
Qual a velocidade ideal para a produção do petróleo brasileiro? Qual a capacidade da Petrobrás para investir na produção e agregação de valor ao petróleo cru brasileiro?
O Estado de S. Paulo informa que o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que seu governo poderá vender áreas da Petrobrás e buscar parcerias para a empresa manter o calendário de investimentos. “A Petrobrás não tem mais capacidade de investir, então tem que buscar fazer parcerias e vender algumas áreas”, disse Bolsonaro. O presidente eleito afirmou ainda que pretende manter o calendário de leilões de blocos de petróleo em seu futuro governo.
Os combustíveis de origem fóssil – petróleo, gás natural e carvão - respondem por 85% da matriz energética mundial. Apesar do aumento da importância relativa dos renováveis, ainda são pouco relevantes na partilha total, representam 4% (BP Energy Outlook 2018). Os custos mais elevados para a produção do petróleo não convencional e dos renováveis, além da natureza intermitente da produção das energias eólica e solar, representam severa restrição ao aumento da produtividade e do crescimento econômico mundiais.
Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por meio de multinacionais estrangeiras. Nenhum país, continental e populoso como o Brasil, se desenvolveu exportando matérias primas de baixo valor agregado.
Existe forte correlação entre o crescimento econômico e o desenvolvimento humano (IDH) com o consumo de energia.
Para alcançar alto desenvolvimento humano, o Brasil precisa aumentar, e muito, o consumo de energia. Estima-se o aumento de cinco vezes no consumo de energia primária, para que nossa população atinja padrões de vida noruegueses. O cálculo não considera o aumento da população. Seriam necessários quase 10 milhões de barris de petróleo por dia.
No período Dilma Rousseff, com o 1º leilão da partilha e a cessão onerosa, a Petrobrás detinha 60% das reservas recuperáveis sob estes dois regimes. As multinacionais privadas (Shell e Total) alcançavam 26,7% e as empresas estatais chinesas 13,3% de um total estimado em 15 bilhões de barris de petróleo equivalente (boe).
Nos quatro leilões de partilha durante o governo Temer, as multinacionais privadas, International Oil Companies (IOCs), aumentaram significativamente suas reservas no pré-sal. Neste período, a Petrobrás garantiu acesso a apenas 17,4% do volume leiloado. Sendo o restante do volume distribuído da seguinte forma: empresas estrangeiras privadas (Shell, BP, Total, ExxonMobil, Chevron e Petrogal) alcançaram 54,7%, a estatal norueguesa (Equinor, ex Statoil) ficou com 10,9%, as estatais chinesas com 9,8%, a estatal colombiana 4,1% e a estatal do Catar 3% do volume total estimado (e riscado) como recuperável de 12,21 bilhões boe.
Considerando os cinco leilões e a cessão onerosa a Petrobrás tem 41%, enquanto as empresas estrangeiras, privadas e estatais, têm acesso a 59% do total volume estimado de 27,21 bilhões de boe.
Caso o Projeto de Lei PLC nº 78, de 2018, que altera a Lei nº 12.276/2010 e possibilita a privatização de até 70% dos 5 bilhões de boe da Petrobrás, na Cessão Onerosa, seja aprovado, e se a Petrobrás decida alienar os 3,5 bilhões de boe (70% dos 5 bilhões) aos quais tem direito de produzir, a sua participação relativa no pré-sal, sob os regimes de partilha e Cessão Onerosa, cairá de 41% para apenas 28%, enquanto as companhias estrangeiras aumentariam sua participação de 59% para 72% do total estimado de 27,21 bilhões do boe, fragilizando a garantia de abastecimento nacional.
O texto original do PLC nº 78 de 2018, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia, foi alterado para permitir a licitação dos excedentes da cessão onerosa, que podem chegar a 15 bilhões de barris. O leilão dos excedentes contraria decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que determinou que o Excedente da Cessão Onerosa seria outorgado por Partilha para a Petrobrás (100%). Tal resolução, além de garantir a segurança energética nacional e o fortalecimento da estatal, visou evitar conflito técnico na operação e produção das reservas contíguas da Cessão Onerosa e seu Excedente.
O Brasil se tornou exportador líquido de cerca de 650.000 barris de óleo equivalente por dia em 2018. Situação preocupante, considerando-se o baixo consumo de energia per capita do país e sua correlação com o crescimento econômico e o desenvolvimento humano.
O pré-sal já responde por mais de 50% da produção nacional. Em dez anos, alcançou mais de 1,5 milhão de barris equivalentes por dia, patamar alcançado em 50 anos de produção no Mar do Norte.
É necessário limitar a exportação de petróleo cru e diminuir a velocidade dos leilões porque se está alienando recurso estratégico para exportação por multinacionais estrangeiras. Esta alternativa não viabiliza o desenvolvimento da economia nacional.
O modelo de negócios da Petrobrás deve ser diferente daquele adotado pelas multinacionais (IOCs) e que resultaram em rotundo fracasso. Ao invés de mirar na agregação de valor para o acionista no curto prazo, deve objetivar a segurança energética e alimentar brasileiras. Deve-se viabilizar a transformação do petróleo em produtos com maior valor agregado.
Produzir o petróleo na medida do nosso desenvolvimento, para consumo interno em resposta a tantas necessidades não atendidas. Restringir a exportação aos derivados de maior valor, de forma cuidadosa, planejada e responsável. Utilizar a renda petroleira para levantar a infraestrutura para a produção dos biocombustíveis e das energias renováveis.
O modelo deve preservar:
1) a integridade corporativa da companhia, para mitigar os riscos da variação dos preços internacionais e garantir geração de caixa;
2) o mercado interno, praticamente cativo, grande e com potencial de crescimento;
3) o direito à operação única no pré-sal, com tantas vantagens que não cabe aqui detalhar e suas tecnologias.
São vantagens estratégicas corporativas, mas também nacionais, o que não ocorre com nenhuma das empresas estrangeiras cujos objetivos são resultados financeiros de curto prazo, para as privadas, e os interesses estratégicos de seus países, para as estatais. (AEPET, Velocidade da produção do pré-sal e capacidade de investimento da Petrobras, 2018)
Conclusão
Chega de hipocrisia. O petróleo e a Petrobrás são do Brasil e dos brasileiros.
Felipe Coutinho é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)