Explicando a política de petróleo e gás (1)
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- Felipe Coutinho
- 28/05/2019
As refinarias, dutos, terminais e distribuidora da Petrobrás são indispensáveis para garantir a segurança nacional. Até a criação do Conselho Nacional de Petróleo (CNP) - Decreto-Lei n° 395, de 29 de abril de 1938 - os combustíveis no Brasil dependiam da avaliação de oportunidade e da lucratividade pelas petroleiras estrangeiras.
“Em abril de 1938, o General Pedro Aurélio de Góes Monteiro reassumiu o cargo de Chefe do Estado Maior do Exército. Um Estado Maior deve fazer planos de guerra, por mais impossíveis que sejam, para que, em caso de necessidade, estes já estejam prontos. Descobriu que o órgão não tinha plano algum. Decepcionado pegou um papel e rabiscou o que queria, plano de mobilização, de transporte, de informações etc. Tudo para já.
Uma semana depois seu subordinado, General Júlio Caetano Horta Barbosa, lhe trouxe a informação: o Brasil não tinha gasolina sequer para oito dias de guerra. Abismado, Góes Monteiro convocou o General Horta Barbosa para baterem à porta do presidente Getúlio. Denunciaram o caso, e naquela reunião decidiu-se a criação de um novo órgão, o Conselho Nacional do Petróleo. Para seu primeiro chefe foi designado Horta Barbosa, veterano de Canudos.
Ele realizou estudos, visitou a primeira refinaria estatal sul-americana, no Uruguai. E depois de quinze anos de muita luta política surgiu uma empresa estatal que virtualmente monopolizava o petróleo no Brasil.
Mas é importante não esquecer o que deu origem à Petrobrás: necessidades militares e estratégicas, mais do que econômicas” (extraído de Claudio Oliveira, “Em defesa da Indústria Integrada: A Petrobrás no Refino e na Distribuição”, inédito).
As refinarias, dutos, terminais e a distribuidora da Petrobrás são indispensáveis para garantir bons resultados empresariais diante da inevitável variação dos preços do petróleo e da taxa de câmbio. No caso da atual direção da Petrobrás privatizar refinarias e a infraestrutura do abastecimento haverá grave redução na capacidade de geração de caixa e de realização de investimentos da companhia.
O fluxo de caixa da empresa será mais volátil e aumentará o grau de risco associado, fato que aumentará o custo de captação de recursos de terceiros. No mesmo sentido, será prejudicada a capacidade de administração da dívida e reduzido o montante do pagamento de impostos. Em suma, a empresa será enfraquecida e será reduzida substancialmente sua contribuição para com a economia brasileira, em favor do capital privado e estrangeiro.
Inconsistência do projeto neoliberal para Petrobrás
Segundo a Reuters, o atual presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, sinaliza novo programa e ainda mais ousado para venda de refinarias. Segundo a matéria, o executivo afirmou que "Não pretendemos nos prender a um programa tímido, (como por exemplo) vender 60 por cento de 'clusters'... restringir compradores. Qualquer um pode entrar". (Reuters, 2019)
O mercado dos combustíveis é aberto e competitivo
Desde 1997, não há monopólio no segmento de refino exercido pela Petrobrás. O mercado brasileiro é aberto e competitivo. De acordo com a ANP, existem 18 refinarias em operação no Brasil, das quais 14 pertencem à Petrobrás.
A alegação de que existe “monopólio de fato” no setor de refino do Brasil, implicaria na possibilidade da Petrobrás praticar preços acima do nível competitivo e, mesmo assim, não incorrer em perda de mercado (market share). Essa hipótese é falsa, conforme mostram os dados de perda de participação no mercado da Petrobrás nos anos de 2016 e 2017, quando a empresa perdeu parcela significativa do mercado de diesel (acima de 20%, ou 200 mil barris diários) para refinarias estadunidenses, localizadas no Golfo do México, ao praticar preços acima da paridade de importação (PPI), de acordo com a política de preços iniciada pelo então presidente Pedro Parente.
O aumento expressivo da ociosidade do parque de refino brasileiro em 2017 e no primeiro trimestre de 2018 (quando se aproximou de 30%), de acordo com o balanço trimestral da Petrobrás, também comprova a nulidade do conceito de “monopólio de fato” no refino do Brasil, uma vez que mostra a incapacidade da Petrobrás sustentar preços acima da PPI sem perda de market share. Tal fato revela um outro conceito econômico associado à estrutura de mercado denominada monopólio, o do mercado relevante.
Ao se verificar que a concorrência de um mercado baseado em uma commodity, como a gasolina e o diesel, acontece entre empresas situadas em uma região mais ampla que as fronteiras de um país, deve-se ampliar o mercado relevante na qual se insere a análise do monopolista hipotético. Nesse caso, deve-se ampliar para a Bacia do Atlântico, onde se situam as principais concorrentes da Petrobrás, sobre o mercado brasileiro de derivados.
Por outro lado, existem outras refinarias privadas operando no país, que podem ampliar sua capacidade, de acordo com seu apetite de assumir riscos de investimento, assim como a Petrobrás fez, com objetivo de atender ao crescimento do mercado nacional de combustíveis.
Obrigar a Petrobrás a se desfazer de seus ativos em favor de empresas privadas representa uma ação contra a natureza de uma companhia de petróleo, cujo valor da integração é um dos principais pilares de sucesso, em uma indústria que precisa superar muitos desafios para se manter forte e resiliente, com capacidade de investir para encontrar, produzir e agregar valor ao petróleo cru.
Destaca-se também o valor da integração na contribuição de diluição de riscos associados à volatilidade do preço do petróleo e do câmbio. Mas, além de tudo, é uma agressão à Petrobrás que assumiu riscos ao realizar investimentos de longa maturação, como as refinarias.
Entregar refinarias ao setor privado irá enfraquecer a Petrobrás, em um movimento na contramão da indústria, em um contexto onde as empresas internacionais de petróleo (IOC) retomaram os investimentos no parque de refino mundial e, notadamente, as empresas nacionais de petróleo (NOC), que estão se fortalecendo em todo o mundo, inclusive através da expansão e integração da capacidade de refino com a petroquímica, a exemplo dos países da Ásia (China, Índia, Indonésia, Malásia), da Rússia (Rosneft e Gazprom) e do Oriente Médio (SaudiAramco).
A Figura 1 mostra que a lucratividade do E&P das maiores petrolíferas internacionais privadas (IOC) está quase que diretamente correlacionada com o preço do petróleo, enquanto a lucratividade do refino aumentou quando os preços do Brent caíram para níveis moderados (em torno de US$ 50/ barril), nos anos de 2015, 2016 e no primeiro semestre de 2017.
Figura 1: Lucro operacional do E&P e do Refino das 5 maiores empresas internacionais de petróleo do mundo (IOC – Exxon, Shell, BP, Chevron e Total). Fonte: EvaluateEnergy, 2019
Figura 2: Evolução da integração vertical na cadeia das 5 maiores empresas estatais de petróleo do mundo (SaudiAramco, NIOC, CNPC, Rosneft, Gazprom) Fonte: PIW, 2018
A Figura 2 mostra que a capacidade de refino foi o elo da cadeia que respondeu pelo maior incremento de capacidade, de 5 milhões barris diários, indicando que a integração vertical continua sendo uma estratégia de agregação de valor para as maiores petroleiras estatais (NOC) que possuem livre acesso às reservas de petróleo em seus países.
Conclusão
A integração vertical e os ativos do refino, logística, transporte e distribuição são fundamentais para garantir os resultados corporativos da Petrobrás, assim como para evitar que o país retorne à dependência do capital estrangeiro como ocorreu no setor até 1937. São os ativos do Abastecimento que garantem a geração de caixa nos períodos de valorização do Dólar, desvalorização do Real e do petróleo no mercado internacional.
A geração de caixa, medida pelo EBITDA ajustado, permite que a companhia disponha de recursos para seus investimentos para repor a exaustão das reservas de petróleo e para agregar valor ao petróleo cru, além dos investimentos para produção das energias potencialmente renováveis. A capacidade de gerar caixa, mesmo diante da queda do preço do petróleo e da desvalorização do Real, é fundamental para a administração da dívida da companhia, assim como para o pagamento dos impostos ao Estado Nacional e seus entes federados.
Privatizar as refinarias, terminais, bases logísticas e a distribuidora da Petrobrás é condenar a companhia a ter resultados empresariais débeis diante das inevitáveis variações cambiais e do preço internacional do petróleo e colocar o Brasil sem autonomia para o transporte de seus habitantes e mercadorias, em prejuízo à produtividade da nossa força de trabalho e às operações das instituições e empresas nacionais.
A privatização dos ativos de abastecimento e distribuição que pode auferir recursos no curto prazo compromete definitivamente os resultados futuros da Nação e da Petrobrás e nos expõe, os brasileiros, a riscos desnecessários, na contramão da integração vertical adotada pelas maiores companhias privadas e estatais internacionais.
A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora traz prejuízos muito mais graves à resiliência e sobrevivência da Petrobrás, com preços relativamente baixos de petróleo, do que possíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da possível antecipação da redução da dívida.
Felipe Coutinho é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.