O Pancadão Da Economia
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- José Martins
- 20/12/2019
Por querer ou sem querer, pouco importa, ainda existe gente que consegue afirmar alguma coisa inteligente no Congresso Nacional. A senadora Simone Tebet, por exemplo, presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Em recente entrevista a conhecido jornal do sistema, ela enquadra perfeitamente o futuro do atual governo: “se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.
Bingo. Os ultracapitalistas empresários brasileiros sabem mais do que ninguém que seu futuro depende da economia. E sentem no fantasma cada vez mais real da depressão que se aproxima que seu futuro de classe dominante está mais ameaçado do que nunca. Basta ver como este futuro se descortina nos números do IBGE publicados nesta semana medindo o Pibinho do 3º trimestre do ano.
O PIB cresceu à taxa fantasticamente baixa de 0,6% no período! Vergonhosa taxa. Insignificante. A estagnação continua. Inabalável. Os empresários e seu incompetente governo continuam mais incapazes do que nunca para fazer a economia retomar o crescimento.
Os números do IBGE mostram que a taxa de investimento da economia continua em níveis depressivos. No terceiro trimestre de 2019 foi de 16,3% do PIB, a mesma que foi observada no mesmo período do ano anterior (16,3%). Inabalável. O mesmo acontece com a taxa de poupança: 13,5% no terceiro trimestre de 2019, ante 13,1% no mesmo período de 2018.
O ilusório “crescimento na indústria” apontado pelo IBGE se deve à acidental expansão de 12% no setor extrativo, puxado pelo crescimento da extração de petróleo, e de 1,3% na construção. Já os ramos industriais que realmente determinam a dinâmica da economia caíram fortemente.
Vejam a estratégica indústria de transformação, a mais importante da economia, em termos qualitativos. É ela que determina toda a dinâmica da economia. Caiu 1% no 3º trimestre. E os igualmente importantes setores industriais das utilidades públicas (eletricidade, gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos, etc.) recuaram 0,9%. Também recuaram atividades produtivas de transporte, armazenagem e correio. Tudo de acordo, repita-se, com os próprios números divulgados pelo IBGE.
Em resumo, o PIB só cresceu nas atividades improdutivas da economia. Mesmo assim residualmente, diga-se de passagem. Nos chamados serviços, por exemplo, os resultados positivos foram puxados pelas atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (1,2%), comércio (1,1%), informação e comunicação (1,1%), atividades imobiliárias (0,3%) e outras atividades de serviços (0,1%). Apresentaram recuo administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (-0,6%).
O que querem dizer estes números de uma porca economia? Que o desemprego continuará nos indecentes níveis atuais. Que a qualidade dos novos empregos (com os criminosos “informais”, “intermitentes” etc.) continuará sendo brutalmente rebaixada. Que os trabalhadores que conseguirem emprego serão obrigados a vender sua força de trabalho por um salário de fome. Serão obrigados a aceitar condições de trabalho a que nem os animais de carga são submetidos.
A estagnação econômica é utilizada pelos capitalistas para aumentar a exploração dos trabalhadores. A situação da produção social e da maioria absoluta da população continuará piorando. A miséria aumentando. A chapa da vida social esquentando.
Enquanto isso, as classes dominantes procurando se equilibrar nesta base material que eles criaram e que, contraditoriamente, puxa cada vez mais o tapete da sua própria governabilidade. Precaríssima governabilidade. É isso que preocupa a pragmática senadora Simone Tebet, enquanto zelosa representante da maçonaria das classes dominantes nacionais e imperialistas.
Mas, frente aos números do IBGE, os empresários e seu governo não perdem a pose de que eles estão no caminho certo. E desfiam novamente abominável embromação midiática sobre a opinião pública. Como fazem trimestralmente, anualmente, a cada divulgação de mais um Pibinho que nunca sai do lugar.
Normalíssimo. Já está todo mundo acostumado a esse lero do sistema. Assim, nesta repetitiva e monótona ópera bufa, o novo “o PIB surpreendeu positivamente”. Como, aliás, já tinha “surpreendido positivamente” no 2º trimestre. E no 1º trimestre, e assim por todos os demais depressivos anos e trimestres passados.
Qual o roteiro? Simples. Ao invés dos esperados 0,4% de crescimento no 3º trimestre, que havia sido previsto pelo Relatório Focus, do Banco Central, o PIB cresceu 0,6%! Estourem os champanhes, o PIB cresceu mais do que o previsto!
O que interessa nesta enrolação federal não é o fato de continuar sendo uma merreca de Pibinho, mas sim a ínfima diferença entre o previsto pelo Focus e o realizado pelo IBGE. Mesmo que as duas coisas sejam comparativamente a mesma coisa. Miseravelmente a mesma coisa.
Assim, só porque o PIB do trimestre cresceu míseros 0,2 pontos percentuais acima do igualmente miserável crescimento previsto pelo Relatório Focus, este “desempenho mais positivo da economia brasileira” no último trimestre impulsionou revisões para as estimativas de crescimento de 2019 e 2020 que também subiram dois ou três décimos de ponto percentual.
O obsceno presidente da República, face mais bem acabada de uma classe dominante completamente desprovida de caráter, comemorou a boa notícia com claro sentimento de alívio. “Veio em boa hora”, comentou para jornalistas instalados na porta do Palácio da Alvorada.
No Twiter, como um autêntico Donald Trump das milícias cariocas e terraplanista de carteirinha, Boçalnaro aproveitou a “aceleração do crescimento da economia nacional” para afirmar que “o Brasil está se recuperando, após estar à beira de um colapso nas mãos da esquerda”.
Por seu lado, o ministro Paulo “AI-5” Guedes preferiu não se manifestar a respeito do milagroso PIB do terceiro trimestre. Mas, provavelmente, ficou até mais aliviado com o desempenho da banda de música da mídia e dos comentaristas econômicos que seu amado presidente.
Afinal, para este vírus obscurus, como para qualquer ministro da Fazenda (ou Economia) desta triste economia dominada ao sul do equador, fazer o bolo da economia crescer – mesmo que apenas na Bolsa de Valores e nos noticiários da Globo, Folha, Estadão etc. – será sempre a garantia de emprego, prestígio e oceanos de dinheiro com falcatruas em privatizações, capitalizações, fundos de pensão, inside information [informação privilegiada] e outras inesgotáveis mutretas público-privadas.
Os 0,2 adicionais de PIB divulgados nesta semana por certo não são suficientes para garantir definitivamente a permanência desta estranha criatura e de sua agenda pinochetista de “responsabilidade fiscal” até o final do governo Boçalnaro.
Mesmo porque o “teste do crescimento do bolo” de fato relevante ocorrerá no próximo ano. De todo modo, a “surpresa positiva do PIB” ocorrida nesta semana é um reforço providencial para a sua permanência e a continuidade de sua agenda que tanto enche os cofres da classe empresarial brasileira.
Nunca a economia foi tão flagrantemente política. Se ao invés dos 0,2 “a mais”, o IBGE tivesse registrado 0,2 “a menos”, renovadas especulações sobre a fritura deste anão ministro da Economia (e do seu igualmente precário presidente) provavelmente já estariam circulando mais fortemente por aí. E a inteligente previsão da senadora da República estaria mais próxima de ser realizada.
José Martins é economista e editor de Crítica da Economia, onde o artigo foi originalmente publicado.