Correio da Cidadania

A crise do COVID e a disputa por compensações no confuso setor elétrico brasileiro

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O consumidor brasileiro precisa ficar atento a “truques” que tentam convencer que a tarifa de eletricidade brasileira não é assim tão cara. Um desses truques, que já foi usado seguidamente por aqueles que defendem seus interesses empresariais, é a comparação de preços via câmbio de moedas.

Se o consumidor aceita essa tese, de maio de 2019 até hoje, sua tarifa de energia se reduziu em 34%, pois essa foi a desvalorização do real em relação ao dólar. Evidentemente, é um grande engano.

Portanto, para saber se a tarifa brasileira é cara ou não, é necessária uma metodologia que compare o preço do kWh em relação a outros produtos e serviços de cada país. O método é denominado PPP, Paridade do Poder de Compra (Power Purchase Parity) e a Agência Internacional de Energia faz essa análise em alguns anos.

No gráfico abaixo: a barra azul escura mostra a tarifa em US$ e a azul clara a tarifa PPP. É evidente que, desde 2017, o Brasil é o 3º mais caro. Considerando a origem renovável de sua energia, a colocação brasileira é um espanto, pois, em termos de comparação com o sistema físico, o Canadá é o mais parecido e paga a metade!


https://iea.blob.core.windows.net/assets/567bac7c-5b6f-4aab-8e88-90af3e464d97/World_Energy_Prices_2019_Overview.pdf 

Segundo dados da ANEEL, a receita aproximada das distribuidoras atinge R$ 190 bilhões. Se, com a atual crise, a queda do consumo total atingir 20%, a perda de receita pode chegar a R$ 38 bilhões.

Evidentemente, como era de se esperar, as empresas distribuidoras e geradoras já começaram a reivindicar uma ajuda do governo. Seja através de transferência de encargos destinados a outros problemas, seja por aporte do tesouro, seja por empréstimos bancários, a conta final irá desaguar no bolso das famílias brasileiras.

Apesar da origem da atual crise não ser originada no setor, como foi a crise do racionamento de 2001, não há como não fazer a comparação. A grande semelhança é a imensa sobra de energia que pode surgir. Por exclusiva singularidade brasileira, ela vai causar grandes perdas e grandes ganhos, e num momento onde se discute como compensar danos, é preciso estar atento aos grandes ganhos que surgem nesses momentos de sobra de um insumo essencial como a energia.

O Gráfico abaixo mostra o que ocorreu no período 1995 – 2017.



É possível perceber que cerca de 5.000 MW médios (cerca de 15% da carga média de 2000) “desapareceram” da demanda.

O que precisamos debater com as autoridades que comandam a atual situação é: que semelhanças existem entre essas duas conjunturas?

As soluções adotadas naquela época dificilmente poderão ser seguidas, pois, em função do desequilíbrio econômico financeiro das distribuidoras (que tinham sido recém-privatizadas) envolveram aumentos tarifários que ultrapassaram 30% (ver tabela abaixo). Dada o atual nível de preços, qualquer solução que implique em mais custos para o consumidor será um desastre.

Como já mostramos dezenas de vezes, o sistema brasileiro é singular e apresenta situações incomuns. Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, o preço pago pelo kWh ao longo do tempo não foi o mesmo para todos.

Desde a reforma de 1995, existem dois ambientes de mercado. O mercado cativo das distribuidoras e o mercado livre que agrega grandes consumidores, produtores independentes e comercializadores. Apenas quem precisa de no mínimo 500 KW de capacidade pode participar. Para se ter uma ideia da quantidade de energia, isso pode significar até 300 MWh/mês, mais de 2.000 vezes o consumo médio residencial brasileiro.

Mas, agora vem o detalhe que poucos conhecem. O gráfico abaixo é a evolução de uma grandeza denominada PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) e é, segundo os próprios participantes desse mercado livre, uma referência para os acertos entre geradores, comercializadores e consumidores.

O que é singular é que esse PLD é praticamente igual ao CMO. O que é o CMO? É o custo marginal de operação, um custo definido pelo operador do sistema (ONS) que não participa desse mercado. Sublinhamos essa singularidade: O PLD é influenciado pelo CMO, uma visão de custo do operador do sistema, que nada tem a ver com relações comerciais.

O gráfico abaixo mostra as duas grandezas e as diferenças que se percebem em 2014 e 2015 foram devidas a limitações arbitrárias impostas ao PLD.

Fonte: ONS e CCEE
Reparem no gráfico seguinte que, por um longo período, esse preço permaneceu abaixo de R$ 100/MWh, hoje, 1/3 do que paga uma família apenas pela energia.


Fonte: CCEE

Mas, que significado tem R$ 100/MWh? Nenhum. Foi apenas um número escolhido para se analisar o seu comportamento.

O valor que tem algum sentido é o custo marginal de expansão (CME), pois o critério de equilíbrio entre oferta e demanda adotado no Brasil é o de que haja igualdade entre o CMO médio e o CME. Ou seja, se operar fica caro, é preciso expandir a oferta.

Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o CME está no entorno de R$ 232/MWh. O gráfico abaixo mostra os meses onde essa referência de preço esteve abaixo de R$ 232/MWh, ainda um valor mais barato do que paga um consumidor residencial! Para facilitar, adotamos R$ 232 como se fosse o zero para facilitar a visualização desses períodos - http://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-423/topico-482/NT_CME_EPE_DEE-NT-057_2019-r0.pdf



Fonte: CCEE

A própria ABRACEL (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Livre) admite e expõe a vantagem histórica do mercado livre numa publicação onde se estima uma redução de custos de R$ 200 bilhões.

Fonte: ABRACEEL https://abraceel.com.br/ 

Bem, se há indícios de que o mercado livre tem a oportunidade de adquirir energia bem mais barata do que o consumidor cativo, é possível saber como?

Em parte, a razão da energia mais barata está na existência de subsídios para os chamados consumidores especiais que contratam energia de fontes renováveis. Mas, em relação à oscilação do PLD, é possível saber quem compra de quem, por quanto e por que prazo?

Resposta: Os contratos são considerados estratégicos e não estão abertos ao conhecimento do público. Mas, então, não se pode saber nada?

O que é possível saber para alguns anos é como se comporta o mercado livre em certas situações favoráveis, por exemplo, quando a hidrologia fornece água à vontade para gerar muita hidroeletricidade.

O gráfico abaixo mostra as energias naturais (das afluências) para os anos do histórico. Do mais seco ao mais úmido. Nele está marcada uma sequência de anos 2011, 2012, 2013 e 2014. O ano de 2011 apresentou uma hidrologia excepcional quando o PLD se reduziu bastante.

O que se pode saber é quantos contratos tiveram prazo mensal, quanto se pagou por essa energia e qual o volume de energia transacionada mês a mês.