Privatizar Eletrobrás agravará desindustrialização do Brasil
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- Joaquim Francisco de Carvalho
- 26/06/2020
Em 2018 a Eletrobrás apresentou um lucro líquido de R$ 13,3 bilhões, mas o seu presidente anuncia que a empresa será privatizada em 2021, argumentando que se trata de uma das medidas para combater o coronavirus. Ele não teme o ridículo.
O ministro Paulo Guedes, por sua vez, pressiona o Congresso para adiantar essa privatização já para 2020, não se sabe por quê.
O programa de privatizações do sistema elétrico em larga escala começou no governo FHC e, hoje, o sistema é majoritariamente privado.
Só no segmento de geração de energia, cerca de 60% dos ativos estão privatizados. Parte das linhas de transmissão e as principais distribuidoras também foram privatizadas.
Argumentando a favor daquele programa, dizia-se que o governo carecia de recursos para investir no sistema elétrico, assim, era a iniciativa privada que deveria fazê-lo.
Dizia-se também que no ambiente competitivo do mercado, as tarifas ficariam mais baratas.
Ocorre que os novos controladores das antigas estatais pouco investiram, optando por elevar tarifas para maximizar lucros. Foi a Eletrobrás que continuou investindo na expansão do sistema.
Entre 1996 e 2017 as tarifas de eletricidade para o setor residencial subiram mais de 68% e as do setor industrial subiram cerca de 130%, acima da inflação, levando à falência inúmeras indústrias eletrointensivas e desempregando dezenas engenheiros e centenas de operários qualificados.
Enfim, aquela quase completa privatização do sistema elétrico resultou num grande fiasco. E, se a Eletrobrás também tivesse sido privatizada, o sistema não se teria expandido, nem mesmo para cobrir a atual demanda.
Acresce que, devido à inadequação do modelo criado com o objetivo (inatingível) de converter em commodity (mercadoria) um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobrás sofreu grandes prejuízos – prejuízos esses que corresponderam a lucros astronômicos para as comercializadoras e outros intermediários não produtivos.
E o governo enfraqueceu o controle que tinha sobre um instrumento estratégico para incentivar o desenvolvimento da Indústria.
Vê-se então que tarifas de eletricidade não devem ser usadas apenas para gerar lucros, mas para incentivar a indústria e beneficiar a sociedade.
Não é demais repetir que a energia elétrica constitui um monopólio natural, do qual dependem a indústria, o comércio, as comunicações, a conservação dos alimentos, etc.
A principal fonte primária do sistema elétrico brasileiro está nos rios e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado de outras, como o abastecimento de água, a navegação, a irrigação etc.
Tudo isto implica importantes despesas permanentes em preservação ambiental – e a experiência mostra que investidores privados não fazem tais despesas. Por isto, até nos Estados Unidos, onde o sistema elétrico é privado, as grandes hidrelétricas são públicas, pertencentes à Tennessee Valley Authority, à North Western Energy Company e ao U.S. Army Corps of Engineers. O intercâmbio entre as hidrelétricas pertencentes a essas empresas com a estatal canadense British Columbia Hydro é operado pela Bonneville Power Administration, que também é estatal.
Cumpre lembrar, aliás, que o Canadá, a Noruega, a Suécia, o Brasil e a Venezuela são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos, as hidrelétricas são estatais. Exceto a Venezuela, nenhum é socialista.
Na China e nos EUA as principais fontes primárias são o carvão e o gás natural, mas em ambos as hidrelétricas também são estatais. Se a Eletrobras for privatizada, o Brasil será o único país a vender suas hidrelétricas.
Os problemas do grupo Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) podem ser resolvidos isolando-o de influências políticas e submetendo-o a uma diretoria executiva comprovadamente idônea e tecnicamente capaz, subordinada a um conselho com poder de veto sobre decisões relativas a concorrências, contratações de pessoal, publicidade etc.
As hidrelétricas do grupo Eletrobrás têm idades em torno de 30 anos, portanto o capital investido já foi amortizado. Assim, o custo da energia nelas gerada compõem-se apenas de custos administrativos e operacionais; preservação ambiental, impostos, seguros etc., totalizando cerca de R$ 39/MWh.
Eliminando-se os intermediários não produtivos, esta energia poderia ser vendida diretamente às distribuidoras por uma tarifa de R$ 180/MWh. O grupo Eletrobrás responde por uma oferta de 170 milhões de MWh por ano, portanto, considerando o custo de R$ 39/MWh, o seu lucro pode chegar a 24 bilhões de reais por ano.
Em vez de abrir mão dessa fonte de recursos, o governo deveria reinvestir uma parte na própria expansão e modernização do sistema elétrico. Outra parte iria para o Tesouro Nacional, contribuído para cobrir o déficit público.
Se a Eletrobrás for privatizada, vai-se repetir o fiasco de forma agravada: altamente oligopolizada, a energia ficará mais cara, tarifas subirão ainda mais e, em vez de serem parcialmente reinvestidos na expansão e modernização do sistema elétrico, os lucros da Eletrobrás servirão para pagar juros abusivos aos bancos.
Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e doutor em ciências da energia pela USP, foi engenheiro da Cesp e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear).