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Um sintoma característico da crise geral (catastrófica) do capital é o número de óbitos de empresas no início da sua fase mais aguda. Isso está acontecendo no Brasil, como devidamente registrado em notícia publicada no dia 14 de julho pelo jornal O Estado de São Paulo:

“Crise faz número de falências dar salto de 71,3% em junho e especialistas calculam que vai piorar... O movimento está apenas no começo; deve se acelerar ao longo deste segundo semestre tanto no número de recuperações judiciais como no de falências”.

A recuperação judicial é a antiga concordata com outro nome. Representa a última chance da empresa se recuperar sem que a falência seja decretada, ou seja, sem que a companhia encerre definitivamente suas atividades. Confira no gráfico a evolução recente das falências e concordatas de empresas brasileiras.


Com a explosão da crise global no início deste ano ocorre uma explosão das falências e número mais ou menos estável das concordatas. Nota-se também que doze meses atrás (junho de 2019), muito antes da COVID-19 dar as caras, o índice de óbitos de empresas capitalistas já era muito elevado (468,8). Quase cinco vezes o índice médio de 2011=100. O índice de concordatas ainda era relativamente baixo.

Advogados de escritórios especializados em falências e concordatas confirmam que esta onda exacerbada de falências e de concordatas em 2020 “envolve empresas que já vinham tendo problemas financeiros antes da pandemia”. Porém, como a maioria dos economistas, não levam em conta todas as consequências deste fato.

Mas este fato é muito importante para quem se dedica a nada fácil tarefa de acompanhar o processo real da crise atual. Principalmente, neste exato momento, para ajudar a decifrar o grande enigma para todos os economistas do mundo: o que vem pela frente nos dois últimos e cruciais trimestres deste ano?

“O coronavírus foi a gota d’água para aquelas companhias que ainda tentavam se recuperar das crises de 2008 e 2014”, diz o sócio proprietário da DASA Advogados, Carlos Deneszczuk. Ele representa a rede de roupas masculinas Fatto a Mano, que entrou em concordata no fim do mês passado.

Com uma dívida de cerca de R$ 40 milhões, a Fatto a Mano já vinha sendo pressionada pelos credores quando praticamente perdeu todo o seu faturamento na quarentena. Para não fechar as portas em definitivo optou pela proteção judicial, diz seu defensor junto aos credores, que atualmente trabalha em outros oito novos pedidos de recuperação judicial. “No cenário atual, há perspectiva de quadruplicar o número de pedidos de recuperação até o fim do ano”, completa Deneszczuk.

Confira no gráfico abaixo como neste momento se reparte entre os setores econômicos este corrosivo processo de falências e concordatas no Brasil.

Nenhuma novidade no fato de que as pequenas empresas sejam as mais atingidas pelos abalos sísmicos que ocorrem religiosamente na dinâmica econômica capitalista. Sempre foi uma cláusula pétrea nas modernas crises do capital.

Coisa natural no regime capitalista que as pequenas empresas – exatamente as que também mais empregam força de trabalho – sejam mais direta e imediatamente atingidas.

Esta cláusula se deve ao fato que as pequenas empresas funcionam com composição orgânica do capital relativamente baixa. Muito inferior à média dos respectivos ramos de produção. Produtividade do trabalho muito baixa. Custo e preço de produção muito elevados. Juízo final: as sócias menos produtivas da franco-maçonaria capitalista serão as mais pesadamente punidas nos choques econômicos.

Entretanto, o mais importante a observar no gráfico acima é que o número de falências se reparte mais uniformemente entre os setores econômicos. Principalmente quando se compara os setores da Indústria e do Comércio.

É notável a uniformidade tanto das falências quanto das concordatas na Indústria e no Comércio. Isso se deve ao fato de que os fundamentos da dinâmica destes dois setores são muito próximos. Papéis semelhantes (não iguais) no processo de valorização do capital: são os dois únicos setores da economia que participam da formação da taxa geral de lucro da economia, embora só os ramos da indústria determinem a taxa de mais-valia (produtividade) do sistema.

É notável, também, ao contrário do que ocorre no setor Serviços, como as falências são proporcionalmente maiores que as concordatas nos setores da Indústria e do Comércio. As falências se impõem mais implacavelmente nestes dois últimos setores; o recurso da UTI da concordata é mais restrito.

Indústria e Comércio centralizam aproximadamente 60% das falências, frente a 40% dos Serviços. Entretanto, centralizam 40% das concordatas totais, frente a 60% dos Serviços. A coisa se inverte. Tem a ver com as diferenças orgânicas de setores da economia que acabamos de mencionar de passagem.

O que virá pela frente? Os advogados também procuram uma resposta. É bom ouvi-los. Afinal, são os socorristas de frente das UTIs das empresas mais infectadas pelo vírus do capital.

Flavio Galdino, do escritório Galdino & Coelho, por exemplo, afirma que em mais um mês e meio será possível saber melhor o que virá pela frente. “Na minha avaliação, a onda maior virá em setembro e outubro.”, diz ele.

Conta também que tem dado a recomendação aos clientes infectados pelo vírus do capital que o procuram para reequilibrar suas contas que é para esperar e não entrar agora em recuperação judicial.

Explica aos seus clientes que é preciso aproveitar que os bancos ainda não estão apertando muito e jogar um pouco para frente. “Além disso, não sabemos qual é a dívida total neste momento. Quando for entrar numa recuperação judicial, é preciso colocar todos os prejuízos”.

Para todos estes competentes advogados a saída da crise atual das empresas que eles procuram salvar também é uma incógnita. Ninguém sabe “quanto tempo vai demorar a voltar aos níveis pré-pandemia”.

O advogado Sergio Emerenciano, da Emerenciano, Baggio & Associados, lembra preocupadamente que algumas atividades já voltaram, mas as vendas continuam estagnadas. “As empresas estão funcionando, a dívida aumentou, mas o caixa não voltou”.

Emerenciano coloca o problema de maneira prática. É realmente a melhor maneira. Por isso, como pessoa bem informada, ele sabe também que não vale mais induzir o paciente a novo coma. Que agora é hora de enfrentar os fatos, a vida como ela é.

José Martins é economista e editor do Crítica da Economia, onde este artigo foi originalmente publicado.

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