O Ministério da Economia não responde
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- Roberto Pereira D’Araujo
- 18/06/2021
Senhores do Ministério da Economia,
O e-mail associado ao Sr. Diogo Mac Cord, secretário de privatização no site do Ministério, não funciona. Muito conveniente para quem foge do debate.
Fui citado pelo Sr. Diogo numa “live” do Senado declarando que sou “chefe” do Ilumina. Como parece que ele leu artigos escritos por mim, certamente não entendeu nada. Por isso me classifica como “chefe” da economista Clarisse, diretora do Instituto, num tom bastante agressivo.
Se possível, repassem essa mensagem ao secretário, pois gostaria de explicar e desenhar o que realmente tenho escrito.
• Em primeiro lugar, o senhor conhece a evolução do consumo do setor elétrico brasileiro?
O senhor conhece algum produto tão seguro como o kWh brasileiro para se investir? Praticamente uma reta ascendente. Aqui investe-se e vende-se o produto, certamente! Incrível os problemas que arrumamos com o domínio do setor privado!
• Talvez nunca tenha visto o gráfico abaixo, mas ele é simplesmente a distribuição de preços do CMO (custo marginal de operação) quando se simula o sistema para que CMO médio = Custo Marginal de Expansão. Veja, isso não é uma mera tecnicalidade! Esse é o mecanismo matemático por trás do critério de expansão do setor que o setor privado nunca reclamou! Muito pelo contrário. Esse é o critério de equilíbrio do sistema.
Vou explicar porque o desinteresse em “desmontar” essa regra: como a maioria dos CMOs ficam abaixo da média (barras verdes), um modelo que define o preço de referência PLD como uma repetição do CMO (como o mercado sempre quis), evidentemente, destrói a igualdade suposta, porque os agentes nesse nicho preferem não investir, pois podem se aproveitar de duas vantagens que geram preços baixos:
1. Sobras
2. Anos com grande afluência.
Portanto, esse mercado, apoiado pelo setor privado, gera a destruição do equilíbrio entre oferta e demanda, pois não participa da expansão da oferta. Quando inadimplências ocorrem com a explosão do preço, quanta judicialização!
Abaixo, a evolução do PLD (CMO) nas regiões Sudeste e Centro Oeste:
Já comparou esse comportamento com o Nordpool, por exemplo? Compare e veja se há alguma coisa semelhante.
Veja que, de 2002 até 2012, o mercado livre bateu o recorde mundial de energia barata. A ABRACEEL (comercializadores) diz para quem quiser ver, que economizou 220 bilhões para os clientes dos comercializadores. Por que não explicam como? Foram 10 anos! 30% da carga!
Por favor, cite usinas contratadas para serem construídas no mercado livre. Não vale contrato de longo prazo para usinas existentes. Não vale renováveis com subsídio pago pelos outros! Onde está a expansão para esses 30%? Ambiente privado!
Aqui está a razão dessa verdadeira Bolsa Megawatt para o setor privado.
Apesar dos dados até 2018, desse momento em diante, só piorou. Ou seja, o modelo privado mercantil, acha certo capturar as vantagens e, quando as hidráulicas dão déficit, o consumidor cativo, que não foi convidado para a festa do MWh (megawatt) barato, paga a conta. Veja: a sobra de geração não é relativa ao consumo, que se reduziu! Ela é uma sobra em relação a um certificado inventado pelo modelo privado mercantil. Hoje, o senhor, representante do capital privado como solução, acha normal esse comportamento “esperto” do capital?
Nunca vi o setor privado reclamar do excesso de geração acima da Garantia Física (GF). Aliás, não querem saber de mudanças na GF. A razão está no gráfico anterior.
• Abaixo, um resumo do que conseguimos com “a eficiente” participação do setor privado no Brasil.
• A termificação do setor! De 1995 até 2020, multiplicamos por 6 a capacidade térmica! Os eventos mais importantes estão assinalados.
A Engie, empresa privada que, com certeza, é muito bem vista pelo senhor, têm mais ativos comprados prontos do que ativos construídos por ela.
• De 164 Hidroelétricas, apenas 11% da potência foram construídas pelo setor privado sem parcerias. Não estou citando o BNDES!
• As SPEs (Sociedades de Propósito Específico) da Eletrobras, só em hidroelétricas, viabilizaram 22 gigawatts (GW)! Quase dois Itaipus! Por que o capital não fez sozinho? Como foi dividido o custo administrativo desses projetos?
• Quer dizer que a Eletrobras está “perdendo Market share”? Se ela é minoritária nas sociedades, o que o senhor esperava?
• E o leilão de 2008 que teve que ser feito justamente porque o mercado livre não investia? Sabia que contratou térmicas muito caras? O setor privado participou ativamente.
• Sabia que o Brasil já é o vice-campeão de tarifas segundo a Agência Internacional de Energia.
• E a energia de reserva que foi inventada para agradar o setor privado que não aceita mudar as GFs de suas usinas?
• O senhor sabia que o setor já é majoritariamente privado em todas as etapas. Se essa é a solução, por que tantos problemas?
• O senhor sabia que a Eletrobras tem um estatuto que, no capítulo, paragrafo 3º define que, caso ela atenda a políticas públicas que lhe causem prejuízos, ela teria que ser ressarcida pelo Tesouro? Posso citar quatro eventos que claramente deram vantagens ao setor privado, que ficou quietinho, e a Eletrobras não recebeu nada:
1) Compra de distribuidoras rejeitadas pelo deus mercado;
2) Descontratação de 2003 a fim de favorecer o mercado livre;
3) Sociedades onde a Estatal teve que assumir funções administrativas;
4) MP 579 que, atendendo a FIESP e ao setor privado, concentrou nas usinas da empresa a redução de tarifas sem incomodar o lucrativo setor privado.
Para terminar, fique sabendo que nos registros históricos de afluências dos rios brasileiros, o período 1951 – 1956 é tão seco quanto o atual.
Portanto, não adianta dizer que a culpa de São Pedro. O que faltou foi falta de investimento e fragilização da Eletrobras para atender defeitos do modelo e falta de independência do capital privado. Essa é a minha avaliação, baseada em dados, que podem não coincidir com a visão de outros diretores.
Sugiro um tom menos agressivo, porque, além de água nos rios, o que falta no Brasil é inteligência e debate real.
Atenciosamente,
Roberto D’Araujo, engenheiro, ex-assessor da Eletrobrás e um dos diretores do Ilumina.