EUA: segurando a crise geral
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- José Martins
- 29/06/2021
Os moradores de Wall Street estavam mais preocupados do que o normal na manhã de quarta-feira, 12 de maio. Acabavam de ser informados pelo relatório do Bureau of Labor Statistics (BLS) que no mês de abril os preços haviam acelerado em seu ritmo mais rápido desde 2008 – antevéspera do potente choque periódico de 2008/2009.
O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de abril atingiu a impressionante marca de 4,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior. A previsão dos economistas do mercado era 3,6%. O aumento frente ao mês anterior foi de 0,8%, ante o esperado de 0,2% dos economistas.
Excluindo os preços voláteis de alimentos e energia, o núcleo do IPC aumentou 3% em relação ao mesmo período em 2020 e 0,9% em base mensal. Este núcleo mensal de 0,9% foi o maior desde o fantástico duplo mergulho da crise periódica de 1982.
Recorde-se que o capital mundial só pôde se livrar daquela crise de superprodução de 1980/82 abrindo o mercado mundial para o maior processo de globalização da história deste regime de produção. Exatamente este processo que agora faz água por todo lado.
Esta explosão dos preços de mercado era inacreditável até três meses atrás. Em fevereiro deste ano, o IPC frente ao mesmo mês do ano anterior foi de 1,6%; em março, na mesma comparação, foi de 2,6%; em abril, finalmente, como destacado no gráfico, atingiu o inacreditável 4,2%.
É uma disparada parecida com a que se passa atualmente no Brasil. A inflação do idiota Paulo Guedes também está neste nível. Para ver a gravidade da coisa. Acontece que os “índices brasileiros” hoje apresentados pelo BLS dizem respeito à maior potencia econômica e militar do planeta e não a uma economia dominada em via rápida de deliberada destruição.
A confirmação de uma inflação brasileira na economia que detém o monopólio da moeda reserva-padrão internacional é inadmissível. Por uma razão muito simples: se esta espiral de preços dos últimos três meses nos EUA se mantiver até o quarto trimestre deste ano haveria um descontrole econômico planetário.
Haveria uma hiperinflação na economia EUA. Isso não só derreteria esta moeda nacional como paralisaria catastroficamente o mercado mundial, o comércio e todas as operações financeiras globais.
A tese da nossa Crítica da Economia é a de que tal possibilidade (apenas possibilidade, por enquanto) de explosão de uma hiperinflação nos EUA só pode ocorrer se os capitalistas não recuperarem as condições de extração de mais-valia e de lucro no chão de fábrica do capital.
Sem a produção de valor e de mais-valia o capital sucumbe nas profundezas de uma crise catastrófica. Os capitalistas lutam para superar a deflação do valor e dos preços de produção que ainda permanece nas principais economias do mundo.
Mas essa luta tem um prazo para mostrar resultado. E ele é curto. Até o quarto trimestre deste ano. É por isso, apenas por isso, que a análise da possibilidade de hiperinflação nos EUA é muito importante para quem observa o ciclo em movimento.
Nesta luta anticíclica de evitar a qualquer custo a passagem da atual crise econômica parcial para uma crise geral (catastrófica) o Federal Reserve (FED, banco central dos EUA) faz uma política monetária que eleva os preços de mercado (IPC) para combater a deflação dos preços de produção (IPP).
Em outras palavras, o FED de Jerome Powell faz deliberadamente uma política de criar inflação, não de combatê-la. Segue a suposição vulgar de gente como Paul Krugman etc. de que a produção de inflação é a forma perfeita de abafar a deflação. Os japoneses sabem há muito tempo que isso não funciona. E sofrem a crônica perda da vitalidade econômica que ostentavam agressivamente até os anos 1990, quando foram engolidos por esta maldição dos preços em tendência estrutural de queda.
Tudo isso passa muito longe das cabecinhas obtusas da economia vulgar. É por isso que, apesar das pressões dos homens do mercado e dos seus mais destacados economistas – como Lawrence Summers, por exemplo, que já antevê em seus mais recentes artigos uma explosão hiperinflacionária nos EUA – o Federal Reserve de Jerome Powell continua insistindo na mesma política desesperada de monetizar a dívida pública dos EUA.
Ora, o FED já monetizou quase todas as novas emissões de dívida federal do ano passado. E agora, a pressão do Tesouro de Janet Yellen é para que ele não relaxe nesta política. Ao contrário, deve pisar mais no acelerador.
Em definitivo, a pressão do novo e voluntarista governo Biden torna muito mais difícil para o FED atender aos conselhos de parte de Wall Street e seus economistas de reduzir a monetização da dívida do Tesouro e aumentar as taxas de juros. A economia, além de política, é social.
Ao contrário do que pedem os puristas, a oferta de moeda continuará a crescer rapidamente e os capitalistas do mercado financeiro e de capitais continuarão “minerando” retornos mais elevados em toda a economia em meio a taxas básicas de juros nominais do FED quase nulas e taxas reais cada vez mais abaixo de zero.
A emissão de junk bonds [títulos podres] e a “mineração” de criptomoedas chegaram neste ano a níveis de total demência econômica. Os preços de todas as matérias primas e todos os demais ativos dispararam. O movimento atual de inflação mais alta também já se incorpora às decisões de negócios e consumidores. É um nó que fica cada vez mais apertado.
De todo modo, o desejo de Jerome Powell de criar inflação foi satisfeito. Embora de forma mais disruptiva do que ele gostaria. A explicação ingênua do mercado para a alta nos preços de abril é que ela é “transitória”. O Fed concorda (e finge acreditar) e cruza os dedos para que isso seja verdade.
Aqui também o amanhã lhe chegará cedo demais.
José Martins é economista e editor de Crítica da Economia, de onde este texto foi retirado.