"Estamos diante do extermínio do caminhoneiro autônomo; acabar com o PPI é a única solução"
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- Gabriel Brito, da Redação
- 12/04/2022
José Roberto Stringasci / Divulgação
Duas semanas depois da demissão do general Joaquim Silva e Luna da presidência da Petrobrás, e da recusa de dois homens do mercado para cargos de chefia da empresa, a crise causada pelos sucessivos reajustes no preço dos combustíveis continua. Enquanto o país aguarda a confirmação de José Mauro Coelho para o lugar do militar, o mal estar em torno da inflação de itens básicos se acentua. Entre os setores mais afetados, estão os caminhoneiros, tidos como importantes cabos eleitorais de Bolsonaro após a greve de 2018. Sobre a atual crise, conversamos com um deles, José Roberto Stringasci, da Associação Nacional de Transporte do Brasil.
Caminhoneiro desde 1983, Stringasci é enfático em apontar a política de Paridade de Preços Internacionais como responsável pela enorme inflação que acomete o país e diz não haver qualquer chance de saída caso seja mantida. “Enquanto o preço do combustível estiver atrelado a preços internacionais estaremos pagando por uma mentira. O PPI foi criado em 2016 por Michel Temer e a diretoria de então da Petrobrás, somente para favorecer um grupo de acionistas e a Shell, a principal importadora. Está se criando um monopólio internacional, um cartel, dentro do próprio país”.
Enquanto os monopólios midiáticos fizeram malabarismos retóricos para dissimular o peso da PPI no debate em torno do desastre socioeconômico brasileiro, chamaram atenção os discursos oficiais. Depois de Bolsonaro culpar a empresa e dizer que gostaria de privatizá-la por completo (ou seja, ampliar a atual orientação administrativa), demitia o general Silva e Luna de sua presidência, que por sua vez deixou o cargo afirmando que a empresa “não serve para fazer política pública”. Uma frase que talvez devesse suscitar debates mais amplos.
“A Petrobrás não foi criada para dar lucro a acionista de bolsa e os chamados investidores. Esses são, na verdade, exploradores do Brasil, eu não chamo de investidores. A empresa tem de ser instrumento para ajudar a nação e o povo brasileiro. Não dá pra entender uma frase dessa. Onde fica o compromisso da Petrobrás com o Brasil e o brasileiro? Por qual motivo a Petrobrás foi criada? Não foi para gerar desenvolvimento, emprego, integração social, educação, saúde, segurança?”, criticou Stringasci.
Dessa forma, o caminhoneiro insiste na necessidade de, sim, fazer da estatal instrumento de desenvolvimento nacional ativo. E também é taxativo em afirmar que a recente alta de preços nada teve a ver com o conflito entre Rússia e Ucrânia, importantes fornecedores globais de bens primários. Em sua visão, caso a PPI não seja extinta os aumentos continuarão a se suceder, com duras sequelas na vida social.
Sobre sua categoria, Stringasci relata um enorme descrédito de Bolsonaro entre os motoristas de caminhão, cada vez mais esmagados pelos reajustes e até incapazes de se manterem na profissão. Sem que nada se anuncie melhor no horizonte.
“Estamos diante do extermínio do caminhoneiro autônomo. E muitas empresas que possuem de 10 a 15 caminhões também estão sofrendo muito. Até o meio, no máximo final de ano, teremos muitos e muitos pais de família desempregados, porque as empresas pequenas não vão dar conta. Elas vão parar metade da frota, dispensarão motoristas e tentarão se manter com frotas mínimas. Isso já está acontecendo em grande parte do Brasil”.
A entrevista completa com José Roberto Stringasci pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como enxerga a troca na presidência da Petrobrás, em que o general Silva e Luna foi demitido ao pagar pelo desgaste gerado com o décimo terceiro aumento dos combustíveis desde janeiro de 2021, até agora sem substituto, uma vez que as duas primeiras opções do presidente Bolsonaro declinaram dos convites? Há possibilidade de novidades reais na administração da empresa ou trata-se apenas de um gesto político do presidente da República?
José Roberto Stringasci: É só uma jogada política. Bolsonaro quer mostrar que se esforça pra mudar, mas não consegue, a exemplo da iniciativa de se implementar uma tributação única, o que gerará aumento do ICMS dos estados como resposta. É um movimento político para mostrar ao povo que tenta fazer alguma coisa, quando na realidade não faz nada.
Bolsonaro se esquiva novamente de sua responsabilidade, que é dar fim à política de Paridade de Preços Internacionais (PPI). Ele tenta gerar confiança no público, já que sua credibilidade, em especial no meio dos caminhoneiros, está bem reduzida. De 2018 para cá, sua credibilidade entre tais trabalhadores caiu demais, justamente por conta da política de preços.
Correio da Cidadania: O que pensa da frase do general Silva e Luna de que “a Petrobrás não deve ser instrumento de política pública”?
José Roberto Stringasci: A Petrobrás não foi criada para dar lucro a acionista de bolsa e os chamados investidores. Esses são, na verdade, exploradores do Brasil, eu não chamo de investidores. A empresa tem de ser instrumento para ajudar a nação e o povo brasileiro. Não dá pra entender uma frase dessa.
Onde fica o compromisso da Petrobrás com o Brasil e o brasileiro? Por qual motivo a Petrobrás foi criada? Não foi para gerar desenvolvimento, emprego, integração social, educação, saúde, segurança? Se isso não é política pública eu tampouco sei mais o que é uma política pública. Mas ainda acho que esses foram os objetivos pelos quais a Petrobrás foi criada.
Correio da Cidadania: Como enxerga os recentes aumentos da gasolina, associados a um aumento generalizado de preços de itens básicos de consumo? O que esperar para os próximos tempos com a instabilidade causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia?
José Roberto Stringasci: Isso tudo sempre estará associado. Todo reajuste é repassado ao consumidor final. É hora de o consumidor se conscientizar de que, a cada vez em que houver um reajuste em qualquer derivado do petróleo, ele pagará. Nós, caminhoneiros, somos apenas a ponta da lança. Somos os primeiros a sofrer impacto, mas repercute lá na prateleira do supermercado.
Com ou sem a guerra, enquanto tivermos PPI sofreremos muito. Em qualquer situação estamos sujeitos à alta global de preços. O Brasil precisa de um preço de custo nacional, nosso, para atender a nossa nação, ao povo brasileiro. Enquanto tiver PPI, com ou sem guerra, sempre pagaremos em dólar. E aqui nosso faturamento, nossos salários, aposentadorias, fretes, são em reais. Mas pra comprar é em dólar. Gasolina, diesel, etanol, que mesmo sem ser derivado se lastreia no preço internacional, tudo quanto é equipamento plástico... Arroz, feijão, carne, pãozinho na padaria... Estamos comprando tudo em dólar na prática.
Com o PPI, nós vamos sofrer, independentemente de termos guerras ou não.
Correio da Cidadania: Diante de sua crítica, por que a PPI é tratada como algo natural e inquestionável nos debates mais vistos pelas pessoas?
José Roberto Stringasci: Essa política é desastrosa para o Brasil. Para o sistema, o capitalismo, não interessa o desenvolvimento do Brasil, não interessa que sejamos um país de primeiro mundo. Interessa o Brasil-Colônia, fornecedor de matérias primas e bens naturais, nada mais. Enquanto o preço do combustível estiver atrelado a preços internacionais estaremos pagando por uma mentira. O PPI foi criado em 2016 por Michel Temer e a diretoria de então da Petrobrás, somente para favorecer um grupo de acionistas e a Shell, a principal importadora.
Está se criando um monopólio internacional, um cartel, dentro do próprio país. E sofreremos muito mais se não nos unirmos para cobrar mudanças nessas políticas. Eles têm todas as condições de fazer isso, só depende deles, mas não consigo entender o que falta para que tenham boa vontade com o próprio povo.
Correio da Cidadania: Como caminhoneiro, como avalia essa política para os trabalhadores da categoria nos últimos anos?
José Roberto Stringasci: É a destruição da nossa categoria. Não temos mais como acompanhar os reajustes. Cada dia mais e mais caminhoneiros autônomos chegam em casa, encostam o caminhão e tentam mudar de profissão. Ou tentam trabalhar de celetista para empresas grandes, transportadoras, como motoristas empregados, enquanto deixam o próprio caminhão parado e tentam vendê-lo. Muitas vezes nem conseguem vender, só ficam com o veículo parado no aguardo de uma melhora.
Estamos diante do extermínio do caminhoneiro autônomo. E muitas empresas que possuem de 10 a 15 caminhões também estão sofrendo muito. Até o meio, no máximo final de ano, teremos muitos e muitos pais de família desempregados, porque as empresas pequenas não vão dar conta. Elas vão parar metade da frota, dispensarão motoristas e tentarão se manter com frotas mínimas. Isso já está acontecendo em grande parte do Brasil.
Correio da Cidadania: O que vocês acreditam que seria uma orientação correta na administração da Petrobrás?
José Roberto Stringasci: O que conselho e diretoria da empresa deveriam fazer, pois é a única solução, é acabar com o PPI. Assim, esses exploradores do Brasil serão obrigados a tomar uma decisão: virem ao Brasil, tornarem-se investidores reais, construir refinarias, gerar emprego a brasileiros, levar combustível já refinado, com valor agregado aqui. Ou poderão ir embora, deixar de comercializar combustível aqui dentro e obrigar a Petrobrás a abrir produção local, uma vez que tal politica diminuiu a capacidade de refino em solo nacional em 30%, a fim de favorecer o entreguismo. E ainda há quem defenda 50% de ociosidade na nossa capacidade de refino.
Enfim, ao mudar a política de preço a Petrobrás tem de retomar sua capacidade produtiva normal, investir em mais refinarias nacionais, para que possamos vender combustível com valor de mão de obra agregada, em especial a países que não têm esse recurso e dependem de importá-lo. Por fim, devemos recuperar nossa condição de país autossuficiente em combustível.
Essa é a única saída coerente para ajudar o país e seu povo, e não apenas uma meia dúzia. É hora de mudar a atual política, que garante poucos com muito e muitos sem nada. Como disse, a Petrobrás foi criada pra ajudar o povo brasileiro, não para acionistas de bolsa e interesses particulares.
Correio da Cidadania: Como estão os ânimos desta categoria de trabalhadores que parou o país em 2018? Há possibilidades de greve no setor?
José Roberto Stringasci: Não. Nossa categoria está sem condições de caminhar. As contas estão atrasadas, todo mundo deve. Não existe a menor possibilidade de o caminhoneiro autônomo parar para reivindicar nada, porque se ficar uma semana parado suas contas estouram ainda mais. Quem ainda não tem o nome sob protesto, passará a ter. Portanto, não tem a menor possibilidade.
O que acontece é aquilo que falamos antes: muitos motoristas encostam seu caminhão e vão trabalhar de celetista. Ou se “reinventar” como falou o ex-ministro da Infraestrutura Tarciso Gomes de Freitas, quando disse que quem não aguentar tem de sair do ramo e se reinventar. Vários estão fazendo isso mesmo.
Não vejo, assim, a menor possibilidade de greve no curto prazo. O que vejo é que o povo brasileiro começará a despertar para a questão dos preços e dos reajustes, que continuarão a ocorrer caso a política de preços vinculada ao mercado internacional prevaleça.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
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