O Cepel na berlinda
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- Sindicato dos Engenheiros - RJ
- 09/06/2022
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado / Senado Federal do Brasil
Em recente entrevista à Agência Canal Energia, no dia 6 de maio, o atual diretor geral do Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica), Amílcar Guerreiro, face à possibilidade de privatização da Eletrobras, falou em um reposicionamento da instituição onde as fontes de recursos seriam disputadas no mercado. Será este um caminho acertado? É o que pretendemos discutir neste documento.
Todos sabemos que o mundo atravessa grandes mudanças nas economias de todos os países, onde a questão da inovação tecnológica joga um papel fundamental na chamada transição energética, um trânsito obrigatório para uma nova economia ancorada em uma base energética de baixo carbono. Essa transição se faz de maneira diferenciada nos diversos países e procura encontrar um novo caminho que minimize os impactos e desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas.
Justamente neste contexto, no qual a pesquisa tecnológica é a ponta de lança dessa nova revolução, a possibilidade de privatização da Eletrobras coloca o Cepel de aviso prévio, dando-lhe o prazo de seis anos para buscar um novo modelo de sustentação financeira. Mesmo que a Eletrobras não seja privatizada, ainda é necessário reverter um processo perverso, de afastamento do Cepel do grupo Eletrobras e de diminuição progressiva dos recursos aportados ao Cepel pela Eletrobras e suas subsidiárias, em uma nítida manifestação de descarte, já sinalizado há alguns anos.
Desde 2017/2018 o Cepel tem buscado alternativas ao financiamento da Eletrobras, dentro da lógica de mercado. Contudo, a própria matéria do Canal Energia mostra que o grupo Eletrobras continua a manter cerca de 75% dos recursos do Centro. Vale lembrar que há mais de 20 anos, no governo FHC, o Cepel passava por situação análoga de redução gradual de aportes da Eletrobras e busca por recursos no mercado, o que se mostrou inviável e retirou o foco do centro da Eletrobras para o atendimento a outras empresas e serviços. A recuperação só foi possível com a retomada de investimentos da Eletrobras através da revitalização da carteira de Projetos Institucionais junto à holding. O foco na Eletrobras não foi um erro, ao contrário da afirmação de uma das personalidades citadas na mesma matéria do Canal Energia.
A entrevista ainda menciona a possibilidade de trabalhar por projetos. Trabalhar por projetos “no varejo” é análogo a trabalhar por serviços, o que já se mostrou insuficiente para manter a sobrevivência do centro. Menciona-se também uma possível redução da estrutura, e que há equipes que não precisam ser permanentes. Ora, a estrutura já foi extremamente reduzida e para nós está claro que o Cepel atingiu o seu núcleo duro. Reduzir ainda mais a estrutura tende a levar a instituição a um ponto crítico e irreversível.
Como poderá então o Cepel continuar atendendo às demandas e atraindo recursos? Parcerias são bem-vindas (*), mas não serão suficientes sem que centro mantenha uma estrutura robusta, tanto física quanto de pessoal. Graves e preocupantes são as duras críticas aos modelos e softwares do Cepel por parte de alguns representantes do mercado citados na mesma matéria (sem apresentar fundamentação técnica).
Um destes chega a afirmar que os “Modelos Computacionais do Cepel precisam ser deixados, não representando a realidade da operação (...)”. Desde a sua criação, o Cepel vem desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento do Sistema Interligado Nacional (SIN), tendo elaborado uma ampla cadeia de softwares que atuam interconectados no planejamento, expansão, operação, análise e tarifação do Sistema Elétrico Brasileiro. Esses softwares influem no destino de bilhões de reais, sendo fundamental a isenção do Cepel, garantida pelo atual modelo de financiamento. Esperamos que a diretoria do Cepel se posicione quanto a essas críticas.
Portanto, é necessário encontrar uma alternativa pública que garanta os recursos básicos para a sobrevivência do centro e a manutenção do seu quadro de empregados, os quais detêm know-how e conhecimentos específicos e estratégicos para a Eletrobras e o Setor Elétrico Brasileiro. Os pilares do Cepel são o conhecimento detido pelo seu corpo de empregados e a sua infraestrutura laboratorial.
Centros nacionais de P&D&I (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação) do setor elétrico mundial estão associados a empresas estatais ou diretamente ao estado, em todo o mundo. Como exemplos notáveis podemos citar: IREQ (Canadá), CEPRI (China), KEPRI (Coreia do Sul), CPRI (Índia), R.S.E. (antigo CESI Ricerca, Itália), INEEL (México). O Departamento de Energia dos EUA gerencia uma gama de laboratórios nacionais, com alguns dos quais recebendo a maior parte de seu financiamento de fontes governamentais.
As entidades representativas dos trabalhadores no Cepel, o Sintergia, o Senge RJ e a ASEC (Associação dos Empregados do Cepel) já tiveram a oportunidade de conversar com a Diretoria do Cepel, bem como participar de reunião conjunta com o presidente do Conselho Deliberativo do Cepel e diretor da Eletrobras, engenheiro Márcio Szechtman, onde nossos pontos de vista foram apresentados, os quais podem ser assim resumidos:
1) A maioria dos produtos da pesquisa tecnológica, principalmente os que mais revolucionaram nossa sociedade, como a Internet, o i-Phone, os tablets, as turbinas eólicas e as placas fotovoltaicas, passaram por um período de incertezas quanto aos resultados, quando foram financiados por investimentos públicos. Marianna Mazucatto, economista de renome internacional, já desbancou o mito de que as inovações ocorrem sem nenhum suporte e incentivo do Estado, mesmo nos EUA e nas grandes empresas do Vale do Silício (Marianna Mazucatto, O Estado Empreendedor, 2014).
2) Para o Cepel manter-se como centro de referência nacional, atuando à frente da pesquisa e inovação no setor elétrico, é necessário substituir o financiamento vindo da Eletrobras (ainda público) por outra(s) fonte(s) de financiamento também público(s). Somente outro(s) agente(s) público(s) que possa investir nas fases críticas do desenvolvimento e que contemple os interesses gerais do setor (no caso a Eletrobras) ou da sociedade, como o governo/Estado, pode suprir esta necessidade.
3) O Cepel pode perfeitamente se reposicionar frente ao mercado, buscar novas parcerias, coordenar novos tipos de projetos com outras universidades e instituições públicas ou privadas, mas não pode mudar o fato inelutável que é a falta de interesse do setor privado em financiar as fases de alto risco e incertezas inerentes ao processo de inovação, principalmente em um país que não tem tradição de investimento privado em P&D&I, sem que haja nenhuma participação ou incentivo do Estado para tanto (startups não substituem os centros de pesquisa, mas podem complementá-los; isoladamente as startups não garantem a manutenção e a gestão do conhecimento e do know-how adquiridos)
4) Tendo garantidos os recursos financeiros para a sobrevivência do centro, bem como para a superação das fases críticas do processo de inovação, o Cepel pode perfeitamente disputar recursos no mercado, como fazem as universidades que recebem recursos públicos e realizam P&D aplicado bem como serviços tecnológicos. É importante ressaltar que a disputa por esta fatia de recursos provenientes do mercado será um fator de dinamização das próprias atividades do Centro, mas, como sabemos, ela não pode substituir inteiramente os recursos públicos.
5) Desconhecer essa realidade e tentar um reposicionamento com relação à sua sustentação financeira pela via única e exclusiva do mercado é um passo muito perigoso para a instituição e pode levar o Cepel a uma situação insustentável.
6) A escolha de um reposicionamento com relação às fontes de sustentação financeira somente pela via do mercado significa abandonar a pesquisa e a inovação sem ao menos ter tentado substituir uma fonte de financiamento público por outra(s). Além disso, neste caso, o Cepel deixa de ser uma instituição de pesquisa para tornar-se um prestador de serviços e/ou uma consultoria, descaracterizando-se e deixando de tornar-se o centro de referência do setor elétrico nacional, entrando em um mercado já dominado por outros players (nacionais e internacionais), onde as chances de sobrevivência são mínimas.
7) Se a mutação descrita no item anterior for realizada, o Cepel abandonará a missão para a qual foi criado há 48 anos, que era prover o setor elétrico das tecnologias necessárias ao seu desenvolvimento, deixará de jogar qualquer papel importante na transição energética em curso no mundo inteiro e será, na melhor das hipóteses, um mero player, provavelmente secundário, no mercado de energia elétrica brasileira.
É essa a encruzilhada na qual o Cepel se encontra agora. Trilhar um caminho para o futuro depende de uma escolha certa. ALEA JACTA EST.
Nota:
* A propósito, um dos especialistas ouvidos pelo Canal Energia comenta que o Cepel deveria se abrir a outras universidades e não se restringir à UFRJ. O Cepel sempre esteve aberto a outras universidades, tendo colaborado com outras instituições acadêmicas.
Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro – Senge RJ
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