Correio da Cidadania

Eleições 2022 e o sistema da dívida

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O Sistema da Dívida é mais um dos principais eixos do modelo econômico que atua no Brasil. Dando continuidade à serie de artigos iniciada com o artigo Eleições e Modelo Econômico, neste artigo vamos tratar desse sistema, um dos grandes responsáveis pela transferência de parte relevante da riqueza e renda do país para bancos e demais rentistas, produzindo escassez para a maioria do povo.

É fundamental que a sociedade compreenda os eixos que sustentam esse modelo, a fim de dialogar com seus respectivos partidos e candidatos nesse período eleitoral.

O funcionamento distorcido do processo de endividamento público verificado ao longo de anos de pesquisa me levou a criar a expressão “Sistema da Dívida”, a fim de caracterizar esse sistema.

Em vez de funcionar como um instrumento de aporte de recursos aos entes federados, viabilizando investimentos necessários à garantia de direitos fundamentais, inclusive o direito ao desenvolvimento socioeconômico, com pleno emprego e vida digna, na prática, a chamada dívida pública tem funcionado às avessas. Continuamente desvia grandes volumes de recursos públicos principalmente para o setor financeiro, mediante a utilização de mecanismos ilegais, ilegítimos e até fraudulentos em alguns casos.

A centralidade da chamada dívida pública é incontestável: além de absorver, anualmente, cerca de metade do orçamento federal executado, como mostra o gráfico a seguir, e boa parte dos orçamentos estaduais e municipais, ela tem sido a justificativa para contínuas contrarreformas (Previdência, Administrativa); privatizações, além de medidas de ajuste fiscal (Emenda Constitucional EC-95 e a EC-109) que afetam toda a população, levando-nos a um estado de verdadeira barbárie social.

Endividamento público

Credito: Auditoria Cidadã

A Auditoria Cidadã da Dívida tem demonstrado que o processo de endividamento público tem sido usurpado por um conjunto de mecanismos financeiros cada vez mais sofisticados e levianos, que continuamente transferem dinheiro público para bancos e grandes rentistas, e “geram” dívida pública sem contrapartida em investimentos, por exemplo:

• Transformações de dívidas do setor privado em dívida pública, a exemplo do Proer, Proes, EC 106;

• Transformação de dívida externa irregular, suspeita de prescrição, em novos títulos de dívida externa no Plano Brady, seguida de novas transformações em títulos de dívida externa e interna;

• Elevadíssimas taxas de juros: sem justificativa técnica ou econômica;

• Anatocismo, que caracteriza a incidência de juros sobre juros;

• Contabilização de juros como se fosse amortização, uma verdadeira fraude contábil que burla a Constituição Federal (Art. 167, III) e tem provocado crescimento exponencial do estoque da dívida pública federal;

• Sigilosas operações de swap cambial realizadas pelo Banco Central (BC), cujos prejuízos são diretamente levados aos gastos com a dívida pública;

• Remuneração diária da sobra de caixa dos bancos por meio do abuso de sigilosas “operações compromissadas” e “depósitos voluntários remunerados”; uma verdadeira BOLSA-BANQUEIRO que, ao mesmo tempo, gera crescimento exponencial da dívida e dos gastos com juros, além de provocar elevação brutal das taxas de juros de mercado, uma vez que o dinheiro da sociedade, que se encontra depositado ou aplicado em bancos, passa a ficar esterilizado no Banco Central, rendendo juros somente aos bancos;

• Emissão excessiva de títulos para formar “colchão de liquidez”, ou seja, para deixar o dinheiro parado na Conta Única do Tesouro Nacional, enquanto paga juros exorbitantes aos rentistas;

• Prejuízos do Banco Central, a exemplo de 2016, quando R$ 250 bilhões foram transformados em dívida pública;

• “Securitização” que gera dívida ilegal, paga por fora do orçamento, mediante desvio de arrecadação que sequer alcançará os cofres públicos.

Investigações suspensas

A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010 foi um marco na comprovação de inúmeras ilegalidades e ilegitimidades, condensadas em 8 análises técnicas, que foram incorporadas ao Relatório Alternativo entregue ao Ministério Público Federal (MPF).

Infelizmente, as investigações não prosseguiram, o que foi reconhecido como um erro pelo então Procurador Federal Eugênio Aragão em entrevista ao Viva-Roda em 2017.

O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) em audiência pública realizada no Senado Federal, afirmou que a dívida pública federal não tem financiado investimentos. Na mesma audiência pública, demonstramos que essa dívida tem servido para alimentar os mecanismos financeiros, acima exemplificados.

Essa evidência reforça ainda mais a necessidade de realização da auditoria integral da dívida, com participação social.

Diante da proximidade das eleições majoritárias, a Auditoria Cidadã da Dívida elaborou carta aberta aos partidos, acompanhada de questionário a ser respondido por candidatos(as), que contempla diversas questões sobre a política monetária praticada pelo Banco Central, tendo em vista a sua estreita relação com a geração de dívida pública ilegal e ilegítima.

A participação cidadã durante o período eleitoral é fundamental e precisa ocorrer de forma qualificada e consciente. Afinal, iremos escolher quem irá dirigir o país e todos os estados nos próximos 4 anos!

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe, onde este artigo foi originalmente publicado.

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