Redução de Imposto sobre Herança: boiada passando até o último minuto
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- Dão Real Pereira dos Santos
- 17/01/2023
Na calada da noite, sorrateiramente, já quase encerrando o período legislativo e o mandato de 40% dos parlamentares da casa, enquanto a sociedade estava distraída se preparando para as festas de final de ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou uma medida tributária absurda, que vai na contramão da justiça fiscal. Trata-se do projeto de Lei 511/2020, que põe quase em extinção o ITDMD, pois reduz as alíquotas do Imposto sobre Heranças, de 4% para 1%, e sobre Doações, de 4% para apenas 0,5%.
Um dos principais problemas do Sistema Tributário Nacional é a regressividade produzida pela baixíssima tributação sobre o patrimônio, reduzida tributação sobre altas rendas e por uma elevada tributação sobre o consumo. Isso faz com que os mais pobres paguem muito mais tributos do que os mais ricos, proporcionalmente à renda de cada um.
O caminho da justiça fiscal, portanto, seria promover as mudanças no sentido de deslocar o maior peso da tributação para os mais ricos (renda e patrimônio), aliviando o peso para os setores mais pobres (consumo).
Dentre os tributos patrimoniais, a nossa maior distorção em relação aos principais países do mundo está localizada na baixíssima tributação sobre heranças e doações.
No Brasil, a alíquota máxima do ITCMD, estabelecida por Resolução do Senado, é de 8%, e mesmo assim somente dez estados da federação praticam esta alíquota. Os demais estados cobram alíquotas máximas de 2%, em um estado, 4% em outros dez estados e 7%, em um estado. São Paulo estava entre os estados que cobravam 4% de imposto.
Nos principais países, no entanto, a média praticada é de 35%. Nos EUA, a alíquota máxima chega a 40%, na França, 60%, na Coréia do Sul, 50%, no Chile, 35% e na Argentina, 22%, para citar apenas alguns exemplos. Ou seja, os beneficiários de heranças e de doações são tratados de forma muito mais generosa por aqui do que em outros países.
A arrecadação total do ITCMD em São Paulo foi de R$ 4,4 bilhões, em 2021, ou seja 1,93% da arrecadação total do estado, e correspondeu a 36% do total arrecadado pelos 27 estados da Federação com este tributo (R$ 12,4 bilhões). Ou seja, qualquer redução nas alíquotas praticadas em São Paulo representará uma redução muito significativa na já minguada participação deste tributo na arrecadação total do país.
O Consórcio Nacional de Secretarias de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação (Consefaz) já havia encaminhado, em 2015, ofício ao Senado Federal propondo a elevação da alíquota máxima do ITCMD de 8% para 20%. A campanha Tributar os Super-Ricos, na mesma linha, apresentou, em 2020, proposta de elevação desta alíquota máxima para 30%, com observância obrigatória da progressividade, e estimou que esta medida poderia gerar um aumento de arrecadação de cerca de R$ 14 bilhões.
Importante ressaltar também que as heranças e doações, embora constituam acréscimos patrimoniais para seus beneficiários, são isentas do Imposto de Renda. Logo, o único tributo que incide sobre este aumento de riqueza é o ITCMD, de competência dos estados da federação. Aliás, a reduzida tributação das doações em relação à da renda tem servido de motivo para planejamentos abusivos com vistas à redução do Imposto de Renda devido.
No caso de transmissão de imóveis, uma redução muito expressiva de alíquota incidente sobre doações pode estimular a prática de simulações com vistas ao não pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência dos municípios.
A quase extinção deste tributo promovida agora pela Alesp, além de configurar uma medida contra o interesse da maioria da população de São Paulo, por reduzir a capacidade do estado para promover políticas públicas essenciais, significa também uma medida que contraria um dos principais objetivos previstos no Artigo 3º da Constituição, que é o de promover a redução das desigualdades sociais e regionais, já que favorece ainda mais a concentração de riquezas, justamente no estado mais rico da federação, ampliando as assimetrias regionais.
O Brasil ocupa o segundo lugar em concentração de riquezas no topo da pirâmide social (28% da riqueza nas mãos dos 1% mais rico), perdendo apenas para o Catar, e está entre os dez países mais desiguais do planeta, o que torna essa medida, adotada pelo parlamento paulista, ainda mais absurda e inaceitável.
Medidas como esta andam contramão das tendências internacionais e, inclusive, das recomendações dos especialistas dos organismos internacionais, que já admitem que a exagerada concentração de riquezas é disfuncional também para a sustentabilidade da economia.
Medidas de progressividade tributária, portanto, como ampliação da tributação sobre as altas rendas, pela revogação da isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos, instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas e elevação das alíquotas do Imposto sobre heranças e doações têm sido amplamente discutidas e aceitas por amplos setores da sociedade como necessárias para promover a redução das desigualdades e criar condições favoráveis à volta do crescimento econômico.
A mudança legislativa no ITCMD, promovida pela Alesp, não interessa apenas ao estado de São Paulo, pois tende a propagar efeitos para o país inteiro, seja pelo que representa São Paulo na economia e na concentração de riquezas do país, seja pelo próprio efeito concorrencial, que poderá levar outros estados a adotarem medidas semelhantes.
Espera-se que esta medida, aprovada pelo parlamento paulista, seja vetada pelo governador do estado de São Paulo, como recomenda o próprio secretário da Fazenda e Planejamento daquele estado e que propostas deste tipo, que são elaboradas sob medida para beneficiar apenas os mais ricos, não passem despercebidas pela sociedade brasileira.
Dão Real Pereira dos Santos é presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha Tributar os Super-Ricos.
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