Correio da Cidadania

Em busca de uma sociologia da energia

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Usina Hidrelétrica de Itaipu – Wikipédia, a enciclopédia livre
Usina de Itaipu / Divulgação

Desde 2007 venho estudando a questão energética. Sendo socióloga, durante um tempo me vi dando explicações sobre a relação entre sociologia e energia por não parecer tão evidente aos olhos de alguns. Apesar da centralidade da energia como fundamento da produção social, por alguma razão, o debate sobre a energia no Brasil permaneceu distante das preocupações do pensamento social, econômico e político a partir do prisma sociológico. Geralmente, o tema da energia aparece mediado por transições como a climática e energética, a digital, a migratória e principalmente, por guerras. Em alguns momentos da nossa história a importância da conexão entre a sociologia e os recursos energéticos tornaram-se mais evidentes, assumindo um caráter nacional, na campanha do
O Petróleo é Nosso, por exemplo, na implementação do Programa Proálcool ou mesmo na “crise do apagão”, no início dos anos 2000.

Embora saibamos que a produção da materialidade humana, de um espaço antropogênico, dependa fundamentalmente da natureza e da produção de suprimentos energéticos, as discussões energéticas ainda aparecem, salvo raras exceções, muito centradas nas fontes e no abastecimento energético e não nas suas determinações para a construção socioespacial e consequentemente nas políticas relacionadas à produção e ao desenvolvimento.

Para dimensionar parte deste construto socioespacial a partir da energia, podemos analisar as energias fósseis com sua abrangência de uso desde a Revolução Industrial, primeiro o carvão e depois o petróleo como fundamentais para o grande salto no consumo mundial no período a seguir à Segunda Guerra. Como matéria-prima relativamente barata, o petróleo caracterizou um período de forte industrialização e acesso aos bens duráveis. Sua penetração na vida da sociedade foi tão determinante que carregou um sentido utópico do desenvolvimento civilizacional ocidental, “os anos dourados”.

A partir da crise do petróleo na década de 1970 se iniciou uma busca por outras fontes de energia e locais para esta exploração, produzindo espaços geográficos qualitativamente diferentes. Esta mudança de enquadramento tornou alguns países economicamente dependentes desta exportação (a exemplo do Equador e da Venezuela), também fomentou um constante clima de instabilidade e de incerteza entre países importadores e exportadores, já que não apenas os Estados Unidos, mas todos os países desenvolvidos dependem, ainda hoje, de recursos energéticos que não são produzidos totalmente nos seus territórios.

Neste sentido, importa dizer que quando um país busca em outro recursos energéticos dos quais dependem, coloca em jogo a economia do seu país como um todo, logo, o debate sobre energia ultrapassa a lógica do consumo, transporte e seus impactos, mas adentra também em discussões sobre o uso da força em escala internacional. E é por isto que atualmente fala-se muito em “desglobalização” para discutir, dentre outras coisas, o modo como os países desenvolvidos estão tentando retomar sua cadeia de suprimentos e de abastecimentos buscando deixar de ser dependentes de outros países, como já discuti em outros artigos. Logo, a energia está ligada aos lugares e seu controle expressa um padrão civilizacional que atualmente é associado de forma prometeica e errônea às chamadas “energias limpas”.

Neste sentido, e muito impulsionada pelas alterações climáticas, a sociologia tem se esforçado para compreender a progressiva visibilidade da questão energética. Um dos poucos artigos que discutem esta temática intitulado Sociologías de la Energía – Hacia una agenda de investigación apresenta uma visão panorâmica dos estudos sociais da energia em língua inglesa onde predominam seis agendas de pesquisa; sistemas sociotécnicos, conflitos energéticos, práticas cotidianas, ontologia, economia e transição para a sustentabilidade. A sociologia, portanto, parece ter avançado em pesquisas relacionadas às consequências da modernidade e das mudanças sociotécnicas. Porém, no caso brasileiro, país que é uma potência energética e necessita de uma agenda própria, a visão da energia como estrutural e determinante para a reprodução social, desenvolvimento e soberania parece ser pouco abordada.

Como afirmava meu professor de Economia da Energia Sinclair Mallet, “no caso brasileiro, muito do que poderia ser feito pelos estudos sociológicos sobre energia é dificultado pela interpretação de que o caráter interdisciplinar do tema traria consigo uma falta de profundidade científica”. Mas esta dificuldade em um tema interdisciplinar nem sempre se apresentou como um entrave e muitas reflexões foram feitas por nomes como o do professor Antonio Carlos Boa Nova que, em 1985, publicou Energia e Classes Sociais no Brasil; do professor Gilberto Vasconcellos, que, juntamente com Bautista Vidal, escreveram diversos livros, dentre eles, Petrobras: um clarão na história discutindo a necessidade desta empresa incorporar a biomassa energética e se tornar uma empresa de energia, um debate vanguardista para o período. Autores que nos mostraram que há um caminho a percorrer no Brasil e que a sociologia precisa mergulhar profundamente neste tema, até para nos ajudar a sair da condição de alienação energética.

Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Artigo originalmente publicado no Jornal da USP.

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