Novas descobertas de petróleo, se confirmadas, enriquecerão concessionárias externas
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- Valéria Nader
- 25/04/2008
Para comentar as especulações sobre a descoberta de mais um mega-campo de petróleo na Bacia de Campos, o Carioca, conversamos com o diretor da Aepet (Associação Engenheiros da Petrobrás), Fernando Siqueira.
A partir do alerta de que os valores informados são, além de meramente especulativos, fruto de declarações oportunistas e irresponsáveis, Siqueira afirma que a Petrobrás ainda não chegou ao objetivo final de um poço em perfuração para avaliar o tamanho da província do pré-sal - que engloba os campos de Carioca, Tupi e Júpiter.
No entanto, a se confirmarem verdadeiras as projeções para o total de petróleo dessa província, uma revisão da Lei 9478/97sancionada por FHC – e a partir da qual a União deixou de ter o monopólio do petróleo – tornar-se-á imprescindível. Caso o lobby internacional ganhe e impeça essa revisão, as concessionárias externas ganharão de "mão beijada" uma enorme riqueza, em detrimento de toda a nação, ressalta Siqueira.
Confira abaixo.
Correio da Cidadania: As notícias que correm a respeito da descoberta de mais um mega-campo de petróleo na Bacia de Campos, o Carioca, têm alguma credibilidade?
Fernando Siqueira: Os técnicos da Petrobrás têm expectativas de que a nova província do pré-sal, que tem uma área de 800 km por 200 km, possa ter uma reserva total da ordem de 90 bilhões de barris. Os campos de Carioca, Tupi e Júpiter são partes integrantes dessa província. Acho que a reserva do Carioca foi superestimada, pois esse bloco tem menos de 10% da área total do pré-sal. Pode ter um pouco mais do que a reserva de Tupi, mas nunca quatro vezes mais.
CC: Ouve-se falar em 33 bilhões de barris de petróleo, significando uma riqueza da ordem de US$ 3,3 trilhões, considerando o barril a US$ 100. Esse potencial estimado de petróleo nesse campo estaria, assim, superestimado?
FS: Acho que qualquer valor informado seria mera especulação, pois a Petrobrás ainda não chegou ao objetivo final de um poço em perfuração. Quando ela atingir esse objetivo é que vai ser possível avaliar o tamanho da estrutura do campo e fazer uma avaliação mais segura do potencial produtor dele. Mas isto só deverá ocorrer daqui a cerca de três meses.
CC: A se configurar essa situação como verdadeira, o Brasil daria um salto enorme, aparecendo entre os 3 maiores produtores mundiais. O que significaria isso, a seu ver, para uma nação emergente como o Brasil?
FS: Se a expectativa dos técnicos se confirmar e o pré-sal contiver mesmo os 90 bilhões de barris de reserva, o Brasil passa a ser, em termos de petróleo, a quarta reserva do planeta, atrás apenas da Arábia Saudita, do Irã e do Iraque. Isto eleva em muito o potencial do Brasil como grande potência mundial. Ele já tinha, a nosso ver, a condição de ser essa grande potência – temos demonstrado isto nas palestras que temos feito pelo Brasil, inclusive nas Universidades - por seus recursos naturais; por sua localização geográfica, que é muito favorável; por suas imensas riquezas naturais; por serem também imensas suas reservas de água doce; por ter ainda uma grande incidência solar, que nos fornece abundante energia renovável aproveitável através de energia dos ventos, biomassa ou solar direta.
No entanto, o Brasil tem sido muito tolhido no seu desenvolvimento pelos governantes de plantão. Uma das formas é o achatamento salarial imposto no governo FHC e a venda de empresas estatais, principais geradoras de tecnologia dos países em desenvolvimento. Os juros mais altos do mundo também fazem parte dessa estratégia. Aliás, das 5 estratégias que constam no documento do Departamento de Defesa norte- americano, uma delas diz: "impedir que países potencialmente hegemônicos se desenvolvam". O Brasil é o alvo principal dela.
Assim, surge um novo problema: os EUA, que são os maiores consumidores de petróleo do planeta (consomem mais de 10 bilhões de barris por ano), têm reservas de apenas 29 bilhões de barris e sua economia é profundamente dependente de petróleo. O petróleo do Oriente Médio custa aos EUA mais de US$ 300 por barril (sendo US$ 200 por barril o custo de manutenção do aparato bélico que mantém nos países da região sob controle). Assim, o Brasil passa a ser o alvo principal daquele país em mais esse recurso não renovável. Os EUA têm menos de 10% do total de recursos naturais não renováveis que precisa. A América Latina, o Brasil, em especial, tem sido o seu celeiro mais fácil e mais acessível.
CC: Em que medida a nova lei do Petróleo, aprovada já no primeiro mandato do governo FHC e que eliminou o monopólio da União nas atividades petrolíferas, impactaria a riqueza nacional, caso confirmada essa descoberta? Em outras palavras, quanto do lucro auferido seria abocanhado por empresas estrangeiras?
FS: A descoberta desta nova província nos deu chance de mostrar o absurdo da Lei 9478/97, imposta ao Congresso Nacional pelo governo FHC. Embora os seus artigos 3º e 21º digam que a propriedade das jazidas e o produto da lavra do petróleo são da União Federal (portanto, do povo brasileiro), em total acordo com o artigo 177 da Constituição Federal, existe um artigo, o 26º, que, como fruto do lobby internacional sobre o Congresso, dá a propriedade do petróleo a quem o produzir. A mesma lei manda que o concessionário pague à União uma Participação Especial, que varia de 10 a 45% apenas do produto da lavra. Enquanto isto, a média mundial da participação dos países produtores é de 84%. Quando o presidente Evo Morales elevou a participação do governo de 18 para 82%, nenhuma empresa estrangeira foi embora. É um percentual normal. O contrato de concessão brasileiro é que é absurdo, como era na Bolívia.
Se confirmados os 90 bilhões de barris previstos, em termos econômicos seriam mais de 10 trilhões, com um agravante: estamos chegando ao pico da oferta mundial de petróleo, ou seja, o terceiro choque mundial, agora irreversível. Isso porque, enquanto a oferta atinge o pico e passa a cair de forma inexorável, a demanda, hoje empatada com ela em 87 milhões de barris diários, segue crescendo indefinidamente. A conseqüência natural é que os preços do barril crescerão drasticamente. Os mesmos especialistas que previram os preços de US$ 100 o barril antes de 2010, prevêem que eles chegarão a US$ 180 em 2015 e US$ 300 em 2020. Isto mostra o lucro absurdo que as concessionárias terão, em detrimento do povo brasileiro, se os leilões não forem suspensos e o marco regulatório não for mudado.
A Petrobrás pesquisou o pré-sal durante 30 anos tendo investido ali mais de US$ 2 bilhões, correndo todos os riscos. Enquanto isso, as concessionárias estrangeiras não investiram, não correram riscos, mas se associaram à Petrobrás (por não terem a tecnologia) para comprar blocos por preços irrisórios, ganhando mais de 50% de lucro sobre a lavra, em detrimento do povo brasileiro. É um absurdo inaceitável.
CC: Em função dessas novas e grandes possibilidades de petróleo, há, a seu ver, alguma chance de se mexer nessa lei do petróleo? Você acredita que o presidente Lula endossaria uma medida do gênero?
FS: O presidente Lula, quando soube da descoberta e do volume de reservas possível, retirou do nono leilão, corretamente, 41 blocos que circundavam o campo de Tupi e eram dessa nova província. Certamente ele está sofrendo pressões fortíssimas para recolocar esses blocos em leilão. Acho que o povo, junto com as entidades representativas da sociedade, deve apoiar e ao mesmo tempo pressionar o governo para suspender os leilões e propor mudanças na Lei 9478/97, até porque ela é cheia de incoerências.
CC: Não se mexendo na lei do petróleo, haveria como impedir a participação de empresas privadas, estrangeiras ou nacionais, em um leilão específico para exploração dos novos campos? Você defenderia uma medida como essa?
FS: Caso o lobby internacional ganhe e impeça as mudanças imprescindíveis na Lei 9478/97, há, mesmo assim, meios e justificativas para impedir que empresas estrangeiras participem de leilões. A descoberta da província do pré-sal elimina os riscos e estará provado que ali existe muito petróleo, que a União Federal tem um patrimônio elevado e incontestável, que são as reservas, e que estas pertencem ao povo brasileiro. Não há justificativa em entregar de mão beijada essa província para gerar tamanho lucro para fora do país, tendo uma participação pífia para a nação. O próprio artigo 177 da Constituição brasileira diz, em seu parágrafo 1º, que a União poderá contratar as atividades do monopólio (não a obriga a fazê-lo).
CC: Como você avalia a forma pela qual vazou essa informação, a partir do diretor da ANP, a Agência Nacional de Petróleo, Haroldo Lima? Há algum tipo de interesse obscuro por trás dessa situação?
FS: Ficou uma suspeita muito grande. O diretor da ANP tem um discurso muito afinado com o do presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo, que por coincidência é o presidente da Repsol. Esta empresa deu um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões à Petrobrás numa troca de ativos envolvendo a Refap, no Rio Grande do Sul. Ganhamos uma liminar na justiça que depois foi cassada pelo presidente do STJ de forma estranha.
As declarações do diretor da ANP geraram uma elevação brutal nas ações da Repsol nas bolsas do mundo inteiro. Em Nova Iorque, elas chegaram a valorizar cerca de 17% num só dia. A Repsol tem atuações agressivas em toda a América Latina. Ela é suspeita de ser o braço anglo-holandês da Shell, pelo fato de esta última estar muito desgastada por suas atuações predatórias no mundo todo. A Repsol comprou as reservas da YPF argentina por US$ 0.60 o barril, quando o preço no mercado era de US$ 25/barril. Agora, faz um lobby fortíssimo para comprar a Pemex.
Outro ponto intrigante nas declarações do diretor da ANP é que, pelo artigo 22 da lei do petróleo, ele recebe todos os dados de exploração da Petrobrás e deve manter confidencialidade dos mesmos por 5 anos. Ao invés disto, o diretor, no nono leilão, publicou os dados de Tupi na página da ANP. Agora, faz essas declarações irresponsáveis, indevidas e desastrosas. Ora, ele sabia que corria altos riscos ao fazer isto. Lembremos que o diretor, quando era parlamentar, era um emérito defensor da Petrobrás, da soberania nacional e do monopólio estatal de petróleo. A guinada de 180 graus que o transformou num dos maiores entreguistas desse país tem algo bem mais profundo do que o salário de R$ 8.000,00 por mês. Não se queima uma biografia tão boa por um preço tão irrisório.
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