Correio da Cidadania

A alta de preços dos alimentos

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1. Preços dos alimentos no Brasil

 

A alta dos preços dos alimentos é mais um elemento da opressão aos consumidores de média e baixa renda, de há muito sobressaltados e assaltados por: tarifas dos serviços privatizados no corruptíssimo processo das privatizações (eletricidade, telefone, pedágios etc.); impostos diretos e indiretos; taxas de juros extorsivas.

 

O mais notável é a sistemática ocultação, pelos meios de comunicação, das causas reais desse aumento e da alta de preços em geral. De resto, ocultam-se os demais instrumentos empregados para sugar as energias das pessoas e extinguir a vitalidade da economia real.

 

No Brasil, o IBGE registrou, em junho, 2,11% de alta nos alimentos, mais que os 1,95% verificados no mês anterior. Considerado seu peso no índice, a inflação do preço dos alimentos contribuiu com 63,5% da elevação total do IPCA. A aceleração mostra-se clara, pois, no 1º semestre, os alimentos acumulam alta de 8,64%, já próxima à de 10,79% em todo o ano de 2007.

 

Pior ainda, os aumentos mais fortes incidiram sobre itens básicos, como carnes (6,91% só em junho). O arroz já acumula alta de 38,21% de janeiro a junho de 2008, e o feijão carioca 15,55%.

 

Com efeito, a agricultura sofre no Brasil processo de concentração, como já ocorreu em maior intensidade na indústria e nos serviços, com o agronegócio ocupando parcela crescente das terras em uso. Isso se espelha em absurdos como a cultura da soja ocupando 43% do total das terras de lavouras no país e a pecuária extensiva, três vezes mais que esse total.

 

O principal produto da soja é o farelo para exportação destinada a rações para animais no exterior, com base no agronegócio, subordinado a um cartel de tradings estrangeiras. Por seu turno, a pecuária extensiva tem por objetivo dominante exportar carne para propiciar lucros aos importadores e distribuidores, além de viabilizar a presença de bifes nas mesas das classes de renda média alta e alta em países-sedes das empresas transnacionais.

 

A cultura da cana-de-açúcar, apontada como culpada, poderia, ao contrário, ser parte da solução, fosse outro o modelo econômico. Essa cultura usa 12% das terras de lavouras, sendo somente 6% para produzir etanol. Ela não prejudicaria a produção de alimentos, se não fosse, na maior parte, cultivada em monoculturas, como acontece sob o agronegócio, em expansão com a demanda local e mundial de etanol.

 

Ao contrário, a cana-de-açúcar e outras matérias-primas apropriadas para a indústria do álcool podem ser combinadas, em propriedades pequenas e médias, com lavouras de alimentos e com a criação de animais, tudo isso interagindo para elevar não só o percentual do etanol na matriz energética, mas também a produção de alimentos. De resto, o país ainda tem 850 milhões de hectares, sendo 350 milhões de hectares reconhecidos pelo IBGE como agricultáveis, dos quais apenas50 milhões são utilizados em lavouras.

 

2. A campanha contra os biocombustíveis

 

A moda mundial tem sido atribuir a inflação do preço dos gêneros alimentares à expansão do cultivo de plantas para fins energéticos, como os grãos cultivados na Europa e o milho nos EUA. Esses são ineficientes para servir de base à produção de etanol. Isso é usado pelos detratores da energia da biomassa para fazer crer aos menos avisados que a agroenergia usa terras em demasia, desviando-as da produção de alimentos.

 

Os aumentos dos preços destes têm as seguintes causas principais: 1) a retração da oferta, por falta de fomento, por parte da política econômica, à produção agrícola por pequenos e médios produtores; 2) o efeito do aumento dos preços dos combustíveis e dos fertilizantes, ambos sob controle da oligarquia financeira mundial; 3) do lado da procura, o modelo econômico concentrador e privilegiador das exportações e do transporte individual em veículos automotivos, pautado pela indústria do petróleo (gasolina; óleo diesel e asfalto) e pela indústria automotiva.

 

Como se deveria saber, o Banco Mundial impôs, há decênios, sob a influência da Fundação Rockefeller, a `revolução agrícola`, alastrando pelo mundo o uso de fertilizantes e pesticidas químicos, para grande prejuízo da saúde dos consumidores e da preservação da qualidade dos solos.

 

Ora, a produção em grande número de unidades rurais de etanol e de óleos vegetais, para serem usados em motores adequados a esses combustíveis, traria ganhos imensos ao país, em termos de elevação da renda, com boa distribuição, e livraria as grandes cidades dos horríveis gases tóxicos emitidos pelos carburantes de origem fóssil. Além disso, suscitaria dezenas de milhões de empregos. A biomassa é também a fonte mais econômica e mais favorável ao ambiente para as termelétricas.

 

Mais ainda: 1) proporcionaria enorme crescimento da oferta de alimentos (e assim seu barateamento), por meio de lavouras e de pecuária associadas àquelas unidades agroenergéticas; 2) economizaria terra, dada a elevada produtividade dessas produções interativas; 3) regeneraria os solos, graças aos adubos orgânicos resultantes da combinação de subprodutos.

 

3. Taxas de juros

 

Em 23.07.2008 foi, mais uma vez, elevada a taxa básica de juros (SELIC), aplicada em títulos públicos, agora para 13% aa. Os pontos percentuais das demais taxas de juros equivalem a múltiplos da SELIC que podem ser até mais de 6, como ocorre com alguns empréstimos a pessoas físicas a 9% ao mês, ou seja, mais de 180% aa.

 

Como costuma acontecer, a mídia noticia a alteração da SELIC, sempre acompanhada da desculpa do Banco Central e da maioria dos formadores de opinião, segundo a qual o aumento da taxa seria necessário, por causa da inflação em alta.

 

Na realidade, o aumento das taxas de juros tem mais efeito para fazer subir os preços do que para diminuí-los. Para começar, os juros são um componente dos custos de produção. Assim, juros mais altos resultam em custos maiores e preços também mais elevados.

 

Somente a curto prazo, o aumento de juros poderia conter um pouco a inflação, ao desencorajar os consumidores de comprar a crédito, o que faria diminuir a quantidade procurada de bens e serviços. Mas nem isso é certo, uma vez que os preços são, em geral, determinados em mercados de escassa concorrência, por ser a economia muito oligopolizada e cartelizada.

 

Os juros no Brasil têm sido sempre absurdamente onerosos, e, há anos, o país detém o triste título de ter as taxas de juros mais altas do mundo. Elas inibem os investimentos. Consequentemente, a produção, e, portanto, a oferta de bens e serviços. Com esta em declínio, a tendência dos preços é subir. Os investimentos são desestimulados não só porque o capital para investir fica mais caro, mas também porque os produtores vêem possibilidades menores no mercado em face da repressão ao consumo sinalizada pelo aumento dos juros. Ninguém investe para produzir e depois não vender.

 

Ademais, os descomunais juros do mercado financeiro brasileiro atraem capitais estrangeiros especulativos, que se cevam na dívida mobiliária interna e em títulos privados e seus derivados, para transferir anualmente centenas de bilhões de reais para o exterior.

 

Enquanto prevalecem os ingressos sobre as saídas de capital, o real acumula valorização mais que excessiva. Assim, as empresas brasileiras ficam em ainda piores condições de competir nos mercados externos. Ademais, como elas não têm acesso a dinheiro a juros módicos praticados no exterior, são ainda mais inviabilizadas, até no mercado interno, dominado por subsidiárias de empresas transnacionais. Estas, ademais de desfrutarem de incríveis subsídios governamentais nos níveis federal, estadual e municipal, podem captar no exterior o pouco capital de que necessitam.

 

Em suma, são imensos e duradouros os malefícios à economia da política de juros altos, pois, além de causarem inflação, colocam a produção em nível cada vez mais baixo. Na continuação, os resultados são desastrosos: 1) renda real em queda; 2) elevação dos preços de bens e serviços; 3) desemprego em aumento.

 

Diante disso, aflora a inevitável pergunta: por que, então, as taxas de juros vêm sendo elevadas? A resposta é óbvia: prevalecem na política as decisões dos grupos mais poderosos, e a sociedade difusa, o grosso da população, não faz parte desses grupos.

 

A mídia - inclusive todas as redes nacionais de TV e mesmo a virtual totalidade das TVs de menor porte - não abre espaço para a contestação às mistificações da política econômica, encobridoras de incomensuráveis prejuízos à sociedade.

 

Adriano Benayon é doutor em Economia. Autor de `Globalização versus Desenvolvimento`, editora Escrituras. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Publicado originalmente em A Nova Democracia, nº. 45, agosto de 2008.

 

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