Implicações político-econômicas da integração energética
- Detalhes
- Joaquim Francisco de Carvalho
- 21/08/2009
O objetivo de qualquer processo de integração regional é tirar partido de complementaridades existentes entre os parceiros, em benefício de todos e de cada um per se. A integração pode abranger unidades políticas e regiões econômicas, realizando-se entre grupos sociais ou entre setores e segmentos da agricultura, da indústria, das finanças, do comércio etc. É vertical quando se refere a um mesmo setor ou segmento, ou horizontal, quando abrange mais de um setor na mesma região ou em regiões diferentes.
A integração compreende uma componente objetiva, ou material, que é sua razão de ser, e uma componente formal, caracterizada por dispositivos contratuais e pela quantidade e tipo das conexões que compõem a rede de fluxos de serviços e mercadorias (ou de bens culturais) que constituem a componente objetiva.
Observe-se que regiões agrícolas e industriais são naturalmente complementares, mas sua integração econômica pode gerar trocas desequilibradas e injustas, que geralmente deflagram processos de desintegração social. Exemplos recentes desse fenômeno são o movimento dos indígenas mexicanos da Região de Ciapas e as guerrilhas urbanas promovidas por diversas organizações não governamentais, durante as reuniões da OMC em Seattle, Washington, Davos, Praga, Nice, Goteburgo, Gênova etc.
Associados à componente formal da integração estão os conceitos de conexidade, polarização e vulnerabilidade.
Integração em região conexa é aquela cujas trocas se processam no interior de uma região contínua, como, por exemplo, aquela coberta pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e integração em regiões desconexas é a que associa pólos situados em regiões descontínuas (Argentina e Estados Unidos, por exemplo).
O conceito de polarização implica uma hierarquização funcional dos diversos pólos que compõem a rede integrada, esteja esta numa região conexa ou em regiões desconexas.
São vulneráveis as redes sujeitas a desequilíbrios provocados pela excessiva influência (política, econômica, administrativa, cultural etc.) de determinados polos sobre os demais, podendo mesmo romper-se e subdividir-se em duas ou mais redes, com uma dominando a(s) outra(s) em termos do equilíbrio entre os efetivos valores de troca dos fluxos intercambiados.
Parece, pois, claro que nem sempre os processos de integração econômica regional são favoráveis ao desenvolvimento de todos os parceiros.
Para que um país se desenvolva é necessário que a intensidade de capital investido por trabalhador empregado se aproxime da intensidade encontrada nos países que usam a tecnologia mais moderna, que são os países desenvolvidos. Tal nível de investimento somente será viabilizado se a demanda for suficiente, o que implica preços competitivos.
Evidentemente os processos de integração regional só podem compreender três casos:
1. Entre países subdesenvolvidos;
2. Entre países desenvolvidos;
3. Entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (que tende a polarizar-se na forma de bloco subdesenvolvido integrado a bloco desenvolvido).
Nos dois primeiros casos é provável que a integração seja favorável para todos, pois em países igualmente desenvolvidos os níveis de eficiência são aproximadamente os mesmos. Há, portanto, bens distribuídos pelos diversos países integrados, produtores mais eficientes que ocupam o mercado dos menos ineficientes, ganhando escala que permite a redução dos custos e a realização de investimentos modernizadores que eram inviáveis em mercados nacionais mais restritos. As perdas em determinados setores podem ser compensadas por ganhos em outros, sem que haja grandes desinvestimentos líquidos em nenhum país. O Mercosul ilustra o primeiro caso e a União Européia é um bom exemplo do segundo.
No terceiro caso é provável que a situação se desequilibre ainda mais, pois é de se esperar que os incrementos de demanda gerados pela integração sejam capturados pelos produtores eficientes, que se concentram em maior número no país (ou no bloco) desenvolvido. Essas transferências de demanda provocarão nos países menos desenvolvidos (de altos custos) desinvestimentos em alguns setores e, em outros setores, a monopolização dos aumentos da demanda por poucos participantes eficientes, criando obstáculos para futuros investimentos que também poderiam ser eficientes nesses setores. Se efetivamente fosse criada, a Alca recairia neste caso, pois os dois principais participantes, Brasil e Estados Unidos, apresentam níveis de desenvolvimento bem diferentes.
Face ao desnível tecnológico entre ambos, era previsível que as empresas americanas se concentrariam nos setores de tecnologia mais avançada, que utilizam mão-de-obra mais qualificada (setores que agregam mais valor por trabalhador empregado e que crescem a taxas mais elevadas). Enquanto isso as empresas brasileiras ficariam nos setores que empregam muita mão-de-obra pouco qualificada e usam recursos naturais em grande escala (atividades de baixo valor adicionado por trabalhador e crescimento relativamente lento). Assim, o distanciamento tecnológico entre os dois países tenderia a aumentar sempre: os Estados Unidos se superdesenvolveriam à custa do perene atraso do Brasil, que se contentaria, na melhor hipótese, com ascender à condição de país semidesenvolvido, especializado em atividades industriais de baixa tecnologia e mão-de-obra rudimentar.
Em curto prazo é possível que o Brasil tivesse alguma vantagem com a transferência, dos Estados Unidos para cá, de atividades intensivas de mão-de-obra, com óbvios reflexos positivos sobre os índices de emprego. Mas seriam vantagens limitadas e imediatas, que não contribuiriam para resolver no longo prazo os verdadeiros problemas do Brasil.
Integração energética da América Latina
Além de extensas reservas de petróleo, carvão e gás natural, alguns dos países latino-americanos dispõem de importantes fontes renováveis de energia, tais como o potencial hidroelétrico e grandes extensões de terras adequadas para o plantio de culturas energéticas (cana-de-açúcar, florestas industriais, etc.).
No tocante aos rios de fronteira, já estão construídos e operando, na região do Mercosul, três aproveitamentos binacionais muito importantes: Itaipu (parceria do Brasil com o Paraguai) e Yacyretá (Paraguai-Argentina), ambos no rio Paraná, e Salto Grande (Uruguai-Argentina), no rio Uruguai.
Em fase adiantada de construção temos Corpus (Paraguai-Argentina), no rio Paraná, e Garabí (Brasil-Argentina), no rio Uruguai. Em estudos de viabilidade há, no rio Uruguai, os aproveitamentos de Roncador e San Pedro (ambos em parceria do Brasil com a Argentina). Em fase de inventário está o projeto de Itatí-Itacorá (Argentina-Paraguai), no rio Paraná. Têm sido muito simples os entendimentos bilaterais para a exploração desses aproveitamentos.
Quanto aos combustíveis e em outros segmentos do setor energético, podem surgir obstáculos de ordem técnica e econômica, ligados à compatibilização entre o uso ótimo dos recursos existentes e questões relacionadas à logística dos transportes e ao comportamento da demanda ao longo do ano, e dependentes da sazonalidade de safras energéticas como a cana-de-açúcar. Nesses casos, muito cuidado deve ser dispensado às estruturas de formação de custos e ao estabelecimento de tarifas que não inviabilizem certas atividades industriais e comerciais e, sobretudo, que não sacrifiquem ainda mais a população, como ocorre com as termelétricas a gás natural importado que, por força de contratos da modalidade take or pay para a compra do gás, deverão operar na base do sistema, criando sérios obstáculos para o aproveitamento otimizado do potencial hidrelétrico.
Para viabilizar-se uma integração que beneficie a todos os países da região (não apenas aos poderosos grupos multinacionais interessados exclusivamente em explorar o mercado expandido pela integração), pode-se estudar, em colaboração com os países vizinhos, a adoção de algum tipo de moeda-convênio para aproveitar os saldos comerciais gerados pelas trocas no setor energético e explorar, no âmbito da região, complementaridades identificadas em outros setores.
Joaquim Francisco de Carvalho, engenheiro, é consultor no campo da Energia.
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